Por: Mariana Rio, do Rio de Janeiro, RJ
A realidade de todo dia constrói um peso grande para a juventude que nasceu na era das mensagens instantâneas. Mas, a forma com a qual alguns sujeitos têm lidado com as pressões do dia dia vêm preocupando especialistas pelo mundo a fora. Recentemente, um artigo longo do escritor de quadrinhos americanos Dale Beran, publicado originalmente pela plataforma Médium, e traduzindo aqui no Brasil pela Folha de São Paulo, me chamou atenção pelo seu conteúdo revelado, que já é bem conhecido pelos usuários de fóruns de discussão espalhados pela internet: existe um fenômeno claro de idiotificação da juventude milênio.
Focando na juventude americana usuária de fórum de discussão da internet, que até alguns anos atrás se mostrava promissoramente revoltada com o sistema no qual vivia, o autor demonstra que todo potencial dessa “galera” foi jogada no lixo e capitalizada pelo que há de pior da direita americana, para ficar mais claro, tudo começou no 4chan, que, para quem não sabe, é um dos fóruns de discussão na internet mais famosos do mundo, mas que tem sua maioria de conteúdo produzida pelos americanos. Antigamente, era um fórum de compartilhamento de piadas em imagens (os atuais memes), e conteúdo ligados à cultura pop japonesa. Nesse fórum surgiu um dos fenômenos mais interessantes dos anos 2000, os anonymous, um conjunto de jovens de diferentes lugares e ideias que se “juntavam” para fazer “ações” na internet e, algumas vezes, fora dela, ora para zombar de uma empresa ou pessoa, ora para denunciar uma conspiração, ou revindicar uma causa.
Mas, como tudo um dia acaba, houve uma ruptura descontrolada dos “anonymous” americanos, que pouco a pouco mostrou o vaziou existencial de muitos dos seus membros. Na época, essa galera tinha dois caminhos a seguir. E, segundo o texto, essa “meninada” acabou seguindo o caminho mais torturante. Perdidos e sem referências, todo potencial de luta dessa galera, que já não era bem uma brastemp, foi capitalizado por um setor marginal da direita americana que nunca teve lugar nas grandes narrativas da política americana, e que no ano de 2016 conseguiu o inimaginável, colocar um presidente na Casa Branca.
Como aconteceu isso? Como o 4chan, um site de compartilhamento de anime se tornou a vanguarda da extrema-direita americana? Como a esquerda deixou isso acontecer? Essas são peguntas que o artigo do Dalen Beran tenta responde.
Para ajudar no debate, gostaria de dizer que emoções e política se misturam de uma forma radical, e cabeça vazia sempre será oficina do diabo. Por que estou dizendo isso? De todo o texto, o que mais me preocupou foi entender quem são esses jovens americanos de extrema direita. Sem entender quem são essas pessoas, não podemos fazer nenhuma análise satisfatória sobre todo esse processo comentado no texto de Beran.
A geração NEET (Not currently engaged in Employment, Education or Training), ou seja, jovens que não têm emprego, nem estudam ou estagiam vem ser tornando um fenômeno social mundial bem preocupante. Só aqui no Brasil os “nem-nem” já são um quarto da população brasileira de jovens na faixa de 15 a 29 anos.
Outro fenômeno que vem dando dor de cabeça para muito governos são os hikikomori, termo criado para designar pessoas com comportamento de total isolamento e exclusão social. Esse fenômeno até pouco tempo era um produto made in Japão e agora vem ser espalhado pelo mundo. No Japão, a proporção desse fenômeno é de fato alarmante. Essa juventude japonesa foi em sua maioria criada em meio a muito conforto e tecnologia, porém sem o estímulo necessário para que tivesse uma vida social saudável. Isso contribuiu para que muitos desses indivíduos acabassem com medo de enfrentar o mundo.
Esse isolamento, o mito de vencedor, e o fracasso como membro da sociedade, vem sendo a panela de pressão que alimenta pessoas como Milo Yiannopoulos, um dos homens mais odiosos dessa nova direita que surgiu nos anos 2000, e que agora está cravando suas garras nos governos pelo mundo.
Composto em sua maioria por homens que vêm acumulando sentimentos de perda de virilidade e status pelo acensão de minorias e mulheres ao poder, essa geração que anteriormente era de nerds inofensivos, se tornou de trolls revoltados que não conseguem sair de casa, nem namorar, vê na internet e nos games um porto seguro contra tudo e todos que roubaram suas oportunidades de sucesso.
Esse medo e frustração vem sendo usado espertamente por essa odiosa direita, que alimentada ódio dessa galera, com mentiras, e ódio contra o politicamente correto, que na cabeça deles foi um dos culpados pela falta de oportunidade que esses meninos perdidos e homens frustrados vêm vivendo.
E o que tem de pior em toda essa história é que a guerra cultural que a direita diz que a esquerda está fazendo contra eles não exite, porque a “esquerda” abandonou esses meninos sensíveis socialmente dos anos 2000 à sua própria sorte e, com isso, ajudou a criar esses homens raivosos e perigosos. Não quero ser dura, mas durante muito tempo, e até hoje, existe uma incompreensão e um desprezo contra as pessoas que não facilmente abraçam as ideias politicamente corretas. E isso pode ser visto em qualquer movimento de esquerda no mundo. Parece que exite um tipo de questionário moral para entrar no “clube da esquerda”. Ao invés de conquistar, a esquerda está mais preocupada em manter seu clube protegido contra invasores.
Em todas análises, os apoiadores de Donald Trump se debruçaram inteiramente na análise dos “Babby Booners” da classe trabalhadora branca americana, que votaram nele. Mas, pensando bem, não é difícil compreende o que fez a classe trabalhadora branca votar no Trump. Promessas vazias de grandeza, melhores empregos, cansaço dos políticos tradicionais. Tudo isso, mesmo sendo vazio, tem concreticidade.
Mas, no caso dos eleitores mais jovens, não foram as promessas vazias que atraíram esses jovens do 4chan, não existe concreticidade, mais sim, uma total desesperança e sentimento de ridículo que Trump passa para uma geração que já não tem nada e sente que votando nele está trollando o mundo que cuspiu neles.
E isso é assustador. A esperança é uma arma das revoluções, são centenas de jovens que estão perdidos, e como um processo de retroalimentação, mais jovens vão pelo mesmo caminho. O fenômeno americano não é o único. No Brasil, na Europa, entre outros lugares, a batalha das ideias com essa geração está sendo perdida de forma geral. A internet é um ordenado da vida social de bilhões de pessoas, isso é um fato e negar isso é ser idiota. A batalha das ideias passa pelo mundo virtual.
Gosto de trabalhar com dados macros. Se hoje um movimento de esquerda ganha um ativista off, a extrema direita capitaliza 50 jovens on para suas ideias, que se conectam com mais 50 jovens.
Seguindo Dalen Beran, a esquerda não deve ficar paralisada e em choque diante dos deploráveis, mas sim, enxergá-los como parte do problema, sintomas de um problema maior, que deve ser resolvido. Se essa retroalimentação não for combatida, a próxima geração esta profundamente ameaçada.
Foto: Instagram image posted by Donald Trump
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