Pular para o conteúdo
BRASIL

Superexploração e clientelismo dos frigoríficos brasileiros

Por Durval Wanderbroock Junior, Coordenador do IBEPS – Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais

Os escândalos envolvendo os maiores frigoríficos do Brasil descortinam duas dimensões deste setor. Por um lado, uma brutal superexploração de seus funcionários. Por outro, uma prática de clientelismo com políticos afim de garantir ajuda do Estado com empréstimos, favores e vistas grossas aos crimes cometidos contra os consumidores.

Em geral, a origem do lucro do empresário é proveniente da exploração da força de trabalho do empregado. É um roubo historicamente legalizado, como se sabe há bastante tempo. A classe dominante, como regra, é formada por usurpadores. Sobrevivem à custa da força de trabalho alheia que, pelas leis do capitalismo, são institucionalmente aceitas.

Mas há outras formas de ampliar sua lucratividade que não é necessariamente aceita, institucionalizada ou legalizada. Há outras receitas provenientes de ações criminosas, que nem sequer no capitalismo foram legalizadas. A prática de adulteração de produtos, a corrupção de agentes públicos e políticos, o desrespeito às normas de consumo, etc são algumas práticas com o fim de garantir maiores receitas para o empresário, mas que não encontram necessariamente guarida nas leis ou nos costumes.

Um frigorífico de gente
Quem já teve a oportunidade de assistir o excelente documentário “Carne Osso”, já teve uma ideia de como os empregados são tratados no Brasil pelos grandes donos de frigoríficos. Ali, mais do que animais, são os próprios trabalhadores submetidos aos mais abjetos tipos de serviços. Doenças ocupacionais, acidentes de trabalho, mutilações e até mortes. Um verdadeiro frigorífico de gente!
Para efeito de exemplo, em 2014 foram registrados em todo país 16.033 acidentes de trabalho neste setor. Segundo Ministério do Trabalho, o Paraná foi o líder, com 2.718 casos registrados, seguido do Rio Grande do Sul, com 2.686.

A empresa recordista em número de acidentes foi a JBS. Apenas entre 2011 a 2014, no setor de abate de bovinos, um dos mais perigosos, a empresa registrou 4.867 acidentes de trabalho. Só no ano de 2014 foram registrados 1.427 acidentes. Somente neste 4 anos, a empresa deixou incapacitados 7.822 trabalhadores, equivalente a uma média de 5 acidentes por dia (dados do Ministério da Previdência Social). O gráfico abaixo mostra o número de acidentes da JBS em todo país:

 

image

 

 

 

 

 

Em setembro do ano passado, em apenas uma unidade da JBS, 40 trabalhadores foram intoxicados por um vazamento de amônia, na cidade de Senador Canedo-GO. Somente nesta unidade, entre junho a agosto de 2016, 78 autos de infração foram lavrados pela fiscalização do Ministério do Trabalho, 67 delas só por descumprimento de normas de segurança do trabalho.

Com tantas irregularidades, por que a empresa continua cometendo as mesmas infrações? Em 2014, o então gerente nacional do Programa de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos, Sandro Eduardo Sardá, explicou: “a JBS tem uma política deliberada de precarização dos direitos fundamentais dos trabalhadores”. O motivo, resumiu Sardá, é a máxima obtenção dos lucros. Apenas neste ano, a JBS teve um lucro líquido de US$ 2,04 bilhões. Segundo relatórios da própria JBS S/A, a receita líquida da empresa em 2016 foi de 170,4 bilhões de Reais.

Ritmo de trabalho escravo
Uma das formas de ampliar os lucros é por meio do aumento do ritmo de trabalho. Quanto mais animais saem da esteira de produção, maior é a margem de lucro.

Num abatedouro de frangos, por exemplo, o animal percorre diversas etapas antes de chegar ao supermercado. Uma destas etapas é a evisceração, que envolve uma operação de separação das partes do frango. Depois corta-se os pés, resfria-se e vai para o gotejamento antes de serem embaladas.

Todos estas operações são milimetricamente cronometradas. A esteira não pode parar. E em períodos de maiores pedidos de exportação ou de aumento do consumo, ao invés de contratarem mais funcionários, os frigoríficos rodam o botão que acelera a esteira. Quem não dá conta, é demitido(a)!

Numa destas etapas, a separação de coxa, por exemplo, um(a) operário(a) prepara em média 10 coxas por minuto. Em uma hora ele preparou 600 coxas. Considerando que ele executa em média 18 movimentos para cada coxa, em um minuto ele já executou 180 movimentos. Isto é cinco vezes mais do que os 35 movimentos que os médicos do trabalho estabelecem como um padrão máximo de movimentos que poderia preservar minimamente a segurança do trabalhador. Ao longo de uma jornada de 8 horas, descontada uma hora de refeição, este(a) trabalhador(a) dissecou 4.200 coxas de frango e executou por volta de 75.600 movimentos. Resultado: uma epidemia de doenças ocupacionais, doenças do trabalho, trabalhadores incapacitados, etc. Um sofrimento indescritível!
Queimaduras e intoxicações são constantes. Os traumatismos de cabeça, de abdômen, de ombro e de braço, são de duas a quatro vezes maiores que em outras profissões. Os transtornos mentais são cerca de três vezes superiores que outras profissões.

Os trabalhadores estão submetidos ao frio constante das câmaras frias e deveriam, nos termos do artigo 253 da CLT, repousar 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos trabalhadas, coisa que não acontece. Como, em geral, a distância entre a entrada dos frigoríficos e a produção são distantes, quando os fiscais chegam para alguma fiscalização, a empresa aumenta a temperatura das câmaras, reduz a velocidade da esteira e aumenta o contingente, ademais de outras medidas com o propósito de disfarçar as péssimas condições de trabalho.

Os salários, em geral, são bastante baixos. Em Fortaleza, por exemplo, segundo Convenção Coletiva de 2016, o piso é de R$ 830,00 para empresas até 10 empregados e de R$ 870,00, acima de 10 empregados. Em Pelotas o piso geral foi de R$ 1.190,00.

Uma peça de coxa e sobre-coxa pesa em média 350 gramas. São necessárias duas peças e meia para formar um quilo, que é vendida desde o frigorífico por mais ou menos R$ 4,50. Para um salário de R$ 1.190,00, são necessários cerca de 252 quilos de frango, ou seja, 630 peças de coxa e sobrecoxa. Com uma hora e três minutos um(a) operário(a) “desossou” 630 peças. Em pouco mais de 1 hora de trabalho ele pagará o seu próprio salário. Todo o restante é embolsado para o dono do frigorífico que gastou com campanhas de PT, PSDB, PMDB, PP, financiaram campanha do atual Ministro da Justiça, tentaram corromper fiscais, e ainda restou sobra suficiente para uma vida cheia de luxo e mordomias.

A Operação “Carne Fraca”
A deflagração da Operação Carne Fraca desnudou mais uma vez as relações promíscuas e criminosas entre políticos e empresários no país. A operação envolve grandes empresas do setor, como a BRF Brasil (dona das marcas Sadia e Perdigão), a JBS (proprietária da Friboi, Seara, Swift, entre outras marcas), bem como outras empresas menores, como a Mastercarnes, Souza Ramos e Peccin, do Paraná, e Larissa, com unidades no Paraná e São Paulo.

Entre os envolvidos estão os atuais agentes públicos do atual governo, propinas para PMDB, PP, o envolvimento de fiscais do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do próprio atual Ministro da Justiça, o senhor Osmar Serraglio (PMDB-PR), amigo e defensor de Eduardo Cunha (PMDB), hoje preso por lavagem de dinheiro, corrupção e evasão de divisas.

Dentre outros crimes, os frigoríficos usavam produtos químicos altamente cancerígenos, misturavam papelão às linguiças e salsichas e vendiam carnes vencidas, tanto para o consumo interno quanto para exportação. No Paraná, partes destas carnes foram oferecidas às crianças nas escolas e creches. Já as exportações, somente entre janeiro a dezembro de 2016, segundo a ABRAFRIGO (Associação Brasileira de Frigoríficos), foram vendidas 1.350.504 de toneladas, o equivalente a 5,3 bilhões de dólares.

O esquema apura o envolvimento do ex-superintendente regional do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) Daniel Gonçalves Filho, a quem o atual Ministro da Justiça, Osmar Serraglio, chamava carinhosamente de “grande chefe”, em grampo realizado pela Polícia Federal. O delegado descarta participação criminosa do atual Ministro.

Dentre os crimes investigados, haveria um esquema de liberação de licenças e fiscalização irregular de frigoríficos.

Quem paga, manda
As empresas de frigoríficos são grandes financiadoras das campanhas de políticos no Brasil. O maior financiador da campanha do atual Ministro da Justiça, por exemplo, foi exatamente a JBS, que contribuiu oficialmente com R$ 200 mil em 2014. No mesmo ano, a JBS financiou a então candidata Dilma Roussef (PT), com R$ 72,3 milhões, e Aécio Neves, com pouco mais de R$ 40 milhões. Só no Mato Grosso do Sul, o grupo JBS S/A e o BRF financiaram as campanhas dos principais candidatos ao governo de Mato Grosso do Sul. Tanto o candidato eleito Reinaldo Azambuja (PSDB), quanto Nelsinho Trad (PTB) e o ex petista Delcídio Amaral receberam juntos R$ 11.419,800,00.

Só para recordar, no governo do então presidente Lula, a JBS recebeu empréstimo de R$ 8 bilhões, com juros de pai pra filho.

Praticamente a totalidade da bancada ruralista é financiada pelos principais donos e fornecedores de frigoríficos. É esta bancada, uma das principais bases do atual governo e vanguarda do processo de impeachment, quem comanda a pasta da Agricultura. São os representantes dos latifundiários e principais articuladores da proibição da publicação da “lista suja” que revela as campeãs das práticas de trabalho escravo no país. A depender deles, nenhum frigorífico deste país será punido pelos crimes que cometeu contra os trabalhadores e a população. Continua vigente o ditado que diz “quem paga, manda”.

A ajuda do Estado e a superexploração dos(as) trabalhadores(as) permitiu à empresa um lucro líquido em 2016 de R$ 4,6 bilhões. A fortuna do grupo J&F, administradores da da JBS, estão cotadas pela revista Forbes em US$ 4,3 bilhões, equivalente a cerca de R$ 14 bilhões.

A depender da relação entre a empresa e os políticos a quem financia, irá continuar crescendo seu patrimônio, enquanto desrespeita o meio ambiente, os consumidores e seus funcionários, que continuam dilatando os números de trabalhadores lesionados, mutilados e incapazes de trabalhar como resultado das brutais condições de trabalho a que são submetidos. Para agravar a situação, ainda estão ameaçados de demissão em massa como resultante do processo de investigação a que as empresas frigoríficas estão sendo submetidas.

Os trabalhadores não podem pagar pela pilantragem entre empresários e políticos. Precisam se organizar e lutar para exigir do governo a nacionalização das empresas, a estabilidade no emprego, a prisão e confisco dos envolvidos nos escândalos de adulteração de carnes.