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EDITORIAL

Demissão de Michael Flynn, conselheiro de segurança nacional, é uma dura derrota de Trump

Por Victor Wolfgang Kemel Amal, de Florianópolis (SC)

 

Michael Flynn, ex-conselheiro de segurança nacional do governo Trump (alto cargo do círculo militar estadunidense) pediu demissão no dia 13 de fevereiro, antes de completar um mês no cargo. Antecipando uma demissão advinda do próprio Trump, Flynn decidiu deixar o cargo devido à revelação de uma conversa entre ele e o diplomata russo Serkei Kislyak que ocorreu antes do início do novo governo, em dezembro de 2016.

Nessa conversa Flynn disse que iria rever as sanções impostas pelos EUA contra a Rússia a partir de 2014 por causa da guerra da Ucrânia, assim como a expulsão dos 35 diplomatas russos por Obama final de 2016. Em função dessa negociação, o Departamento de Justiça e o FBI acusaram Flynn de não respeitar a Logan Act, que proíbe “cidadãos comuns” de negociarem a política externa da nação.  De fato, Trump ainda não havia tomado posse e, portanto, Flynn ainda não estava no governo.

Nesta semana, Trump anunciou o substituto para o cargo de conselheiro de segurança nacional: o General H. R. McMaster. Diferente de Flynn, que participou do comitê de campanha do presidente, McMaster não tem ligações com Trump e também não partilha de suas posições ideológicas sobre política internacional. McMaster é fortemente alinhado ao establishment do partido republicano, o chamado Great Old Party (GOP, que significa Grande e Antigo Partido). O lobby para sua indicação veio diretamente deste segmento político, a exemplo do senador John McCain, que fez e ainda faz ferrenha oposição às políticas de Trump.

 

Trump e a Rússia

 

Desde o começo dos debates presidenciais norte-americanos do ano passado, muito se falava sobre uma possível ligação entre Donald Trump e a Rússia. Ao contrário do partido democrata e até do partido republicano, Trump defendia uma política de enfraquecimento da OTAN e contrária à União Europeia. Além disso, defendia que as sanções econômicas contra a Rússia deveriam acabar e que os Estados Unidos reconhecessem o direito legal da Rússia sobre a propriedade da Crimeia, na Ucrânia, anexada pelos russos em 2014, fato gerador das sanções. O conjunto destas políticas, somadas a outras como a anulação do TPP (Tratado do Trans-Pacífico), convergem diretamente com a política externa e as ambições geopolíticas de Vladimir Putin. Contudo, nenhum fato ou evidência de uma ligação concreta havia vindo à tona.
Ainda no fim de 2016, Barack Obama anunciou que as forças de inteligência estadunidenses chegaram à conclusão de que a Rússia utilizou seu serviço secreto para ajudar a eleger Donald Trump. Durante as eleições do ano passado, diversos e-mails do partido democrata e da então candidata Hillary Clinton foram liberados pelo WikiLeaks. Julian Assange, responsável pelos vazamentos, teria recebido esse material da FSB (aparelho de espionagem russo que substituiu a KGB após a queda da URSS), e que os obteve através de ataques cibernéticos. Por isso, Obama expulsou 35 diplomatas russos dos Estados Unidos como forma de retaliação à interferência estrangeira nas eleições.

Depois, em janeiro deste ano, o blog Buzzfeed publicou um relatório do serviço de inteligência norte-americana que mostra que um ex-agente de espionagem inglês, do MI-6, construiu um dossiê sobre o Trump para setores do partido republicano que não queriam ver o milionário na Casa Branca. Neste relatório consta que Trump foi chantageado pela FSB através de filmagens do atual presidente em orgias e “atos sexuais pervertidos” praticados no hotel Ritz, em Moscou.

 

Flynn versus GOP

 

Sendo ou não verdadeira essa versão de espionagem que remonta à Guerra Fria, pode-se afirmar com segurança que existe, no mínimo, uma estratégia de política externa por parte de Trump de aproximação política com a Rússia. Michael Flynn, que ocupava cargo chave na segurança nacional, era um dos principais responsáveis por desenvolver esta estratégia em seu governo.

Entretanto, essa política de aproximação com a Rússia não é a linha do setor tradicional do partido republicano, o GOP. Durante as eleições, os candidatos do establishment republicano como Jeb Bush e Marc Rubio criticaram duramente a postura de Trump com os russos, principalmente no que se refere ao fim das sanções econômicas e ao enfraquecimento da OTAN.

Uma característica fundamental para se compreender o atual governo dos EUA é a barganha, e também queda de braço, entre a fração política ligada à Trump contra o GOP. As nomeações do presidente para o governo demonstram um equilíbrio entre estas duas forças, com peso considerável do GOP. Ou seja: Trump não pode fazer o que quer, e a linha de política externa é a que está menos suscetível a mudanças.

Em função dessa disputa de forças interna ao governo é que provavelmente ocorreu a demissão de Michael Flynn do cargo de conselheiro de segurança nacional. Apesar de a negociação prévia feita por Flynn com Kislyak ser de fato restrita a “cidadãos comuns”, Flynn tinha assumido há menos de um mês o cargo no novo governo. O próprio Barak Obama, na sua primeira campanha presidencial, visitou diversos países e discutiu os rumos da política internacional com diversos chefes de Estado ainda na posição de “cidadão comum”, sem que a Logan Act fosse ativada.

Portanto, muitos entendem que a invocação dessa lei como forma de induzir a demissão da Flynn se tratou mais de uma manobra jurídica para expulsar um político indesejado para o GOP, que queria alguém mais alinhado ao seu próprio espectro político no cargo de conselheiro de segurança nacional. Um indício dessa disputa de forças que vem ocorrendo nos bastidores da Casa Branca é que Flynn desafiou de forma ousada o establishment político norte-americano ao propor a subordinação da CIA e a Junta de Chefes do Estado Maior ao presidente da república através do Conselho de Segurança Nacional, comandado por Flynn. A indicação do novo conselheiro esta semana, o General McMaster, indica a pressão feita pelo GOP sobre Trump na nomeação para o cargo.

A demissão do ex-conselheiro foi uma dura derrota de Trump, a maior desde o início de seu governo. Isso debilita ainda mais a possibilidade de ele aplicar de fato a política externa prometida durante a campanha. Uma vitória para o establishment republicano e democrata, que defendem a manutenção de uma política ofensiva contra a Rússia.

 

 

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