Por: Mariana Rio, do Rio de Janeiro, RJ
Construir um debate sincero sobre a violência sexual contra mulher, entendendo os homens como algozes e vítimas de uma sociedade patriarcal, é um desafio tortuoso para todas as mulheres.
Recentemente, a BBC Brasil publicou uma matéria sobre uma mulher Islandesa que depois de 9 anos decidiu procurar seu estuprador e escrever um livro com ele. Thordis Elva tinha 16 anos quando foi violentada por Tom Stranger, que tinha 18 anos à época. Eles namoravam havia apenas um mês e tinham bebido demais. Thordis passou mal durante a festa e Stranger a levou para casa, onde cometeu a violência sexual. O crime já prescreveu, inclusive, o agressor já não mora na Islândia, e hoje Thordis Elva é uma mulher adulta, casada com um filho. Mas, o trauma ficou, nove anos depois do ocorrido ela decidiu entrar em contato com Stranger, escrevendo uma carta. Para a surpresa dela, o Tom respondeu com uma confissão, e um pedido de desculpas que culminou numa parceria de um livro, palestra em diversas universidades, e um TED que foi assistida por mais de 2,7 milhões de pessoas.
Para muitos críticos, essa parceria entre os dois têm como fundo objetivos financeiros e de ganhos pessoais, coisas que os dois negam. Outros críticos entendem que toda essa publicidade coloca os agressores nos holofotes, criando uma ideia falsa de naturalização da violência sexual.
Polêmicas à parte, essa história me chamou atenção, pela figura do agressor nas sociedades patriarcais, eu tento desmistificar a ideia do estuprador como um mostro, um doente e párea da sociedade. É claro que existem consideráveis homens que são sociopatas e cometem violência sexual, mas esse não é o caso de figuras como Tom Stranger, que representa os agressores silenciosos, os nossos namorados, colegas, amigos e familiares, que cometem violência e, dificilmente, pagaram pelos seus atos, devido à estrutura social que naturaliza a violência sexual nesses ambientes.
Segundo Thordis, na época de sua violência, ela não denunciou o caso porque estava apaixonada pela primeira vez na vida, e não compreendia a violência que sofrera, porque o estupro ocorreu na cama dela, não em uma viela, não foi um desconhecido, mas sim seu namorado que, até aquele momento, não cometera atos de abuso e agressão. Casos como Thordis são tão comuns. Segundo Stranger, na época ele até tinha noção que tinha feito algo de errado, mas pela circunstância do namoro dos dois, na cabeça dele só estava fazendo “sexo” com a namorada, não estuprando uma menina bêbada.
Esse sentimento, de naturalização dos homens para com violência sexual é algo construído socialmente, não é uma patologia. A grande maioria dos homens não foi criada para entender os limites entre consentimento e não consentimento numa relação amorosa. Ainda vivemos sobre a ótica da culpabilização da vítima de estupro, o senso comum sempre tem argumentos na ponta da língua para culpa a mulher. Diante dessa história, podemos entender que admissão da culpa pelos homens como parte do combate à violência sexual, essa auto-consciência masculina, é algo que não vem do nada, mas sim com trabalho de conscientização. Não acho que seja papel das mulheres serem as organizadoras dessa conscientização, mas nós mulheres temos um papel importante no processo de libertação dos homens das amarras do machismo.
Há uma ideia errônea de parte do movimento feminista de excluir os homens do processo de debate sobre o machismo e violência. Quando digo isso, não estou reivindicado que os homens sejam protagonistas da causa, longe disso, o movimento deve preservar seus espaços de luta e fortalecimento feminino. Mas os homens devem ser inseridos nos debates mais duros, não só na hora da acusação, ou do escacho público, mas sim no dia a dia. O incetivo de políticas públicas direcionada aos homens, casas de assistência à recuperação dos agressores devem ser algumas das pautas do debate. Ainda exite uma ideia errônea do estuprador como o desconhecido, que fica à espera de sua vítima nas vielas. As estatísticas são taxativas em confirmar que a maioria da violência contra mulher se dá na casa dela, no ambiente que deveria ser seu porto seguro.
A melhor forma de protege nossas meninas e mulheres é enfrentado a raiz do problema, não só na hora que o mal já está feito. E isso só vai ocorrer quando deixarmos de tratar a violência sexual como assunto exclusivo feminino. Já conheci homens que se revindicavam “desconstruídos” e, sem perceber, mantêm relações abusivas com as mulheres próximas a eles e têm uma ideia erroônea de superioridade para com os outros homens “não desconstruídos”. Não quero receitar uma fórmula, e nem tenho clareza de como inserir os homens nesse debate, mas o que eu sei é que os homens, que já tiveram formação e entendem o quanto é errado o machismo, deveriam dar os primeiros passos, rompendo com seus privilégios, e se esforçar para construir um debate sincero e sensível para com seus pares, em vez de querer ditar regra na formação das mulheres, como muitos fazem.
Os homens devem ter a clareza de que suas vozes devem ser ouvidas, mesmo que ainda tenham vícios e preconceitos de gênero nelas. Romper com os privilégios do agressor é complexo para os homens. Como nosso mundo seria se nossos meninos fossem criados para serem eles mesmos, para chorar em público quando tivessem vontade, abraçarem seus pais e amigos sem vergonha. Os meninos até hoje são criados para ser um modelo de masculinidade abusiva, não podem chorar, intimidade demais com outros homens é sinônimo de se gay, sua iniciação sexual geralmente é forçada, o uso de ponografia é incentivado como um modelo de reprodução de comportamento sexual. Para deixar bem claro, toda a violência sexual contra mulheres é um mal já anunciado. A demonização dos homens não ajuda em nada no combate contra a violência, mas passa a mão na cabeça deles e ajuda menos ainda. Precisamos de um equilíbrio nesse debate, que não prejudique as mulheres e provoque mais dor às vítimas, mas que chame os homens para sua responsabilidade como parte do processo.
Fica a reflexão.
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