Texto de Tofi Mazú, do Novo Mas, Argentina.
Tradução de Adriele Albuquerque, Granada/Espanha.
Este 8 de março será excepcional, porque, mais do que nunca, se fortalecerá seu caráter internacionalista. Milhões de mulheres de dezenas de países se preparam para garantir uma greve ativa com mobilizações, atos e protestos, já que estamos cansadas de não viver no mundo em que queremos viver. Não queremos viver em um mundo em que uma em cada cinco mulheres é violentada. Não queremos viver em um mundo em que há 200 feminicídios por dia. Não queremos viver em mundo em que o aborto é ilegal e clandestino na maioria dos países e estados. Não queremos viver em um mundo em que nos negam o direito a decidir sobre nosso corpo, sexualidade e maternidade. Não queremos viver em um mundo que não nos oferece perspectivas e em que não somos donas dos nossos próprios destinos.
Basta de violência contra as mulheres! Vamos gritar bem forte #NenhumaMenos
Na Argentina, morre uma mulher por dia vítima de violência de gênero. O abuso sexual e a violência são cotidianos. O governo Macri e todas as instituições do Estado são cúmplices desse crime, porque, enquanto milhares de mulheres se organizam e milhões saem às ruas para denunciar essa barbárie, os violentadores e feminicidas continuam livres. Querem que acreditemos que o problema é meramente cultural, que a “cultura machista” é uma espécie de mão invisível que governa nossas cabeças. Que a culpa e a responsabilidades são nossas. O que escondem, na verdade, é que a cultura de uma sociedade é a cultura que as classes dominantes, os governantes e os que “fazem justiça” disseminam. Como a violência vai acabar se não existem consequências para o ato de violentar? Como os feminicídios vão acabar se não existem casas-abrigo, para que as mulheres possam sair da casa dos homens violentos? Como um menino ou adolescente vai aprender a respeitar as decisões das mulheres sobre seu corpo e sua vida, se não há educação sexual com perspectiva de gênero? O Estado e seus altos funcionários educam para a impunidade e são quem perpetuam a violência machista. Já fomos às ruas gritar #NenhumaMenos em duas mobilizações massivas — paramos o país; cada vez são mais as mulheres que se atrevem a denunciar publicamente essas barbáries. O dinamismo que o movimento de mulheres adquiriu e a massividade que alcançou são a expressão de um grito histórico. É o momento de nos apoiarmos nessa força e poder direcionar os canhões contra os responsáveis políticos da violência. Que se saiba que o governo de Macri e Fabiana Túñez, que encabeça o Conselho Nacional da Mulher e se diz “feminista”, não movem um dedo para combater a violência, muito pelo contrário. No dia 8 de março, vamos parar e nos manifestar para frear os feminicídios. Pararemos para exigir moradia, trabalho e casas-abrigo para as mulheres que sofrem violência e abuso. Pararemos para exigir ao governo políticas públicas que protejam as mulheres; a prisão dos violentadores e feminicidas, assim como a demissão dos juízes e funcionários que os amparam.
Aborto legal no hospital! Separação da igreja e do Estado!
Sabemos que, no nosso país, há a mesma quantidade de nascimentos que de abortos por ano. O aborto é uma realidade, precedida por outra realidade: não existe educação sexual e o já mais que insuficiente plano de distribuição de anticoncepcionais gratuitos foi desmantelado pelo governo de Macri. Também sabemos que uma porcentagem considerável desses abortos acaba com a vida de centenas de mulheres ao ano, pois são praticados na clandestinidade, em condições anti-higiênicas e sem profissionais da saúde. Por outro lado, a ilegalidade do aborto não afeta às mulheres que integram o governo: elas podem pagar dezenas de milhares de pesos[1] e, hipocritamente, realizar um aborto em uma clínica privada, ao passo que negam esse direito ao resto das mulheres. As que morrem são as mulheres da classe trabalhadora e as jovens dos bairros mais pobres. O Estado, ao invés de garantir anticoncepcionais e educação sexual, destina uma verba escandalosa à Igreja Católica, para financiar a educação religiosa, que ensina atrocidades, por exemplo, estimulando que a mulher seja submissa e propagando a ideia de que os preservativos não previnem o HIV. O governo prefere que as mulheres continuem morrendo na clandestinidade a nos conceder o direito de decidir se queremos ser mães ou não, quando e como. No 8 de março, vamos parar e marcha para exigir o direito ao aborto livre, legal, seguro e gratuito no hospital público. Pararemos porque queremos educação sexual laica, científica e feminista. Pararemos porque é imprescindível a separação do Estado e da Igreja, essa instituição misógina e arcaica, inimiga histórica de todos os explorados e oprimidos. Pararemos porque queremos, de uma vez por todas, que sejamos nós as que decidamos sobre nosso próprio corpo: nem o Estado, nem a Igreja. Nós.
Destruição já das redes de tráfico e exploração sexual!
O tráfico de mulheres é o terceiro negócio do mundo, ficando atrás apenas do comércio de armas e de drogas. Somos vendidas, traficadas, exportadas, sequestradas, convencidas e levadas daqui para lá. Num casebre de uma estrada ou numa vitrine luxuosa da Holanda, somos expostas para que um homem tenha o direito de fazer o que queira com o nosso corpo, porque está pagando. Uma mulher em situação de exploração sexual é submetida a até trinta relações sexuais diárias. Uma mulher em situação de exploração sexual se torna dependente das drogas, para suportar a dor e a humilhação. Uma mulher em situação de exploração sexual não conhece o prazer: está completamente alheia à sua sexualidade, que não lhe pertence, pois é do traficante ou do “cliente”, dos que são donos do seu corpo, ou alugam-no por algum momento. Essa é a barbárie em que caem milhões de mulheres, devido à pobreza, à impossibilidade de estudar ou de trabalhar. A falta de perspectivas leva-as à escravidão, a qual é a miséria social, econômica e pessoal mais absoluta. E o que o governo faz em relação a isso? Absolve aos criminosos envolvidos no caso de Marita Verón[2]. O Estado é o primeiro cafetão, uma vez que garante o translado e o sequestro das mulheres a partir da Gendarmería[3]. Porque é a polícia a que “cobra o pedágio” da mulher prostituída numa esquina. Porque são seus funcionários mafiosos que controlam os prostíbulos. Sobretudo, o governo é o responsável por jogar as mulheres na pobreza, de não lhes oferecer educação, saúde, moradia e trabalho. É o responsável de não garantir um futuro para as mulheres, travestis, transexuais, bem como de jogá-las na exploração sexual. E é responsável de que, se alguma consegue sair da prostituição, não tenha ferramentas para não voltar a cair na rede de comércio sexual. Alika Kinan, com a força do movimento de mulheres, foi a primeira mulher no nosso país a denunciar, em uma ação judicial, seus cafetões e traficantes, assim como o Estado que os ampara. Embora continue lutando para que se cumpram todos os pontos que a lei de tráfico determina, já triunfou: seu processo resultou na prisão dos responsáveis e numa indenização para que ela possa sobreviver. Alika é um exemplo, uma dessas mulheres que saem da sua situação de vítima para se converter em lutadora. No 8 de março, vamos parar e nos manifestar para exigir a destruição das redes de comércio e exploração sexual. Pararemos para que os cafetões tenham medo, não as mulheres. Pararemos para que todas as mulheres, travestis, transexuais sejam donas dos seus corpos e sexualidade, bem como tenham plenos direitos humanos, sociais e políticos.
Não, não queremos viver neste mundo. Não queremos viver no mundo em que governam sujeitos como Macri e Trump. Não queremos viver em um mundo em que as mulheres sofrem a exploração e a opressão de todas as maneiras possíveis. Não queremos carregar nas nossas costas o peso do ajuste e da crise econômica. Não queremos que nosso destino seja a maternidade sem discussão, ou a exploração sexual. Não queremos que nosso lugar seja a casa: queremos que nosso lugar seja o mundo. Queremos tomar as ruas, como fizeram milhões e milhões de mulheres em todas as partes do globo, após a posse do violentador e misógino Trump à presidência da primeira potência mundial. E queremos travar essa batalha junto com todos os explorados e oprimidos. Isso é o que nos falta para destruir este mundo capitalista e patriarcal, em que não se pode viver. Temos de construir o novo: um mundo onde não haja nenhum tipo de opressão e exploração, mas sim em que possamos ser donos todos e todas do nosso destino.
Nós, Las Rojas[4], somos feministas e socialistas. Como tais, nos sentimos parte de todas as batalhas do movimento de mulheres e da nossa classe, a classe trabalhadora. Entendemos que para ganhar, é necessária a união de todos os oprimidos, a solidariedade de todos os grandes movimentos sociais e políticos que lutam contra esse monstro que é o capitalismo, sistema que garante riqueza e poder para uns poucos e miséria e violência para milhões. Neste 8 de março, vamos parar e nos manifestar para que haja trabalho genuíno para as mulheres. Vamos parar para que tenhamos salário igual para as mesmas tarefas que realizamos com os nossos companheiros. Vamos parar para acompanhar, em sua luta, as operárias têxteis, que ocupam a planta na província de Neuquén, e pelos seus irmãos, os gráficos da AGR[5]. Vamos parar para que todos tomem em suas mãos as bandeiras do movimento de mulheres. Vamos parar, também, para que o movimento de mulheres tome as bandeiras de todos os explorados e oprimidos, de todos os que lutam contra um mesmo inimigo. Vamos parar para que, como dizia Rosa Luxemburgo, possamos viver em um mundo em que sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e completamente livres.
[1]Moeda argentina.
[2]María de Los Ánelos Verón, mais conhecida como Marita Verón, está desaparecida desde 2012. A jovem, que vivia em Tucumán, na Argentina, segundo provas e fatos, foi vítima de tráfico de mulheres.
[3]Força de Segurança Nacional da Argentina.
[4]As Vermelhas, coletivo de mulheres do Novo Mas argentino.
[5]Artes Gráficas Rio-platense, empresa argentina.
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