O ”NOVO” CARNAVAL COSTURADO EM PANOS VELHOS?

Por Wadson Calasans*, de Salvador.

Mais um carnaval. Mais uma festa-negócio. O carnaval do mais do mesmo; o carnaval da mesmice com cara de novidade, no qual criam-se formas e conteúdos ”novos” a partir dos panos velhos do espetáculo. Apesar das tentativas de ”rearranjos”, o problema (que há muito não é mais latente!) permanece: a exaustão do modelo trieletrizado. Tal modelo é caracterizado pela onipresença do trio em vários tipos de manifestações festivas. Os cantores e cantoras, bandas ou grupos musicais relevantes são aqueles que se apresentam em trios elétricos. O modelo trieletrizado é aquele no qual o trio passa a ter um uso meramente mercadológico. Outra característica é o apelo  à potência sonora, ao gigantismo dos caminhões-palco, a tirania da tecnologia como símbolo de um carnaval moderno. É a venda da festa (ou representação hegemônica) tão somente a partir do trio elétrico.

Os mesmos personagens são recriados. Alguns outros personagens surgem e ascendem, há muito custo, por uma pressão própria da fluidez da cultura. Mas as estruturas dos poderes político e econômico permanecem intactas e concentradas. Há uma sensação de mudança no ar? Sim. Ainda que vergonhosamente tímida.  

Não adianta aumentar o número de trios sem cordas.  Não adianta fazer discurso de ”resgate” ou qualquer coisa do gênero. Este carnaval, assim como outros carnavais, está sendo mais uma vez o carnaval de um pequeno número de agentes privados. Não adianta o Poder Público criar paliativos culturais como Fuzuê e Furdunço, pois o que está na raiz da decadência do carnaval baiano é a centralidade do trio elétrico. O trio elétrico se tornou hegemônico no carnaval da Bahia. O fenômeno que inicialmente produziu a democracia do lúdico no carnaval baiano é também aquele que condicionou as práticas brincantes, bem como os diversos sentidos possíveis de carnavalização do mundo no carnaval da boa terra.

O carnaval sofre em demasia com os condicionamentos econômicos e morais (mentalidade, valores, atitudes) existentes na forma atual de organização da festa, que é o modelo ao qual nos referimos anteriormente. Há muito que a festa adquiriu outros contornos. Há ainda aquele modo de carnavalizar o mundo calcado, em grande medida, nas transgressões sociais, na negação do mundo oficial? Sim. Mas até certo ponto. Os negros em salvador, bem como os blocos afro, foram subordinados, paulatinamente, pela força hegemônica dos blocos de trio. De modo que a multiplicidade das manifestações negras, histórica e culturalmente ricas, continuam sendo tratadas no carnaval da Bahia como penduricalhos carnavalesco. A festa ainda se estrutura a partir da classe-média abastada baiana.

O carnaval continua sendo dos empresários ligados ao ramo da produção de imagens, sobretudo das grandes empresas do audiovisual; continua sendo o carnaval do consumo, da festa que é passível de troca entre os agentes privados. Este carnaval-entretenimento é o carnaval da linguagem publicitária, das fotografias, das câmeras de TV, enfim, do espetáculo e da ”estrutura fâmica”.

Apesar de tudo, a cultura popular vem sendo redescoberta no carnaval da Bahia. O poder da rua (sem o trio) vem sendo retomado. Algumas outras formas de carnavalização, que sempre fizeram parte da festa, mas que eram sobremaneira marginalizadas, ganharam mais visibilidade (é o caso do Palco do Rock). Uma das melhores experiências do carnaval da Bahia que o leitor/leitora não pode deixar de ter é conhecer o circuito Batatinha, que acontece no Pelourinho. Ele se diferencia dos demais justamente pela ausência da centralidade do trio elétrico.

Há também os palcos fixos nos quais se apresentam as atrações promovidas pelo Poder Público. São uma espécie de mini-carnavais que ocorrem em sete bairros da capital baiana: Liberdade, Itapuã, Bonfim (Largo do Papagaio), Cajazeiras X, Engenho Velho de Brotas, Periperi, Fazenda Grande e Retiro. Não poderíamos deixar de mencionar o bloco Mudança do Garcia. Costuma sair no penúltimo dia do carnaval. Arrasta uma multidão sedenta de diversão, protesto e crítica política. Apesar da comercialização da festa, desse grande negócio (desigual) que ela virou, a cultura popular carnavalesca resiste e transforma.  

*Wadson Calasans é músico profissional há 19 anos. Graduando em Bacharelado em Música Popular pela Universidade Federal da Bahia. Graduado em Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Católica do Salvador. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Faculdade Afonso Cláudio e Mestre em História pela Universidade do Estado da Bahia.