Por Valério Arcary, Colunista do Esquerda Online
Observo que milhares de ativistas honestos da esquerda se emocionaram com a divulgação das imagens apoteóticas de Lula celebrando a transposição de águas do São Francisco. Esta comoção é proporcional à repulsa pelo governo Temer. Mas é puro pensamento mágico. A perspectiva ameaçadora de votações no Congresso Nacional, em ritmo vertiginoso, da nova lei liberando as terceirizações, a Reforma da Previdência e Trabalhista, acentua o desejo de que Lula possa ser candidato à presidência em 2018.
O wishful thinking é uma armadilha da inteligência. Esta expressão idiomática da língua inglesa pode ser traduzida para o português, livremente, como pensamento ilusório ou desejoso. É um dos vieses da mente humana. Ninguém está imune, é bom saber. Vieses cognitivos são tendências do raciocínio ou atalhos mentais. Conduzem ao autoengano. Vieses são ruídos mentais, ou distorções provocadas pelo desejo. Aspirações, vontades, pretensões, enfim, preferências são impulsos muito poderosos e podem nos dominar. Também pode ser compreendido como a vontade de acreditar. Resulta da necessidade de conciliar o conflito entre a realidade e um desejo. Incontáveis vezes a força do desejo é tão grande que dispensa o confronto com a realidade. Este viés está na raiz das ilusões. Deixamo-nos seduzir pela vontade, e ficamos vulneráveis a uma percepção imaginária do mundo. Nossas motivações ou preferências nos cegam diante de toda informação que contraria nossos anseios.
Acontece que é mais razoável pensar que a derrota dos planos de Temer passa pela continuidade da mobilização, iniciada dia 15 de Março, e que pode ter como próximo passo um dia nacional de greve em Abril, do que a perspectiva dificílima de uma vitória eleitoral em 2018. Mas o pensamento mágico prefere os atalhos do desejo.
Porque, primeiro, é improvável que Lula possa ser candidato. Deve ser condenado em Curitiba nos próximos meses por Sergio Moro. E, dificilmente, terá melhor sorte no recurso ao Tribunal Federal na segunda instância, embora o desenlace deste julgamento seja mais incerto. Sendo candidato é arriscadíssima a previsão de que possa vencer, em função da alta taxa de rejeição. Mas, mesmo que vença, é duvidoso que tenha aprendido algo da tragédia que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff. Se retirou conclusões, elas permanecem obscuras. Porque o discurso na Paulista da semana passada foi, de novo, ausente de qualquer balanço autocrítico.
O futuro da esquerda brasileira depende de uma reorganização para além do lulismo. Ela deverá ser o processo da construção de novos instrumentos coletivos com um novo programa. Estas duas dimensões são indivisíveis.
http://esquerdaonline.com.br.br/2017/03/17/a-esquerda-socialista-precisa-alternativa-para-o-pais/
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