Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP
Desde a semana passada, estradas, comércios, bancos, escolas, postos de gasolina, entre outros estabelecimentos, estão sendo bloqueados ou fechados nas principais cidades do país, com destaque para a capital Caiena. E, nesta última segunda, 27, iniciou-se uma greve geral convocada pela União dos Trabalhadores Guianenses (UTG) – principal central sindical e com relações com a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) francesa.
Nesta terça-feira, 28, de acordo com a polícia local, as manifestações nas duas principais cidades reuniram cerca de 8 mil pessoas em Caiena (a cidade tem 54 mil habitantes, de acordo com censo de 2013) e 3,5 mil em Saint-Laurent-du-Maroni (aproximadamente 41 mil habitantes).
Uma colônia em crise social
Cinicamente chamada de Departamento Ultramarino Francês, a Guiana é uma das colônias desse país imperialista – foi ocupada ainda no século XVII, sendo o ouro um dos principais produtos roubados do país. Atualmente é o principal território da União Europeia na América Latina e com uma localização estratégica para o lançamento de foguetes e satélites, abrigando a Agência Espacial Europeia no Centro Espacial de Kourou. A maior parte da população, cerca de 50% dos habitantes, são descendentes de ex-escravos que foram forçados a virem trabalhar na colônia francesa.
As condições de vida dos trabalhadores guianenses são das mais precárias: a taxa de desemprego é de 22%, enquanto na França está entre 9%. Já a expectativa de vida é uma das mais baixas: 58 anos, enquanto na França é de 82 anos. Na Guiana, aproximadamente 40% das crianças vivem abaixo da linha de pobreza. Nesse sentido, a crise social é bastante grande e a falência do Estado francês também.
Para além desses dados alarmantes, típicos de países atrasados, outro problema que vive a Guiana é o da violência. Um latrocínio, meses atrás, foi o que desencadeou a formação de um movimento conhecido como 500 frères (500 irmãos): movimento que utiliza gorros pretos cobrindo os rostos, assim como camisetas pretas e que foi o principal responsável por iniciar as mobilizações.
No dia 17 de março, a ministra da Ecologia da França, Ségolène Royal participou de uma conferência em Caiena. Durante sua conferência, ela foi surpreendida pela ocupação do prédio pelo movimento 500 frères: o movimento entregou a pauta de reivindicações que exige o fim dos squats, a erradicação das ocupações de prédios (squats), o reforço da polícia local e a extradição de cerca de 50% dos presos que estão no país, que não tem origem guianense. Após essa ocupação, diversas delegações, como a dos EUA, se retiraram da conferência com medo da insegurança.
Um dos líderes desse movimento declarou que “um ladrão morto, é um ladrão que não rouba mais”. A candidata da extrema direita nas eleições francesas, Marine Le Pen, já voltou a jogar a culpa nos “estrangeiros” – que nesse caso são principalmente brasileiros, haitianos e surinameses – como os principais culpados pela situação de caos que vive o país. Nesse sentido, nos parece que a força inicial desse movimento foi capitaneada por um grupo político de direita com um programa reacionário frente à questão da violência.
A entrada dos sindicatos
Após uma semana de bloqueios no país, com uma breve pausa no final de semana para que a população pudesse ter acesso aos supermercados e outros comércios, a principal central sindical decidiu entrar a fundo no movimento, pois a crise não está somente na insegurança da população, mas também é uma crise social.
A amplitude do movimento nestes dois dias de greve geral foi muito forte: o porto comercial, aeroportos, a prefeitura e os prédios dos governos locais estão fechados. Isto inclui também um atraso em teste de foguetes da Agência Espacial Europeia.
De acordo com o jornal Le Monde, uma coordenação de coletivos tornou pública as reivindicações: às reivindicações elaboradas pelos 500 frères em relação a insegurança, foram incorporadas reivindicações de construção de escolas, contratação de professores, transformação de hospitais privados em públicos, reivindicação de acesso a terra, reconhecimento dos direitos dos povos nativos, a reivindicação de uma “zona franca e social por dez anos”, entre outras medidas. Esse programa se parece mais uma combinação de “frente nacional”, com apoio massivo de setores do proletariado, da pequena burguesia e burgueses nativos que combinam reivindicações reacionárias e liberais com reivindicações democráticas e sociais. Até o momento, o governo francês enviou uma delegação para começar negociação, mas os 500 frères se recusaram a negociar com essa comissão, exigindo a negociação direta com as principais autoridades políticas francesas.
Uma das características mais visíveis no movimento é seu caráter nacionalista. Nas manifestações dessa terça, 28, as bandeiras da Guiana eram majoritárias, enquanto na prática não existiam bandeiras francesas. Esse caráter nacional parece ser um componente forte, ainda que não se desdobre para uma reivindicação de independência política em relação a metrópole.
Foto: https://t.co/JwkdtDuzTR
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