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BRASIL

Há uma crise política em curso no Brasil?

Valter Campanato / Agência Brasil

Por: Pedro Rosa, de Porto Alegre, RS.

Este texto foi originalmente escrito como um trabalho de faculdade para a cadeira de Política II: Teoria Política Contemporânea. A proposta do trabalho era expor uma opinião sobre a existência ou não de uma crise política no Brasil. Ele é publicado aqui trazendo algumas alterações e correções em relação ao entregue.

A definição de Lênin para uma situação revolucionária é quando “os de baixo não queiram continuar vivendo como antes […] [e] os de cima não possam continuar administrando e governando como até então” (1). O primeiro ponto se refere ao conhecido conceito marxista da consciência de classe, necessária para que a classe trabalhadora, ao não se deixar manipular pelo fascismo ou outras correntes de conciliação, entenda o que pode e deve fazer para superar, com suas próprias forças, a crise política, que é o segundo ponto. Daí se infere a concepção marxista de uma crise política: uma situação em que, devido a mudanças bruscas nas condições econômicas ou sociais da sociedade em questão, as formas antigas de dominação, exploração e controle social não surtam mais efeito. O Brasil vivenciou, no último ano, uma mudança irregular de governo, uma intensificação da aplicação do programa neoliberal, e mais de uma onda de protestos, e tudo isso parece ser apenas o começo de um período maior de expressão destas características. Usando uma análise marxista, podemos definir estes eventos como uma crise política?

De imediato, pode-se dizer que na conjuntura que levou e na qual se deu a queda do governo de Dilma Rousseff estava, de fato, em curso uma crise política. Esta teve três principais fatores. O primeiro foi que, como efeito atrasado da crise econômica de 2008 – na verdade consequente das medidas para estancar essa crise, incluindo subsídios e isenções de impostos para várias empresas grandes, mas cuja discussão foge ao escopo desse texto – o Estado não conseguia mais manter o superávit primário em um nível que agradasse os credores da dívida pública. Para o governo Dilma, uma quebra com esse setor era inviável e indesejável; desde 2002, a conciliação de classes tinha sido uma peça chave do plano petista, e o governo não estava preparado e não tinha a capacidade para abandonar esse plano. Portanto, coube ao Ministério da Fazenda, chefiado por Joaquim Levy, reestabelecer o superávit – e, com ele, a aprovação da burguesia – o que tentou fazer, sem sucesso, por meio de concessões a esta e de cortes em investimentos estatais. A economia brasileira sofreu com este ajuste – os trabalhadores sobretudo.

O segundo coube a grupos afiliados a institutos liberais norte-americanos, como o MBL (2), que viram na falha do governo petista em conter os protestos de 2013 evidência de que este não conseguia mais conter as forças populares, invalidando a estratégia da conciliação de classes. Com parte da esquerda desorganizada e o resto dando seu suporte a Dilma, esses grupos têm espaço para cooptar a pequena-burguesia e alguns setores da classe trabalhadora – notavelmente a categoria dos caminhoneiros e o estrato da “aristocracia operária” – para manifestações com objetivo de convencer as principais figuras políticas burguesas de que um programa de ajustes mais intenso, trocando a conciliação de classes pela supremacia da burguesia, não teria oposição popular significativa. Isso certamente influiu na recolocação do PMDB como partido de oposição, no final de 2015, e no curso da operação Lava-Jato.

A Lava-Jato é o terceiro fator da crise política, por onde passaram boa parte dos desenvolvimentos superestruturais da crise – como o crescimento da reprovação ao governo Dilma, o foco das manifestações de grupos como o MBL, e a desvalorização no mercado das empresas nacionais; mas, inusitadamente, não o processo jurídico que tirou Dilma do poder. Isto ocorre porque, contrário a algumas especulações, a Operação e o golpe aplicado pela esfera política são produtos de agentes distintos. Muito já foi dito em outras fontes sobre as conexões do juiz Sérgio Moro, que comanda o processo, com os Estados Unidos (3), onde fez programas de instrução pós-doutorado. Mas não tanto foi dito sobre a sua relação com o MBL e seus satélites, que também têm conexões ianques. Essa relação pôde ser vista no incidente do vazamento para a mídia de áudios de Dilma e do ex-presidente Lula a respeito do apontamento deste como ministro da Casa Civil, que foi imediatamente seguido pela convocação de novos protestos. Se as manifestações foram a desculpa para os quadros políticos se voltarem contra o governo – como evidenciado em várias falas na muito alardeada votação pelo impeachment na Câmara – a Lava-Jato foi a motivação, pois poderia condenar quase qualquer deputado ou senador que se opusesse à agenda em curso. Nota-se, aqui, que pouco importa para os manipuladores da operação o verdadeiro envolvimento dos investigados no esquema de corrupção da Petrobrás; o que lhes interessa é a potencial utilidade política de uma condenação.

Portanto, é sobre a estrutura de uma crise econômica, e com duas formas distintas de pressão por agentes ligados ao imperialismo estadunidense, que se forma uma crise política e a esfera institucional brasileira se une para dar o golpe de estado que depõe o governo Dilma. Ao assumir, o vice-presidente Michel Temer imediatamente intensifica o ajuste fiscal de Levy, cortando ministérios e investimentos sociais indiscriminadamente. Duas ondas de protestos de rua seguem, respectivamente, a posse de Temer como presidente interino e a destituição definitiva de Dilma; o governo as desconsidera quase completamente. Também ignora a onda massiva de ocupações de escolas e greves de professores que segue a proposta de medidas prejudiciais à educação. Os resultados cada vez mais alarmantes das investigações por corrupção das figuras políticas mais próximas ao governo não parecem desestabilizá-lo – e até mesmo as gravações condenatórias de Sérgio Machado com Romero Jucá e com Renan Calheiros, que expõem em detalhes o “grande acordo nacional”, ou a morte suspeita de Teori Zavascki, relator da Lava-Jato e ministro do STF indicado por Dilma Rousseff, não aproximam a queda de Temer.

Isso é um simples mas trágico efeito do rearranjo das forças políticas no país após a resolução da crise política anterior e da falta de forças políticas não institucionais. O “grande acordo nacional” de Machado e Jucá significa que todos os braços do estado, lobbies e partidos, com exceção da sua minoria de esquerda, passam a cooperar para a aplicação do projeto da burguesia, dando ao governo de Temer uma forte elasticidade em relação a fatores que desestabilizariam outros governos. A operação Lava-Jato segue seu curso, mas as condenações que produz não têm peso, pois não têm mais agentes com intenção de utilizá-las politicamente; a maioria dos condenados facilmente manobra para continuar em liberdade. O MBL continua ativo – inclusive elegendo representantes em algumas cidades nas eleições municipais – mas os protestos que ainda convoca servem à agenda da situação; são vazios de qualquer propósito senão o de atacar ações de opositores. E o PT, embora tenha sido jogado para trás e forçado a abandonar sua estratégia de governo, também faz parte deste grande acordo (4) . É a sua esperança conter e canalizar a crescente instabilidade social com uma candidatura de Lula nas eleições de 2018, e, para tanto, coopera de diversas formas com o novo governo – a restituição de Renan Calheiros por Jorge Viana (5) e as centenas de coligações entre PT e PMDB nas eleições municipais (6) são apenas duas dessas formas.

A crise política do governo Dilma foi superada pela sua destituição. A esquerda não institucional, desorganizada, não soube dar uma alternativa proletária à conciliação de classes; o resultado foi a supremacia burguesa. Agora esta supremacia, alinhada ao imperialismo estadunidense e com apoio quase universal na esfera política, remodela o país de acordo com seu projeto – a MP do Ensino Médio, a PEC do corte de gastos e a reforma da previdência são apenas o começo desse processo. Não há mais uma crise, no presente, mas sim a destruição metódica do Brasil como país independente. O que é preciso para vencer este estado de coisas – e evitar que a inevitável nova crise política em alguns anos tenha uma dominação ainda mais profunda da burguesia como resultado – é uma alternativa forte que não apenas se oponha à supremacia burguesa como também à ultrapassada estratégia da conciliação de classes do PT. Essa alternativa só pode surgir como fruto da consciência das massas do seu poder e do seu papel na construção da nova ordem. E isso não vai acontecer com as forças da esquerda atomizadas e desorganizadas, ou organizadas em torno de uma das estratégias do grande acordo.

* Esse artigo representa as posições do autor e não necessariamente a opinião do Portal Esquerda Online. Somos uma publicação aberta ao debate e polêmicas da esquerda socialista”.

REFERÊNCIAS:

¹ LENIN, Vladimir. O primeiro de maio do proletariado revolucionário. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1913/06/28.htm; Acesso em: 20 fev. 2017.
² CARLOS, Antonio. Quem está por trás do protesto no dia 15. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/quem- esta-por- tras-do-protesto- no-dia- 15-3213.html; Acesso em: 20 fev. 2017.
³ AUGUSTO, André.Wikileaks: EUA criou curso para treinar Moro e juristas. Disponível em: http://www.esquerdadiario.com.br/Wikileaks-EUA-criou-curso- para-treinar- Moro-e- juristas;. Acesso em: 20 fev. 2017.
4 MACEDO, Fausto. Leia os diálogos de Sérgio Machado com Renan Calheiros. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/leia-os-dialogos-de- sergio-machado- com-renan- calheiros; Acesso em: 20 fev. 2017.
5 AMORIM, Felipe. Renan elogia Jorge Viana e diz que “democracia ganha”com decisão do STF. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/12/08/ganhou- a- democracia-diz- renan-sobre- decisao-do- stf-que- o-mantem- no-cargo.html; Acesso em: 20 fev. 2017.
6 VASCONCELLOS, Fábio. Nas alianças para prefeito, a lógica do vale tudo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/nas-aliancas- para-prefeito-logica- do-vale- tudo-20133037?versao=amp; Acesso em: 15 mar. 2017.

Foto: Valter Campanato / Agência Brasil