Pular para o conteúdo
Colunas

Um importante capítulo do golpe parlamentar

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Há um ano, o PMDB desembarcava do governo petista de Dilma, pavimentando o caminho para a manobra reacionária do Impeachment

Por: André Freire, colunista do Esquerda Online

Nessa semana, se completou um ano do desembarque oficial do PMDB de Michel Temer, Romero Jucá, Renan Calheiros, Eliseu Padilha, Eduardo Cunha, entre outras “raposas” da velha e corrupta política brasileira. Desembarcou do governo petista de Dilma.

No dia 29 de março de 2016, em reunião relâmpago, que durou cerca de cinco minutos, o diretório nacional do PMDB aprovou a sua ruptura oportunista com o governo de Dilma (PT), encerrando uma aliança de praticamente uma década. Ela se iniciou ainda nos tempos dos governos de Lula, posteriormente tendo Michel Temer como vice-presidente de Dilma nas duas eleições em que ela foi eleita presidenta (2010 e 2014).

O episódio pavimentou o caminho do golpe parlamentar do Impeachment, sinalizando para o “mundo político”, a mídia e as grandes empresas que já haveria maioria significativa de parlamentares no Congresso para aprovar o Impeachment de Dilma, mesmo não havendo provas concretas de crime de responsabilidade. O golpe parlamentar se concretizou logo em seguida, com a aprovação do afastamento da ex-presidenta no dia 17 de abril, na Câmara de Deputados e no dia 31 de agosto, no Senado Federal.

Existe uma relação direta entre as alianças que o PT promoveu com os partidos da velha direita, especialmente com o PMDB, e a rapidez e agilidade com que foi efetivada a manobra reacionária do Impeachment no Congresso.

Depois de um ano do fim da aliança PMDB – PT em torno da manutenção de Dilma na Presidência da República e da posterior votação do Impeachment no Congresso torna-se necessário e urgente um balanço político entre os ativistas que lutam hoje contra o governo ilegítimo de Temer.

As alianças políticas e eleitorais do PT com os partidos que representam os interesses das grandes empresas, bancos e do agronegócio demonstraram sua falência. Significaram mais de uma década de governos que no fundamental não mudaram a política econômica que sempre privilegiou os ricos e poderosos.

Os governos do PT não mexeram em nada no pacto de governabilidade das elites brasileiras. Não fizeram uma reforma política minimamente democrática, não fizeram a auditória da dívida pública, não sobretaxaram os lucros exorbitantes e as grandes fortunas, não reduziram a jornada de trabalho sem redução de salários, e um longo etc.

Foram governos – tanto os de Lula, como os de Dilma – que acabaram se limitando a tomar medidas mínimas de concessão aos mais pobres. Medidas que tiveram sua importância, mas não significaram uma mudança qualitativa e permanente na vida da maioria do povo, que agora vê essas mesmas medidas “irem por água abaixo”, diante da intensificação da crise econômica e dos ataques do governo de Temer e Meirelles, que, inclusive, foi presidente do Banco Central na gestão de Lula.

O que explica o golpe parlamentar?
Até os dias de hoje, setores da esquerda socialista não admitem a existência do golpe parlamentar. Insistem no erro de afirmar que o Impeachment de Dilma foi uma vitória distorcida das massas e que a saída de Dilma e a entrada de Temer “foi trocar seis por meia dúzia”.

Afirmações como estas são um grave equívoco, ainda mais nos dias de hoje. Afinal, é cada vez mais nítido que o golpe parlamentar, apoiado pelas manifestações reacionárias da direita explica, em última instância, a ofensiva de ataques que os trabalhadores estão sofrendo agora.

Isso não significa defender o PT, ou minimizar o fracasso de seus governos de aliança com os grandes empresários e os partidos da velha direita. Mas, é crucial entender que o desfecho desses governos de conciliação de classes, da forma que se deu, não foi favorável a classe trabalhadora, a juventude e a maioria do povo.

Não foram os trabalhadores que derrubaram Dilma. Ao contrário, ela foi derrubada por uma manobra reacionária, via parlamento, que deixaram a burguesia em melhores condições para aplicar seu ajuste, do que estava durante o segundo mandato de Dilma. É verdade que muitos ataques começaram nos governos do PT. Mas, hoje é impossível não reconhecer que eles ganharam mais força, dimensão e profundidade no governo ilegítimo de Temer.

Porém, também não é possível acreditar na versão que as direções do PT e da CUT dão ao golpe. Para eles, um governo popular e de esquerda teria sido retirado do poder pela velha direita, que não aceitava a sua existência e permanência.

Seria ótimo que essa narrativa petista fosse verdade. Mas, ela ignora por completo o fato de que o PT governou por mais de 13 anos, em aliança com vários partidos da velha direita, que lhe deram maioria no Congresso, e segundo os interesses de importantes setores da burguesia, especialmente dos bancos e do agronegócio.

O que fez os grandes empresários e seus representantes no Congresso retirarem seu apoio ao governo de Dilma não foi a origem do PT nos movimentos sociais e nem porque ele se apresente até hoje como um partido de esquerda. Mas, o que fez a mudança radical da postura dos ricos e poderosos em relação ao governo do PT foi sua incapacidade de ir até o fim na aplicação do ajuste econômico e das reformas reacionárias.

Os governos do PT perderam sua utilidade para os interesses dos grandes empresários e bancos. É duro, mas é a verdade. Quem iniciou muitas das medidas reacionárias que hoje são aplicadas pelo governo ilegítimo de Temer contra o povo trabalhador foram os governos do PT. Não podemos esquecer a reforma da previdência de 2003, das privatizações através das parcerias público-privadas, dos leilões das reservas do petróleo, da abertura da exploração do pré-sal para empresas estrangeiras, entre outros tantos ataques.

Mas, a gravidade da crise da economia mundial capitalista e suas graves consequências na economia brasileira fez com que os grandes empresários e os seus partidos preferissem um governo que pudesse recompor uma nova maioria no Congresso, para impor de forma mais rápida e eficaz todos estes ataques que estão sendo executados agora, que mesmo querendo, a direção do PT não teria como aplicar mais. Afinal, por exemplo, foi o próprio governo Dilma que começou a falar, ainda em 2015, sobre a necessidade de uma nova reforma da previdência, isso não podemos esquecer.

É possível um novo rumo para o PT?
Agora na oposição, a direção do PT tenta apresentar a candidatura de Lula em 2018 como a única alternativa de oposição para o povo trabalhador. Porém, não é verdade que o PT tenha mudado sua política e seu programa de governo. E, o que é pior, nem a sua política de alianças com setores da burguesia e políticos da velha direita.

O PT segue, mesmo depois do golpe parlamentar, se aliando ao PMDB e a outros partidos da velha direita. Esteve aliado ao partido de Temer em mais de mil cidades nas eleições municipais do ano passado, votou em Eunício de Oliveira para presidente do Senado, Picciani para a presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e em um tucano para a presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Onde está à frente de Governos de Estado, como no Ceará, Bahia, Piauí e Minas Gerais, ataca os servidores públicos e vem adotando medidas muito semelhantes às aplicadas nacionalmente pelo governo Temer, como o congelamento dos investimentos sociais por vários anos.

A chamada frente ampla, defendida pelo PT, PCdoB e setores dos movimentos sociais, na verdade é a reedição de uma aliança de conciliação de classes, que já nesse momento envolve políticos tradicionais como Ciro Gomes (PDT) e Roberto Requião (PMDB), que se apresentam como oposição, mas já foram governos e sempre atacaram os trabalhadores.

Não existe um novo rumo possível para o PT. O seu congresso, marcado para julho deste ano, na verdade irá avalizar a mesma política de rebaixamento programático e alianças com os patrões, que marcaram os 13 anos de seus governos.

Os trabalhadores e a juventude não devem apostar suas fichas mais uma vez nesta proposta, que no fundamental irá representar a manutenção da mesma governabilidade podre e corrupta dos últimos anos.

É necessária uma nova alternativa de fato, uma Frente de Esquerda e Socialista, composta pelo PSOL, PSTU, PCB, movimentos sociais combativos como o MTST e organizações socialistas ainda sem legalidade.

Estas organizações devem, ao mesmo tempo, seguir construindo uma ampla unidade de ação com todos os setores de oposição, uma verdadeira frente única para lutar, que prepare pela base a greve geral no dia 28 de abril para derrotar o ajuste a as reformas reacionárias de Temer, mas precisam também iniciar imediatamente a discussão de um programa alternativo do povo trabalhador frente à crise que os capitalistas criaram e a apresentação de uma pré-candidatura, que expresse essa nova alternativa contra a velha direita, mas que supere também a política de conciliação de classes da direção petista.

Foto: EBC