Por: Bruno Figueiredo, de Recife, PE
Com cooperação de Tonne de Andrade
No dia 6 de março de 1817, tropas defendendo a Coroa Portuguesa cercaram o Capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, ou Leão do Norte, com a ordem de prendê-lo. O brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, enviado pelo governador de Pernambuco, leu as acusações de que Leão Coroado estaria compondo uma conspiração que envolvia setores dos comerciantes, de militares e membros da Igreja. Lidas as acusações, o oficial teria declarado: “O Senhor está preso em nome do Rei”. Leão Coroado, sem titubear, saca sua espada, transfixando o coração do emissário, e declara “O senhor que está morto”. Em seguida, o governador enviou reforços, os quais foram abatidos a tiros. Após esse episódio, o governador de Pernambuco teve que se refugiar no Forte do Brum, onde foi cercado. Tal cena habita o imaginário popular dos pernambucanos e dos nordestinos de modo geral. E, assim, de forma espetacular, digna de grandes filmes de ação, tem início a Revolução Pernambucana de 1817.
Essa Revolução teve abrangência em todo o atual Nordeste brasileiro. Seu programa consistia principalmente na Independência Nacional e criação da República. O governador foi deposto pelos revolucionários que formaram um novo governo, declarando a República. A junta governativa incluía Domingos José Martins, o padre João Ribeiro, Manuel Correia de Araújo, Domingos Teotônio Jorge, e José Luiz Mendonça. Sendo, em seguida, convocada uma Assembleia Constituinte. Era uma revolução que contava com a participação de setores burgueses, militares, clericais, intelectuais, setores médios, amplo apoio de camadas populares e escravos libertados. Surgiu como uma típica revolução burguesa contra uma monárquica, somando-se aos aspectos de independência nacional.
Chegaram a enviar emissários para buscar apoio em outros países, como Antônio Gonçalves da Cruz, conhecido como Cruz Cabugá, que foi para os Estados Unidos. Lá este tinha uma missão ousada. Deveria, além de obter o apoio daquele país, também comprar armas e recrutar revolucionários franceses que lá estavam exilados. Também fazia parte do plano a ideia de se resgatar Napoleão Bonaparte, que estava preso pelos ingleses na Ilha de Santa Helena.
A Revolução Pernambucana de 1817 encontra-se como parte de uma onda de revoluções que levou à independência vários países das Américas, e foi inspirada pelos ideais liberais da Revolução Francesa. Enquanto a Europa havia sido sacudida pelas guerras napoleônicas, as colônias espanholas iniciaram seus levantes. No Caribe, o Haiti conquistou sua Revolução de Independência em 1803, sendo o primeiro país das Américas a abolir a escravidão pelas mãos dos próprios ex-escravos. O Paraguai teve sua independência em 1811, a Argentina em 1816, e na década de 1820, houve uma sequência de emancipações das colônias espanholas. A ameaça napoleônica na Europa fez o Rei português mudar-se para o Brasil em 1808, o que gerou altos custos para a população e o aumento de impostos para sustentar a Coroa.
A revolução chegou no interior do atual Ceará, com seminaristas divulgando o programa revolucionário; e teve adesão na Paraíba, no Rio Grande do Norte e em Alagoas. A reação do governo português contou com a mobilização de tropas do Rio de Janeiro e da Bahia, onde houve grandes enfrentamentos. Mas, o fato é que o triunfo revolucionário durou pouco, cerca de três meses, e os setores das oligarquias locais aliados ao Rei D. João VI, conseguiram derrotar a Revolução, com uma forte repressão e a execução dos revolucionários.
Poucos anos depois, ainda houve uma segunda tentativa de instauração da República, em 1824, por meio da Confederação do Equador, duramente reprimida pelo imperador D. Pedro I.
A história não pode ser escrita com base em hipóteses não concluídas. Aliás, nem escrevo como historiador, que não sou, escrevo antes de tudo como pernambucano. Entretanto, a tomada do poder por estes revolucionários, com uma independência nacional, uma ruptura direta com Portugal, e a instauração de uma República mostram que outro caminho de independência nacional teria sido possível no Brasil; e que a tradição de soluções negociadas e transições lentas e graduais, não era o único caminho possível. O hino de Pernambuco diz que “A República é filha de Olinda”, entretanto, em bem verdade a República revolucionária certamente seria outra.
A questão histórica que fica é que existiram condições apropriadas para outras hipóteses de desenvolvimento. Não se trata de conjecturar quais seriam as consequências de uma eventual vitória, mas saber que é possível se sublevar contra o jugo opressor. Saber que a unidade da classe trabalhadora, dos explorados e oprimidos, pode sim levar à vitória. Saber que a história não tem um curso linear predeterminado, que sempre leva à vitória ou à derrota. Mas, a história do presente é um jogo em aberto, e são possíveis reviravoltas, favoráveis, ou desfavoráveis.
As tarefas históricas da Revolução de 1817 seriam as tarefas de uma revolução burguesa, que no Brasil sempre ficaram inconclusas. Entretanto, as tarefas históricas que se impõem não são mais de uma “reunificação” do Nordeste, nem mais as tarefas de dois séculos atrás. Agora, se colocam como necessidade histórica da classe trabalhadora as tarefas da revolução socialista. Pois aquela sonhada República, hoje somente seria possível com o controle operário. Para aquela sonhada independência, hoje se faz necessário romper com o imperialismo internacional. E o fim da escravidão hoje é, além da luta contra o racismo, a luta contra toda exploração de mais-valia.
Foto: A revolução pernambucana em marcha. Vitral do palácio do campo das princesas, sede do governo de Pernambucano
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