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Corrupção era ‘legal’ na época da Ditadura

Por: Ênio Bucchioni

Há mais de 150 anos, escrevendo sobre a corrupção na sociedade capitalista, Marx afirmava:

Enquanto a aristocracia financeira legislava, dirigia a administração do Estado, dispunha de todos os poderes públicos organizados e dominava a opinião pública pelos fatos e pela imprensa, repetia-se em todas as esferas, desde a corte ao Café Borgne, a mesma prostituição, as mesmas despudoradas fraudes, o mesmo desejo ávido de enriquecer não através da produção mas sim através da sonegação de riqueza alheia já existente; nomeadamente no topo da sociedade burguesa manifestava-se a afirmação desenfreada — e que a cada momento colidia com as próprias leis burguesas — dos apetites doentios e dissolutos em que a riqueza derivada do jogo naturalmente procura a sua satisfação, em que o prazer se torna crapuleux (devasso), em que o dinheiro, a imundície e o sangue confluem.

No seu modo de fazer fortuna como nos seus prazeres a aristocracia financeira não é mais do que o renascimento do lumpenproletariado nos cumes da sociedade burguesa.1

Pode ser visto como uma confirmação publica de Marx a matéria de 12 de fevereiro de 2017 na Folha de São Paulo segundo a qual o Patriarca da empreiteira Odebrecht, o executivo Emílio Odebrecht, presidente do Conselho de Administração” afirmou que “sempre existiu” caixa dois na construtora. Segundo o executivo “Sempre existiu. Desde a minha época, da época do meu pai e também de Marcelo [Odebrecht]”2, afirmou segundo o jornal sob sigilo, ao juiz Sergio Moro.

Amarelinhos anti-corrupção”: a base social do ‘golpe parlamentar

Entre 2014 e 2015 a imensa maioria da população julgava que a corrupção no país era devida única ,seletiva e exclusivamente ao PT nos governos Lula e Dilma, e em parte ao PP e ao PMDB. Era a época inicial da Lava Jato e das denúncias e imagens, sempre com exclusividade, da Rede Globo e de seu Jornal Nacional.

Petrobrás, Odebrecht, OAS, Mendes Junior e tantas outras empreiteiras “doavam” propinas em troca de contratos futuros com os governos de colaboração de classes. Isso foi o estopim para as manifestações dos ‘amarelinhos’, para o golpe parlamentar que depôs Dilma e a formação de um governo puro-sangue das mais diversas facções das classes dominantes.

Com o passar do tempo, a população veio a saber que a relação entre empresas e políticos era mais intensa e profunda. As delações dos donos da Odebrecht e de seus diretores escancararam que os políticos do PSDB, DEM e PMDB também eram ‘financiados’ de igual maneira que os do PT.

Os figurões da classe política dominante também eram comprados pelas empresas capitalistas. Temer, o Zero Votos, foi denunciado por 43 vezes pelos delatores. Além dele, figuram na lista dos beneficiados por propina ilegal os dirigentes do PSDB como por exemplo Aécio, Alckmin e Serra, o presidente da Câmara, o Rodrigo Maia, do DEM, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira, do PMDB e centenas de outros políticos corruptos que formam a base de apoio do governo ilegítimo de Temer.

A corrupção legal na época da Ditadura. O caso Geisel.

Ernesto Geisel foi presidente da Petrobras no período 1969-1973 e logo depois assumiu, em 1974 – com 400 votos dos parlamentares da ARENA (partido criado pela própria Ditadura) a presidência do país. Em 1979 Geisel passou a faixa de ditador para o general Figueiredo e assumiu a chefia da Norquisa – Nordeste Química S.A.- em 1980 e, consequentemente, o controle da Copene- Companhia Petroquímica do Nordeste, empresa responsável pelo Pólo Petroquímico de Camaçari. Cabe lembrar que a Copene era denominação anterior da “BRASKEM S.A. Atualmente essa empresa é acusada de ter pago propina a políticos e executivos da Petrobras já que a Braskem, é o braço petroquímico da Odebrecht em sociedade com a Petrobras.

Para tal fim, Geisel se beneficiou diretamente de acordos com empresários que, rapidamente, o conduziram à coordenação da holding, devolvendo as benesses recebidas e mantendo as ligações com o regime ditatorial. De acordo com uma antiga istoé “Quinze meses depois, Geisel volta à ativa – ele assume a direção da Norquisa e o Conselho da Copene”3, e afirma que sua nomeação foi uma proposta de vários empresários. Entre eles, estavam: pela Odebrecht, Norberto Odebrecht, pela Internacional de Seguros, Celso Rocha Miranda, Pelo grupo Ultra Peri Igel e Paulo Cunha, pelo Banco Econômico,Ângelo Calmon de Sá, pelo Grupo Mariani, Clemente Mariani, e a lista segue. Todos eram conhecidos financiadores da ditadura.

Qual seria a remuneração de Geisel em valores de 2017 ?

É praticamente impossível se saber quanto ganhavam na época as diversas patentes militares. Para efeito de raciocínio podemos fazer uma estimativa de quanto receberia atualmente um general reformado.

Pela lei nº 5.774 de 23 de dezembro de 1971 a remuneração é igual se ele estiver na ativa ou reformado, caso de Geisel na década de 80. Pela tabela atual das Forças Armadas, a remuneração- soldos mais gratificações – varia entre 21 a 25 mil reais. Quanto ganharia hoje um presidente de uma multinacional como a Petrobrás ou um presidente de uma grande empresa como a NORQUISA, como foi o caso de Geisel? Uma boa resposta vem da Valor Online:

O ditado popular diz que “se conselho fosse bom, ninguém dava de graça” tem lá seu respaldo no mundo corporativo. Isso porque, se por um lado as empresas acham, sim, que conselho é bom, por outro precisam pagar caro por ele. Um presidente de “board” (Conselho Administrativo ou Consultivo de grandes empresas) no país ganha, em média, R$ 400 mil anuais, de acordo com levantamento realizado pela consultoria global Hay Group. Membros independentes, por sua vez, recebem honorários anuais de R$ 240 mil4

Em 30 de março de 2017 saiu na imprensa diária que os executivos da Petrobrás tiveram uma redução de 8% em suas remunerações. Assim, o atual presidente dessa empresa, o Aldemir Bendine, receberá R$ 106,75 mil mensais de remuneração fixa. Somando-se a remuneração como general de reserva e presidente de uma grande empresa tipo a Petrobrás ou a Norquisa, Geisel receberia hoje, no mínimo, por volta de 127 mil reais por mês, ou seja, em torno de um milhão, seiscentos e cinquenta mil reais por ano.

Desse total auferido, 1.387.750,00 viriam da Petrobrás, isso em cifras atuais, de 2017. Geisel e vários outros generais e marechais fizeram uma longa carreira militar durante suas vidas e, de repente, como veremos mais adiante, tornaram-se presidentes, diretores ou consultores de grandes empresas- até mesmo multinacionais- nos anos de chumbo da Ditadura.

Evidentemente, não foi por seus conhecimentos técnicos em administração ou finanças, mas sim porque detinham o poder político do governo e do Estado, e, em consequência, através deles os empresários obtiveram imensas vantagens financeiras. E, funcionários dessas grandes empresas, eram bem remunerados para tal fim. Era a corrupção legal.

Geisel e Odebrecht

Em 19 de setembro de 2014 a Folha de São Paulo noticiava a morte de Norberto Odebrecht. Ele fundou em 1944 a empresa de construção que deu origem ao que é hoje a Organização Odebrecht. Norberto foi o avô de Marcelo, hoje preso pela Lava Jato em Curitiba há cerca de um ano e meio. A manchete da Folha de SP nesse dia afirmava que Norberto Odebrecht aproveitou as privatizações e encarou escândalos.

Nesse texto, nunca rebatido por algum membro da família Odebrecht, podia-se ler que “por decisão de Ernesto Geisel, ( a Odebrecht) construiu também nos anos 1970 a Universidade do Estado da Guanabara (atual UFRJ). “Foi o presidente Geisel quem disse: Entregue isso àquele nordestino malcriado”, lembrou.

Mais adiante, pode-se ler “Com um trajeto diferente das grandes firmas que emergiram da construção de hidrelétricas, a empresa baiana ganhava o seu naco do “milagre econômico” da ditadura militar. A mudança rumo ao Sul foi provocada pela extinção da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e causou um choque para a companhia. ”

Segundo Norberto Odebrecht “eu não podia concorrer com a Camargo Corrêa, com os barrageiros. O grande desafio era que essas obras eram de coordenação. No Galeão, por exemplo, tivemos 184 subempreiteiras para coordenar. ”

Mais adiante, lê-se: “as obras nas regiões mais ricas do país engordaram o caixa da empresa. Entre 1976 e 1977, o faturamento quase dobrou. O crescimento real do grupo foi de 212% no período de 1973 a 1977. Menor do que as oito maiores construtoras, declarou Norberto a senadores na CPI que investigou, em 1978, o acordo nuclear. Parlamentares da oposição questionaram o fato de Odebrecht ter ganho, sem concorrência, as obras de Angra 2 e 3 –a empreiteira vencera a concorrência de Angra 1. ”

Esse crescimento de 212% se deu exatamente no período de tempo em que Geisel foi o ditador presidente do país. O filho de Norberto, cujo nome é Emílio, assumiu a presidência desta empresa até 2001 e passou o trono para seu filho, o Marcelo. Em 14 de março de 2017, na condição de testemunha de defesa de Marcelo, Emílio declarou na Justiça que “sempre existiu caixa 2 na construtora para doações de campanhas não oficiais. Sempre existiu. Desde a minha época, da época do meu pai, e também do Marcelo”.

Essa época, de Norberto passando por Emílio e chegando a Marcelo Odebrecht abrange um período de tempo que vai de 1944 até os dias atuais. São cerca de sete décadas onde as relações recíprocas e os interesses econômicos e políticos se entrelaçam entre grandes empresas capitalistas e o poder político dos governantes e a dominação sobre os trabalhadores, seja na ‘democracia’, seja na ditadura militar. A diferença nada sutil é que nos tempos da ‘democracia’ as propinas e a corrupção são veladas, ocultas e na época da Ditadura eram escandalosamente públicas.

Se atualmente a corrupção é revelada parcial e publicamente à população é porque esta conseguiu se livrar, via intensas mobilizações e greves nos anos 70 e 80, do regime militar, conseguindo muitas brechas importantes no que diz respeito às liberdades democráticas. Na época da Ditadura havia total censura nos meios de comunicação de massas e quem denunciava qualquer coisa tinha o mesmo fim que Wladimir Herzog, assassinado covardemente pelos militares.

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Outros generais e marechais envolvidos com grandes empresas

O general Arthur da Costa e Silva foi o segundo presidente ditador no período 1967-1969. Sobre ele pesam, no mínimo, dois casos escandalosos. Um deles, nunca investigado, foi a compra, pelo governo militar, de 195 vagões para a Rede Ferroviária Federal da empresa norte-americana General Electric, embora o presidente da GE, Thomas Smiley, tenha confessado que pagou suborno à direção da Rede Ferroviária para a venda ser concretizada. O detalhe é que, então, coronel Álcio Costa e Silva, filho do ex-presidente Costa e Silva, era diretor da General Electric.

Como se sabe, a General Electric Company, também conhecida por GE, é uma empresa multinacional americana de serviços e de tecnologia. A empresa atua como fornecedora de soluções de infraestrutura nos setores de energia, iluminação, transporte e diagnóstico por imagem.

O marechal Humberto Castelo Branco, primeiro governo militar após o golpe, destruiu uma companhia aérea e passou todos os seus bens para a Varig, cujo dono, Rubem Berta, apoiou o golpe e era amigo íntimo dos militares.

Na época, a Panair do Brasil era a maior companhia aérea do País, mas por meio de um telegrama do ministro Eduardo Gomes, da Aeronáutica, teve sua licença para voar cassada e o patrimônio confiscado porque o grupo acionário era ligado a Juscelino Kubitschek, opositor do regime. No mesmo dia, os hangares da empresa foram ocupados por soldados da Aeronáutica e a Varig assumiu todas as rotas internacionais da rival.

O general Golbery do Couto e Silva foi presidente da Dow Chemical Company ,empresa multinacional de produtos químicos e agropecuários que, durante a Guerra do Vietnã, foi a principal fornecedora do napalm para as Forças Armadas estadunidenses. Golbery do Couto e Silva tornou-se conhecido como um dos principais teóricos da doutrina de segurança nacional, elaborada nos anos 50 pelos militares brasileiros da Escola Superior de Guerra , sendo um dos criadores do Serviço Nacional de Informações, SNI, órgão de espionagem da ditadura contra toda e qualquer oposição ao regime militar.

Contrário à ascensão de Costa e Silva à presidência, retirou-se do governo com a posse do novo mandatário. Durante o período (entre 1968 e 1973), presidiu a filial brasileira da empresa norte-americana Dow Chemical.

Em 1967, Golbery do Couto e Silva assumiu uma vaga de ministro do Tribunal de Contas da União e, em 1974, no governo Geisel, tornou-se chefe da Casa Civil da Presidência da República, cargo que manteve com a posse do novo presidente, João Figueiredo.

O General Juracy Magalhães , no governo do Marechal Castelo Branco,foi nomeado embaixador brasileiro nos Estados Unidos. É desse período a sua célebre fraseo que é bom para os EUA, é bom para o Brasil”. Posteriormente, como Ministro da Justiça, encarregou-se da censura aos veículos de comunicação. No fim do governo de Castelo Branco, em 1967, Juracy Magalhães deixa a carreira política. Passa, então a dedicar-se ao setor privado, tendo ocupado a presidência de diversas empresas brasileiras e estrangeiras.

Presidente do conselho da Ericson do Brasil Comércio e Indústria S/A; diretor da Monteiro Aranha Engenharia Comércio e Indústria S/A; diretor da Cia Indústria de São Paulo e Rio de Janeiro (CISPER); presidente da Cia de Bebidas da Bahia (CIBEB); presidente da Polímeros de Aratu S/A (POLIAR).

 Para ficarmos só na Ericsson ,ela é uma das maiores multinacionais de controle sueco no ramo de tecnologia, fabricante de equipamentos de telefonia fixa e móvel.

Ditadura e militares diretores de empresas (1)

Corruptos e corruptores formam uma antiga história

Nesse texto apenas recordei que a corrupção ,legal ou ilegal, é uma marca inerente e histórica no Brasil e, com certeza, em todo o mundo capitalista. Em geral os que assumem cargos políticos, sejam os fardados ou os civis, recebem uma bela remuneração por suas atividades em prol das grandes empresas que os contrataram diretamente com cargos ‘técnicosou indiretamente via caixa 1 ou 2 nas eleições.

É muito raro um burguês, um proprietário de uma grande empresa ou multinacional, assumir diretamente um cargo político. Eles se valem de outros tipos de arrivistas entre as camadas sociais financeiramente inferiores e investem dinheiro neles de forma que eles se transformem em seus funcionários políticos.

Por sua vez, os financiados se valem de seus cargos políticos para proteger os interesses dos seus amos bem como se enriquecerem e até mesmo chegarem a ser sócios ou donos de empresas médias ou grandes.

Se algum historiador pesquisar detidamente a história da corrupção no Brasil provavelmente chegará à conclusão que esta chegou ao nosso país viajando nas caravelas de Pedro Álvares Cabral.

1 Karl Marx – em ‘As Lutas de Classes em França’ de 1848 a 1850

3 reportagem de Aluízio Maranhão, publicada na revista Isto É em 26 de agosto de 1980