Por: Gabriela Mota, de Salvador, BA.
O Carnaval é uma das maiores e mais famosas festas do Brasil. O clima de que você pode ser o que quiser e que tudo é permitido paira no ar. Mas nem tudo é fantasia. Na realidade, as festas de rua são um espaço hostil para a presença das mulheres. Quem de nós nunca pensou várias vezes antes de se vestir com determinada roupa para tentar evitar as tentativas de assédio na avenida? Somos construídas para naturalizar o medo de ir sozinhas ao banheiro, de voltar para casa sem saber se vamos chegar bem e ter que dizer um “avisa quando chegar amiga”, de ter que fingir que não ouviu uma cantada humilhante que recebemos por que temos medo do que o cara pode fazer se a gente responder ao assédio como deveria. Não é normal andarmos com medo.
Há alguns anos atrás a propaganda da cerveja no carnaval de Salvador era dizendo que aqui é a capital mundial do beijo. Se esse fato é verdade, deveria conter outra informação lá. Salvador é a capital do “beijo roubado” e é uma das cidades com maiores índices de assédio e violência à mulher no carnaval. Somos vítimas de assédio durante todo o ano, mas o clima de “permissividade” da festa acaba tornando o fato como uma constante na festa. Toda propaganda da festa, das cervejas, blocos e camarotes, passa sempre pela mercantilização e consumo do corpo da mulher. Se isso é uma realidade para todas as mulheres, tem um impacto ainda muito maior para as mulheres negras onde mercantilização é somada a idealização da mulata, “ da cor do pecado” e ainda são ridicularizadas em diversas fantasias racistas e transfóbicas.
Recentemente foram divulgados os resultados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular, em que para 70% dos homens as mulheres gostam de ouvir um assobio, 59% acham que as mulheres ficam felizes quando ouvem uma cantada na rua e 49% acreditam que as mulheres aprovam ser chamadas de gostosa. A pesquisa também mostra que dos homens que responderam, 61% disseram que mulher solteira que vai pular Carnaval não pode reclamar de ser cantada. 49% deles afirmaram que bloco de carnaval não é lugar para mulher “direita”. Os dados nos mostram que os homens “não sabem” lidar com a rejeição.
Não é não! Por mais simples que pareça essa frase, ela precisa ser repetida em todas as festas e mesmo assim não é compreendida pelos assediadores. Existe uma grande diferença entre a paquera e o assédio, essa fronteira é a violência. Essa semana foi difícil para as mulheres. Começamos o com a notícia da soltura do ex-goleiro Bruno, fechamos com a notícia de que alguns dos ex-membros da Banda New Hit, condenados pelo estupro coletivo de duas menores, integrariam a banda do vereador e cantor Igor Kannário financiado pela prefeitura de Salvador. Hoje, enquanto escrevia esse texto, pensava nos inúmeros relatos de assédio e violência que já vivi e estou vivendo. Pensava em todas as situações que já presenciei e não sabia como reagir.
Pensava que nesses três dias pulando carnaval em Salvador já soube de muitos casos. Pensava também em como os agressores seguem a vida livremente ou “pagam muito pouco” perto do estrago que fazem na vida das suas vítimas. Os membros do New Hit tão fazendo show no carnaval, Bruno tá aí podendo até curtir o carnaval. Enquanto isso, as vítimas deles estão escondidas, mortas ou pensando duas vezes antes de ir a algum lugar que possam encontrá-los.
Entre o beijo forçado e as tentativas de estupro, resistimos!
No meio da festa e de tanta violência é sempre difícil denunciar ou gritar. A realização de campanhas contra o assédio e a violência a mulheres pelo estado durante o carnaval, é muito importante, mas é insuficiente para coibir essas ações. A campanha #ApitoContraOAssedio surge como uma iniciativa que tem potencial para nos fazer sentir mais segura. Mas a alternativa mais importante e que pode causar um impacto real é a solidariedade entre as mulheres. É a vítima saber que não está sozinha quando precisar de apoio. Quando você presenciar alguma situação de assédio ou violência a mulher não desvie o olhar! Em briga de marido e mulher se mete a colher sim! Tente conseguir ajuda de outras pessoas e chamar atenção para o fato. É muito importante denunciar, mesmo que a vítima não conheça ou não tenha como identificar o agressor.
Nem no carnaval, nem no resto do ano aceitaremos ser belas, recatadas e do lar!Seremos sim mulheres livres que lutam por uma outra sociedade sem machismo, racismo e lgbtfobia e pelo combate a toda forma de opressão! O machismo marca as nossas vidas todos os dias. Nesse carnaval, marquemos as mulheres com o feminismo.
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