Por Lucas Reis da Silva, Historiador, Bacharel em Direito e Auditor-Fiscal do Trabalho
Tratava-se de um acidente de trabalho fatal na construção civil na região Oeste de Santa Catarina. A chefia de fiscalização me informou o fato e me dirigi ao prédio, ainda com oito andares onde, do fosso do elevador, se sentia forte cheiro de sangue. Eu nunca havia sentido um cheiro tão forte na minha vida! O acidente que cheguei para analisar ocorrera três horas antes da minha chegada e levou a óbito um trabalhador da construção civil (pedreiro).
O empregado morto, que na data anterior tinha trabalhado até as 22hs, no dia do acidente iniciou sua jornada às 7h. Antes de iniciar o trabalho de reboco da parede, ele pegou a vassoura e tentou limpar o chão. Não conseguiu! O fosso do elevador não estava adequadamente protegido. Havia apenas uma fina tábua de madeira sobre a qual o empregado pisou enquanto varria o oitavo andar daquele empreendimento de luxo. A tábua não suportou seu peso e ele caiu oito andares. Morreu na hora!
Depois de lavrar o termo de interdição da obra, entreguei ao preposto da empresa (não ao dono, é claro. Esse, que mais lucra, nem no Brasil se encontrava. Enquanto morriam seus empregados por falta de proteção das periferias de suas obras, ele se encontrava de férias, há alguns meses, na Europa). Pois bem. Depois de entregar o termo de interdição da obra, entreguei ao preposto a notificação para apresentação de documentos, para que eu pudesse proceder à lavratura dos mais de 40 autos que fiz naquela obra. Foi aí que me espantei. O preposto da empresa me disse: “Não. Vou lhe indicar o endereço do funeral do empregado. Lá, você vai deixar a notificação com a esposa do empregado morto. Sabe o que que é? É que ele não era nosso empregado. Ele era um empregado TERCEIRIZADO.
Sua esposa, que trabalha junto com ele, também empregada da construção civil, era uma MEI (Micro-empreendedora individual). Ela é micro empresária e o empregado morto, TERCEIRIZADO, é empregado dela. Ela que arcará com os autos de infração. Ela que pagará as multas. Deixa essa notificação com ela. Ela já deve ter se dirigido ao funeral”.
Seria cômico se não fosse trágico! A esposa, que chorava a morte do marido assassinado pela fúria do capital na construção civil, ainda teria que arcar com toda responsabilidade trabalhista decorrente do acidente de seu marido. À empresa tomadora, o lucro, apenas o lucro!
Mas é claro que tratava-se de fraude ao vínculo empregatício, o que rendeu à empresa ainda mais um auto de infração. De acordo com a súmula 331 do TST, não poderia haver terceirização na atividade-fim, ou seja, aquela situação estava irregular e ambos, o empregado vítima do acidente fatal e sua esposa eram empregados da construtora e era ela quem deveria arcar com as responsabilidades trabalhistas e administrativas.
Mas ontem, a Câmara dos Deputados mudou isso. Foi o maior ataque aos direitos trabalhistas em pelo menos um século. Depois da sanção presidencial, em se autorizando a terceirização na atividade-fim, não há como imputar à construtora a responsabilidade, como no caso que narrei acima. A responsabilidade será da esposa que chorava sobre o caixão do marido. Tudo isso sacramentado ontem, com a aprovação da terceirização Irrestrita. É o início do desmonte completo da CLT.
O trabalhador “chão de fábrica” já sabe os dramas da terceirização. De acordo com dados do Dieese, trabalhadores terceirizados recebem salário 24% menor do que os trabalhadores contratados de forma direta, apesar de trabalharem, em média, 3 horas a mais por semana. 80% dos acidentes fatais na Petrobrás têm como vítimas trabalhadores terceirizados. De acordo também com o dieese, caso os trabalhadores terceirizados fossem contratados de forma direta, seriam criadas quase novecentas mil vagas de emprego no Brasil. A terceirização mata, desemprega e precariza as relações de trabalho. Em sua faceta mais nefasta, a chamada “pejotização”, a terceirizaçao representa a flexibilização completa dos direitos dos trabalhadores.
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