Comentário sobre a Websérie “O Filho dos Outros” que estreou nesta quarta-feira na internet
Por: Paulinho Tó*, de São Paulo, SP
Sem dúvida, um dos elementos mais relevantes da conjuntura política brasileira atual é o crescimento da extrema direita. Essa direita, que até pouco tempo andava de cabeça baixa, envergonhada dos crimes cometidos pela ditadura militar, recoloca em pauta, com o peito cheio, a discussão sobre a redução da maioridade penal. A consequência objetiva disso é o projeto de lei que tramita atualmente no parlamento, com grandes possibilidades de ser aprovado. Imerso nesse contexto de polarização política, a Websérie documental “O Filho dos Outros” é concebida pelo Coletivo Rebento e estreou nesta quarta-feira, dia 22 de março, na internet.
Dividida em quatro episódios, a obra mergulha nas condições das casas de “reabilitação”, na realidade do jovem infrator, no sofrimento de seus familiares, no mercado do crime e no universo cultural do adolescente das periferias brasileiras. Logo de cara, o público é introduzido à dura realidade das casas “socioeducativos” no Brasil, em que, muitas vezes, os jovens são agredidos e torturados sistematicamente e que, em alguns casos (como no Estado do Ceará), essas instituições funcionam de maneira quase idêntica ao sistema carcerário. E essa tem sido a tendência das casas em todo o Brasil, o que significa que o encarceramento de menores já acontece, na prática. O primeiro episódio, “Pea”, mostra a falência desse sistema, comprovada pela altíssima reincidência do jovem liberto no crime.
Enquanto a direita militante da redução da maioridade penal, munida de todo tipo de preconceito, se esforça em retirar a humanidade desses jovens, em reduzi-los ao conceito mistificador de “bandido”, apagando, com isso, qualquer possibilidade de empatia com ele, o segundo episódio de “O Filho dos Outros” nos aproxima da realidade de alguns desses jovens, em entrevistas concedidas pelas mães e por ex-internos da antiga Febem, atual Fundação Casa. Ouvimos as histórias de sofrimento e as consequências psicológicas e emocionais da internação para esses jovens, bem como a agonia vivida por seus familiares do lado de fora.
Os relatos continuam no episódio seguinte, “Ovelha Negra”, que procura mostrar como esses jovens entram no mundo do crime – as circunstâncias de suas vidas e suas motivações. A dinâmica desses relatos, sempre intercaladas por entrevistas de estudiosos no assunto, é bastante esclarecedora. A entrada desses jovens na criminalidade é observada na perspectiva do mercado bilionário do crime, sobretudo o do tráfico de drogas, que, como qualquer setor econômico, atrai mão-de-obra de jovens periféricos em massa para executar seus serviços. Vemos que, a partir dos anos 1990, o mercado ilegal se fortalece com o a política de encarceramento, que, no limite, estimula a formação do PCC. Nesse sentido, o episódio pendula nossa atenção entre as razões, demasiadamente humanas, que levam determinados jovens a entrar para o mercado ilegal e a lucrativa “indústria” do crime.
Por fim, em “Roda Gigante”, quarto e último episódio, entramos em contato com o universo cultural do adolescente da periferia. Através de relatos dos próprios adolescentes, o documentário nos aproxima das músicas, das roupas, das danças e da cultura do funk. Todos esses elementos culturais são geralmente utilizados pelas autoridades de forma preconceituosa para identificação de “suspeitos” – vide o caso dos “rolezinhos” em Shopping Centers de classe alta de São Paulo. No documentário, os jovens comentam esses eventos, marcados pelas redes sociais, reprimidos pela polícia e recriminados por diversos veículos da grande mídia.
Em resumo, “O Filho dos Outros” discute, com inteligência e sensibilidade, os principais pontos da argumentação favorável à redução da maioridade: a sua ineficiência na reabilitação do jovem infrator; a falsa ideia de que a sua aplicação reduziria a criminalidade; a desmistificação da pecha de “bandido”; e o entendimento das razões objetivas que levam o jovem ao crime.
A redução da maioridade é uma proposta populista da direita e tem encontrado ecos relevantes na sociedade brasileira. Por isso, “O Filho dos Outros” é uma obra corajosa e necessária pros nossos dias.
Canais de exibição:
YouTube (/ofilhodosoutros)
Facebook (@ofilhodosoutros)
¬ Cronograma de divulgação
1o ep – 22/03 (qua) – Pea
2o ep – 24/03 (qui) – Salmo 121
3o ep – 28/03 (ter) – Ovelha Negra
4o ep – 30/03 (qui) – Roda Gigante
*Paulinho Tó é músico, compositor e pesquisador de canção brasileira. Atualmente lançou seu segundo álbum de canções autorais, De cara no asfalto.
Foto: Reprodução Youtube
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