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OPRESSÕES

Alunas são punidas por se beijarem no banheiro da escola. Punição é preconceito sim!

Por: Tallia Sobral e Ana Emília, de Juiz de Fora, Minas Gerais

O colégio Vianna Júnior, Em Juiz de Fora, Minas Gerais, puniu duas estudantes que estavam se beijando no banheiro. Uma foi suspensa e a outra expulsa. O que esta medida significa?

Pouco se fala da vida privada das LGBTs. Porque duas meninas se beijam dentro do banheiro da escola, ao invés de fazerem isso no pátio, no corredor ou no portão? Vamos começar com algumas reflexões.

Quantas vezes ouvimos discursos como esses: “eu respeito os homossexuais, desde que eu não veja, meu filho não veja, que façam dentro de quatro paredes”;  “não sou homofóbico, tenho até amigo gay, mas acho estranho dois homens se pegando, prefiro que façam longe”; “acho que ninguém tem que ficar de beijo ou agarramento em locais públicos (vira as costas e dá um beijo de tchau pra companheira ou companheiro)”.

Quantos casais LGBTs e quantos casais héteros você viu de mão dada na rua ontem? Quantos beijos entre duas mulheres ou dois homens você viu nos últimos tempos? Quantos beijos entre um homem e uma mulher você viu? Quantos casais LGBTs e quantos héteros você conhece?

Provavelmente, a maioria das pessoas vão responder “quase nenhum” às perguntas sobreLGBTs e “alguns, vários” às perguntas sobre héteros. Isso ajuda a desenhar o quanto a vida afetiva de uma LGBT está restrita ao privado, ao clandestino. Meu beijo ninguém vê. Não ando de mão dada. Meu carinho é escondido debaixo da mesa ou só quando chegamos em casa (mesmo com saudade). Meu flerte é só no olhar. Meu casamento quase ninguém sabe, só os mais íntimos. Meu colega de trabalho acha que sou solteiro ou casado com uma mulher/homem. Eu fico no banheiro, no carro ou em casa, não entro em vestiário, se um dia descobrirem vão achar que fiquei olhando elas/eles, tenho medo de chegar nela, pode ser que se ofenda…

Alguns poderão pensar que eles agem assim porque preferem se esconder, não dão a cara a tapa, não assumem as responsabilidades de suas “escolhas” (não vou entrar no debate de quem acha que nossa orientação é uma escolha). Eu responderia com outras perguntas: o que motiva uma agressão a um LGBT, uma lâmpada quebrada na cabeça, uma expulsão de um bar, uma surra, um estupro corretivo, um assassinato filmado como de Dandara, com requintes de crueldade tão comuns às pessoas trans? Com certeza, a LGBTfobia.

A LGBTfobia tem reflexo em vários âmbitos da vida de uma LGBT. Seja na violência direta, como agressões psicológicas, verbais, físicas, assassinatos. Seja na condução da vida privada, de uma relação afetiva, da mais efêmera à mais duradoura.  A ideia de que ser LGBT é errado, está fora dos padrões da sociedade, que desvirtua a família, a criação dos filhos e deve ser combatido, levam àquela ideia: “ou fazem sem que eu veja, ou eu me sinto no direito de corrigi-los”.

E qual LGBT não tem medo dessa possível “correção”? Quantas de nós saímos e nos relacionamos com medo do que pode acontecer em cada esquina? Muitas.

Com isso, as duas meninas que se beijaram no banheiro da escola, nada mais fizeram do que tentar encontrar um lugar seguro pro seu beijo não ser hostilizado, agredido ou que tenha que dar satisfações aos olhos de preconceito da sociedade. Elas foram achadas, mas inúmeras outras já fizeram a mesma coisa, talvez no mesmo banheiro, buscando a mesma segurança.

E aos que dizem que escola não é lugar para beijar meninas ou meninos, devem poupar a si próprio e a nós de tamanha hipocrisia. Na escola estabelecemos relações pessoais, o beijar, ficar, faz parte dessas relações. Portanto, a grande maioria de nós já beijou dentro da escola ou faculdade.

Provavelmente, com mais dificuldade, seriam encontrados casais héteros no banheiro. Até porque não é necessário. Segundo relatos de vários estudantes da escola, eles são encontrados diariamente nos pátios, salas de aula, corredores, porta da escola e nunca foram advertidos, afastados por 3 dias ou expulsos. Estão lá, vivendo sua felicidade, amando, enquanto as duas meninas  estão afastadas do estudo. Uma terá que enfrentar o turbilhão quando sair da suspensão e voltar pra aula e a outra, tentar sua reintegração, passando por todo julgamento da população de Juiz de Fora, perdendo dias de aula e talvez até o acumulado no seu tempo de curso.

A escola prefere ser duplamente LGBTfóbica, por ter medidas diferenciadas à casais héteros e LGBTs e por demonstrar não entender em nada do que é lidar com a opressão vivida por suas alunas. Poderia estar cumprindo um papel acolhedor, de debates sobre as opressões. De ser exemplo, para os outros alunos, pra que toda a comunidade escolar se sentisse a vontade de expressar as suas relações e sentimentos. E que, inclusive, as próprias meninas, se sentissem a vontade para demonstrarem seu afeto publicamente sem serem reprimidas. Fazendo isso, a escola estaria cumprindo seu papel de educar na perspectiva na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Mas vão ter dificuldades em sair ilesos. O movimento, de alguma forma, dará seu recado!