Por: Marcos Rocha e Gabriela Mota, de Salvador, BA
O Big Brother Brasil é um programa conhecido pelo seu caráter “polêmico”. Em cada uma das 17 edições, o público vibra e torce pelos vilões e mocinhos. Na verdade, quanto mais “polêmico”, ou mais vilões, mais audiência costuma ter. Nesses 17 anos, diversas ofensivas de cunho machista, racista, xenofóbicas e LGBTFóbicas foram propagadas e naturalizadas pelo programa e pela Rede Globo. Sob o argumento de serem opiniões individuais ou fruto da pressão do jogo, muitas vezes esses casos foram ignorados ou tiveram pouca repercussão. Mas, nessa edição, a história foi diferente.
Desde o começo da relação entre os participantes Marcos e Emily, parte do público começou a se incomodar com o tratamento recebido pela moça. Durante todo programa houveram embates com cenas de ridicularização e agressões verbais protagonizadas por Marcos contra outras mulheres.
Isso foi o que aconteceu na última segunda-feira (10). Após ser indicado ao paredão, Marcos discutiu e atacou todas as mulheres da casa. Um comportamento frequente adotado por ele, e um exemplo clássico de machismo, é durante as discussões levantar a voz, erguer o dedo no rosto das mulheres e mandar elas se calarem. Em outro momento, a violência psicológica causada pelo relacionamento abusivo dele com Emily, tomou outros contornos. Durante uma discussão, ele colocou o dedo no rosto dela, empurrou-a contra a parede, mandou-a se calar e apertou o braço da moça.
O jogo seguiu normalmente, sem o programa nem o apresentador se manifestarem sobre a agressão. Mesmo constando nas regras que em caso de agressão o participante seria expulso. Mas, para a produção do programa e para a Globo, a agressão de um homem a uma mulher é briga de casal e “não se deve meter a colher”.
A agressão passaria impune se dependesse da emissora e do programa, mas a repercussão e a indignação que o caso teve nas redes sociais obrigaram a emissora a tomar um posicionamento. Primeiramente, colocaram a decisão e responsabilidade sobre a expulsão nas costas de Emily, que se colocou contra a expulsão. A indignação crescente nas redes sociais e as denúncias realizadas sobre o caso culminaram na intervenção de uma Delegada da Delegacia da Mulher (DEAM) no programa, exigindo as filmagens e constatando a agressão psicológica e física. Frente a toda essa pressão, a emissora foi obrigada a expulsar o agressor.
Essa é uma grande vitória do movimento feminista e para todos aquelas e aqueles que não se calaram frente ao relacionamento abusivo e às agressões sofridas por Emily. Foi a força das denúncias e da solidariedade entre as mulheres que tomaram a luta contra a agressão a Emily como uma luta de todas.
Muitos casos de machismo já passaram pelo programa como o de Laerte na edição anterior, que relatou em rede nacional ser pedófilo (Pedro Bial chegou a fazer piada com isso inclusive), ou o da edição 12, onde a participante Monique foi estuprada enquanto dormia pelo integrante Daniel.
Além de garantir a expulsão, a vitória do movimento está em avançar na desnaturalização da violência à mulher, tanto psicológica, quanto física, como algo inerente das relações amorosas. Quando um relacionamento abusivo ou uma agressão à mulher passa impune na televisão, incentiva que outros homens se sintam confortáveis para fazer o mesmo com suas companheiras. A eliminação de Marcos serve para coibir a reprodução dessas atitudes.
A vitória foi grande, mas ainda há um longo caminho a percorrer nessa estrada. Ao anunciar a eliminação de Marcos, o apresentador Tiago Leifert disse que o programa estava “prestando assistência ao eliminado neste momento difícil”. Basta saber se essa assistência bancada pelo programa será a mesma que Emily receberá ao sair da casa. Também, entrou nos Trending Topics do Twitter a Campanha #ForçaMarcos, onde os internautas se solidarizam com o agressor e ridicularizam a vítima.
Chama a atenção também a reação de Emily ao saber da expulsão. Vê-la aos prantos e negando as acusações, dizendo que nunca faria nada contra ele, é uma expressão de como se expressam as relações abusivas. Em poucos meses, no confinamento, Marcos mostrou exercer um enorme poder de controle sobre ela. Mesmo tendo passado por dezenas de agressões e humilhações durante o programa, ela não consegue reconhecer o que viveu. Essa é uma das demonstrações mais cruéis da violência à mulher e, principalmente, da violência psicológica. É muito difícil para a vítima entender que está sofrendo violência e que a culpa não é dela. Compreendemos que algumas vezes, mesmo a vítima não querendo denunciar (como no caso de Emily) teremos que gritar por ela.
Continuaremos dizendo “Machistas não passarão” e que não aceitaremos “Nem uma a menos”, no combate ao machismo. Por Emily e por todas as outras vítimas, não nos calaremos.
Foto: Reprodução TV Globo
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