Por: Paulo Silva, da redação de UFSC à Esquerda em 10 de abril de 2017
A situação que a classe trabalhadora enfrenta hoje é dura e tende a piorar. Durante os últimos anos, em todos os dias, os trabalhadores que abriram o jornal leram notícias terríveis, cortes de direitos, cortes nos programas sociais, ataques à previdência social, ao SUS, à educação, etc. Para enfrentar a ofensiva terrível que o Capital lança contra nós, é preciso entender o passado, analisar o presente, e acumular forças para criar um futuro diferente daquele que o Capital planeja.
Portanto, não podemos propor algo diferente para o futuro se não entendermos o que foi a administração petista do Estado – que chamaremos de Lulismo – e agora a administração de Temer. Para entendermos o que foi o Lulismo precisamos recuperar alguns elementos de textos que já foram publicados anteriormente no UFSC à Esquerda.
O Lulismo surge ainda no governo FHC, explorando as divergências entre os setores burgueses que estavam no bloco de poder. Enquanto dominava a fração neoliberal mais extremada, ligada ao grande capital bancário, que engendrava as políticas de juros altos, abertura comercial e supervalorização do Real frente ao Dólar, o grande capital industrial, também neoliberal, sentia o peso das medidas e chegou a organizar, em 1996, manifestação em Brasília contra o “sucateamento da indústria”, pedindo a desvalorização do câmbio e a redução das taxas de juros praticadas.
PT e CUT trabalharam para rebaixar seus programas a discursos conciliatórios, aproximando seu principal quadro político dos industriais. Essa manobra, que aproximou o movimento operário, principalmente o paulista, aos industriais garantiu ao partido a confiança de parcela de frações no bloco dominante. Com a eleição de Lula da Silva em 2002, com um representante orgânico da burguesia industrial têxtil como vice, José de Alencar, que havia sido presidente da Federação das indústrias de Minas Gerais e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria, há uma alteração na hierarquia do bloco de poder dominante, e é esse mesmo bloco que dominará até o impedimento da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
Para mostrar a que veio, os primeiros anos do governo de Lula da Silva realizaram, além do lançamento da famosa Carta aos Brasileiros (2002), uma política econômica ultra-liberal, ortodoxa, de dar inveja ao Governo FHC. Os governos petistas são, então, governos desse bloco no poder, com rearranjos entre as frações burguesas e a hierarquia entre elas.
Apesar de se eleger em 2002 com ampla base social sindicalizada, de frações médias da classe trabalhadora, o governo trabalhará para a ampliação dessa base com a implantação de políticas públicas de “redistribuição de renda”, entre elas o bolsa-família, e a valorização do salário mínimo acima da inflação. Esse movimento incorporará à base social do Lulismo as frações baixas da classe trabalhadora, não sindicalizada, com empregos precários.
Longe de levar a classe trabalhadora a uma luta por avanços ou reformas, as políticas petistas significaram o apassivamento de amplos setores da classe trabalhadora, que não lutaria mais por outra sociabilidade, por outra forma de organizar a produção e a distribuição das riquezas. Os anos de Lulismo foram extremamente deseducadores e prejudiciais às lutas da classe trabalhadora, sobrando aos movimentos um enorme déficit organizacional, formativo e de experiências de luta. Essa é, do nosso ponto de vista, a expressão máxima do Lulismo em relação à classe trabalhadora e aos movimentos, o sentimento de que não precisaríamos mais ir as ruas, não precisaríamos mais lutar, mas apenas votar para continuar garantindo avanços. Esse é um dos motivos para que mais tarde, em 2016, não houvesse resistência suficiente para barrar o golpe que tirou da cadeira da presidência Dilma Rousseff, como também para barrar os duros ataques aos direitos e a reversão de tudo aquilo conquistado durante o período de auge do Lulismo.
Durante todo o governo petista, a política econômica adotada foi favorável ao capital, os avanços em direitos e programas de redistribuição de renda só foram possíveis por conta da situação externa extremamente favorável. Os preços dos produtos que o país exporta -minérios, petróleo, soja, matérias primas, e etc. – estavam em alta e por isso permitiram a política do ganha-ganha, em que o capital era majoritariamente beneficiado e onde também foi possível fazer “política social”, elevar o salário mínimo, “redistribuição de renda”, etc. Esse elemento conjuntural foi essencial para a manutenção da estabilidade política do país, que começa a mudar após a crise que se inicia em 2008, com a queda do preço dos produtos que exportamos, e tem seu ápice em 2013, com grandes manifestações de rua, com direção política difusa.
O ano de 2013, de fato, é o ponto de inflexão. A partir daí não será mais possível manter a política de ganha-ganha, ataques aos direitos da classe trabalhadora começam a aparecer dia após dia num ritmo crescente. A resistência começa a se rearticular, na classe trabalhadora, e entre as frações burguesas do bloco no poder as disputas começam a se intensificar. Essas disputas se acirram ao ponto em que, ao serem convocadas por setores burgueses, grandes contingentes da classe média participam de manifestações gigantescas pelo impedimento da presidente petista Dilma Rousseff, que se consuma em 31 de agosto de 2016.
Em 2015, com a arrecadação em baixa, o governo petista de Dilma faz o que nas eleições de 2014 prometeu não fazer. Coloca Joaquim Levy no ministério da fazenda e adota a política econômica dos derrotados na eleição. De fato, não poderia acontecer diferente, o Lulismo não poderia romper com as frações burguesas com a qual governava. É nesse ano que se faz um ajuste fiscal, leia-se, um enorme contingenciamento de gastos, ataque a direitos, corte de verbas na educação, cancelamento de concursos públicos, reajustes salariais para servidores abaixo da inflação, etc. Além dos aspectos já mencionados, o ajuste fiscal demonstra o compromisso do Lulismo com a burguesia brasileira, principalmente com o setor financeiro e os setores do latifúndio e indústria já altamente financeirizados.
Consumado o golpe, assume o vice-presidente Michel Temer, vice de Dilma. Os ataques e a retirada de direitos se intensificam. Temer governa em meio à instabilidade, e ainda assim consegue impor derrotas cada vez maiores à classe trabalhadora. Com Temer no governo se faz aquilo em que sob os governos petistas seria muito mais difícil de ser feito, podendo inclusive sacrificar a base social entre a classe trabalhadora que o Lulismo tinha. Temer avança com a política reacionária de forma célere, são colocadas em pautas as contra-reformas trabalhista, da previdência, do teto de gastos, a lei da terceirização, etc. Todas essas são medidas que retirarão dos trabalhadores rendas diretas e indiretas e que servirão para recompor os lucros do empresariado brasileiro.
As verdadeiras reformas, aquelas que poderiam mudar a estrutura extremamente injusta e dependente que o país possui, não foram tocadas pelo Lulismo, em nome da governabilidade, da manutenção da aliança burguesa que era indispensável para a manutenção do Lulismo no poder. Reforma agrária, reforma da mídia, reforma do caráter regressivo da tributação (que pesa, sobretudo sobre a renda do trabalho e isenta de impostos o capital) não avançaram, pelo contrário, sofreram retrocessos sobre o Lulismo, as privatizações dos governos FHC não foram revertidas senão aprofundadas, com a concessão e privatização das previdências dos servidores públicos, de aeroportos, de linhas férreas, e outras.
A esse momento da acumulação capitalista que retira direitos, que vende o patrimônio público, chamamos de acumulação por expropriação, onde se expropria e mercantiliza tudo aquilo que já compôs renda dos trabalhadores. Para os trabalhadores, resta resistir à tormenta devastadora que está a caminho, e essa resistência não deverá ser feita sob a bandeira do Lulismo, do nosso ponto de vista, responsável direto pela situação que vivemos hoje, de desorganização da classe, do apassivamento da luta, responsável direto pela dificuldade que encontramos hoje para resistir. Aos movimentos e organizações da classe trabalhadora cabe a tarefa de construir a unidade de esquerda e fortalecê-la para enfrentar o brutal ataque sob o qual estamos sujeitos. A unidade sob a bandeira do Lulismo, colocando-o como única opção para a esquerda não é nada mais do que uma ilusão que pode colocar todo o movimento dos trabalhadores sob as vontades do capital. Um novo radicalismo político é necessário, e esse novo radicalismo passa necessariamente por romper todos os laços entre a classe trabalhadora e o Capital.
Foto: Ministério das Relações Exteriores
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