Vivemos em uma democracia. Será? “Estado de exceção”
Por: Ana Lúcia Marchiori, de São Paulo, SP
A Constituição Federal de 1988 em seus artigos 136 e 137, ao tratar do “estado de defesa” e de “estado de sítio”, respectivamente, diz que durante a vigência do estado de defesa, somente poderão ser restringidas (CF, art. 136) as previsões do art. 5°, XII (sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas e telefônicas), XVI (direito de reunião) e LXI (exigibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente).
Já durante a vigência do estado de sítio, poderão sofrer restrições tão somente (CF, 139) as previsões do art. 5°,XI (inviolabilidade domiciliar), XII (sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas e telefônicas), XVI (direito de reunião), XXV (direito de propriedade), LXI (exigibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente).
Ainda no o art. 220 (liberdade de manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação). Em situações excepcionais, entretanto, o estado de sítio poderá restringir todas as garantias constitucionais, desde que presentes três requisitos constitucionais, quais sejam a necessidade de efetivação da medida, deliberação por parte do Congresso Nacional no momento de autorização da medida e previsão expressa dos direitos restringidos no decreto presidencial (CF, art. 138, caput, c/c. 139, caput).
Paulo Arantes, professor aposentado do Departamento de Filosofia da USP, em um seminário promovido pela Kiwi Cia de Teatro, disse algo que representa muito bem os resquícios da ditadura militar nos dias de hoje: “O Brasil é um país que morreu e renasceu de outra maneira depois da ditadura e que hoje é indiferente ao abismo que se abriu depois do golpe militar e que nunca mais se fechou”.
O Estado ditatorial em uma sociedade de classes e a classe dominante permitir a ditadura militar, pode parecer uma coisa comum, mas é como uma guerra. A classe dominante, majoritariamente branca, mata, tortura. A ditadura no Brasil não foi imposta pelos militares, foi com apoio e financiamento das elites.
Em 31 de março de 1964, a CNBB, ABI, OAB, e tem muita, mas muita gente que está por aí e que defende o Estado Democrático de Direito, que apoiou o golpe militar no Brasil. A Ditadura é como uma explosão nuclear, como Hiroshima. As consequências não podem ser esquecidas. Como as pessoas não acham normal uma bomba nuclear, não podem achar normal matar, torturar, perseguir.
A Constituição de 1988 foi apenas uma das formas de lançar o Brasil num Estado de exceção permanente, definido por Paulo Arantes quando a própria norma é usada para suspender a ordem; ou quando aquilo que deveria ser a exceção acaba se tornando ou reafirmando a própria norma.
Mortos e Desaparecidos de hoje.
O ajudante de pedreiro Amarildo de Souza é submetido à averiguação na UPP da Rocinha e morre após sessão de tortura.
Cláudia Silva Ferreira saiu de casa para comprar pão quando foi baleada em meio a uma operação da Polícia Militar, no Morro da Congonha, Rio de Janeiro – seu corpo foi arrastado por cerca de 250 metros após cair do porta-malas da viatura. Mais de mil homens do Comando de Operações Especiais (COE) da PM ocupam as favelas do Complexo da Maré, com o apoio de tanques blindados da Marinha.
Qualquer semelhança não é mera coincidência
Os resquícios da época da ditadura são pauta de revisão e discussões: heranças políticas, econômicas, sociais e institucionais de um regime ditatorial.
As consequências se traduzem na grande concentração de renda, consequência do achatamento salarial e políticas econômicas da ditadura, na exploração e controle sobre a classe operária. Permanece o Estado de desigualdade social, econômica e política, juntamente com o clima de terror institucionalizado.
A tortura aumentou após a ditadura militar. Mas, hoje os alvos são jovens negros, geralmente da periferia, que são presos por serem suspeitos aos olhos da PM.
Quando alguém comete um crime, de fato, a lei ordena que o infrator seja apreendido. Mas, não está escrito em lugar algum que ele deva apanhar antes de entrar no camburão, que deva ser torturado, que leve choque.
Milhares de jovens denunciam abusos sofridos pela PM nas manifestações de junho de 2013. Expressões como “bomba de gás lacrimogênio”, “spray de pimenta” e “Tropa de Choque” preenchem as páginas de jornal e noticiários dos últimos meses.
A criminalização dos movimentos sociais, assim como as mortes no campo só crescem. Em Porto Alegre-Rio Grande do Sul, militantes do Bloco de Lutas, como Matheus Gomes, o Gordo, reconhecido ativista das Jornadas de Junho pela redução das passagens, já teve sua casa invadida pela polícia e hoje juntamente com outros militantes políticos estão sendo processados.
O delgado que acompanhou o inquérito disse, diante de um Juiz, em uma audiência ocorrida neste mês de março, que mantem testemunhas secretas que são infiltradas.
Em São Paulo, 21 jovens foram presos em 4 de novembro de 2016, em um flagrante forjado pelo capitão Willian Pina Botelho. De acordo com o próprio Comandante-Geral do Exército ao concluir a sindicância aberta para apurar o caso, as conclusões da corporação, o capitão estava, de fato, em “atividade de observação de inteligência”.
Sei que a maioria das pessoas têm ilusões na democracia burguesa, muitos honestos inclusive, mas em uma sociedade de classes, o regime sempre será o aquele imposto, permitido, subvertido pela elite. Só a classe trabalhadora poderá fazer a justiça da classe, aos mortos e desaparecidos políticos, aos trabalhadores e livrar a juventude, pobre, preta, as mulheres, LGBTs, da exploração e opressão.
Ana Lucia Marchiori é advogada de Direitos Humanos, do escritório Direito de Classe e militante do MAIS.
Comentários