A centralidade do programa para uma organização revolucionária


Publicado em: 6 de março de 2017

Colunistas

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

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Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

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Por Valério Arcary, Colunista do Esquerda Online

Nenhuma organização merece ser levada a sério, se ela mesma não leva a sério o seu programa. O debate sobre o programa – qual é o projeto, qual é o sujeito social da transformação da sociedade, quem são os aliados, e quem são os inimigos – foi o mais importante debate na esquerda desde sempre.

Ao final de sua vida, Marx foi convidado a participar da polêmica contra os possibilistas franceses. A organização francesa, a Federação dos Trabalhadores Socialistas, em 1881, depois de um revés eleitoral, realizou em Saint Etienne um Congresso no qual se conformam duas correntes: a minoritária, dirigida por Jules Guesde (que está na fotografia abaixo), e os communards anistiados e genros de Marx, Paul Lafargue e Longuet, que se reivindicam marxistas, e a maioria, que passou à História com o nome de possibilistas, e defendia como critério ter no centro do programa as reivindicações que, no imediato, fossem possíveis, por isso, conhecidos como os possibilistas.

Em outras palavras, os possibilistas defendiam relegar a agitação da necessidade do socialismo e, sobretudo, a perspectiva da luta pelo poder, pela possibilidade de arrancar o maior número de concessões. Na prática, os possibilistas faziam a defesa exclusiva de um programa mínimo que não assustasse a pequena burguesia, para favorecer alianças. Para Marx, o programa deveria estar orientado por uma perspectiva de luta pelo poder.

O tema do programa era, também, um tema central, há trinta e cinco anos atrás, quando vivíamos os anos decisivos da luta final contra a ditadura.

Para simplificar esquerda estava dividida em dois campos, com perspectivas e táticas, umas mais e outras menos radicais, em cada um deles.

Um campo dos que defendiam que os trabalhadores deveriam liderar a frente contra a ditadura porque seriam o único sujeito social capaz de derrubá-la, atraindo parcelas das camadas médias. Esta posição potencializou a aliança que resultou na formação do PT e da CUT. A chave da compreensão desta posição está na defesa da necessidade de derrubar a ditadura. Frisando o verbo derrubar, portanto, a luta por uma revolução.

Um segundo campo dos que defendiam que os trabalhadores deveriam aceitar a liderança burguesa, porque só assim seria possível vencer a ditadura, mesmo que para isso fosse necessário um acordo com dissidentes tardios, como Sarney.

Esta posição, defendida pelo dois PC’s, que permaneciam dentro do PMDB era, por isso, possibilista. Defendiam que a transição poderia acontecer sem uma revolução, através de uma passagem que combinaria pressões e negociações. Temiam que uma revolução contra a ditadura poderia ser incontrolável.

A este propósito, é interessante conferir esta passagem da clássica biografia de Marx de Franz Mehring, que indica o tom das discussões de Marx, sua irritação e impaciência com as pressões possibilistas, que depois se revelariam irresistíveis, ou mesmo, incontroláveis:

“Guesde se mudou para Londres, na primavera de 1880 para elaborar, com Marx, Engels e Lafargue, o programa eleitoral do novo partido. Foi alcançado um acordo sobre o chamado programa mínimo, que, depois de uma breve introdução, dedicada a explicar em breve o ideal comunista, só continha, na sua parte econômica, reivindicações derivadas, diretamente, do movimento operário.
No entanto, não havia unanimidade em todos os pontos; como Guesde insistiu na entrada no programa ao postulado de um salário mínimo fixado por lei, Marx fez a objeção que se o proletariado francês ainda era tão infantil que ele precisava essas iscas, não valia a pena perder tempo com a redação para ele de um programa. Mas não se deve tomar essas palavras estritamente ao pé da letra. De conjunto, Marx viu neste programa um grande passo para a frente que deveria contribuir, consideravelmente, para tirar os trabalhadores franceses das névoas fraseológicas e para trazê-los para o reino da realidade. E, das oposições que este programa provocou e adesões ele recebeu, ele deduziu que na França estava se formando o primeiro movimento operário autêntico. Até então, não haviam existido mais do que seitas que, naturalmente, tinham tomado suas fórmulas e suas respectivas soluções dos seus respectivos gurus, enquanto as massas proletárias seguiam os burgueses radicais, ou que se faziam passar por radicais, atirando-se para a luta por eles nos dias decisivos, para ver como, no dia seguinte, os mesmos que haviam ajudado a subir ao poder, os metralhavam, prendiam e enviavam para o exílio”. (tradução nossos) MEHRING, Franz. Carlos Marx, História de su vida. Terceira edição, tradução do alemão de W. Roces. Barcelona, Gijalbo, 1983, p.536.


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