Pular para o conteúdo
Colunas

Afastamento do governador e vice-governador do Rio de Janeiro

Aderson Bussinger

Advogado, morador de Niterói (RJ), anistiado político, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ e diretor da Afat (Associação Fluminense dos Advogados Trabalhistas).

Por: Aderson Bussinger, advogado e conselheiro da OAB-RJ

Os mandatos no denominado Estado de Direito brasileiro, sua República Federativa, sejam estes legislativos ou executivos, contam com mecanismos constitucionais, legais (e também judiciais) de proteção de seus respectivos períodos de exercício, sendo sobretudo os cargos executivos mais protegidos, ou melhor, blindados, ante a vontade e necessidade popular de afastá-los do exercício do poder.

Isto é assim porque o Estado pretende-se, carece de estabilidade, segurança jurídica, como se diz no meio jurídico, de modo que isto, somado a um ambiente de muitas leis e igualmente muitas interpretações judiciais, o afastamento por meios legais de um prefeito, governador, ou presidente é empreitada longa, árdua, demorada, salvo quando se faz uso de um golpe institucional-judicial, como no caso da ex-presidente Dilma Roussef (PT), o que, ainda sim, não foi tão rápido.

O fato é que, na ausência no Brasil de mecanismos como o Recall, o recurso da revogação de mandatos eletivos, que são mais democráticos, a afirmação da vontade popular de rejeição de um mandato eletivo é complexa e, sobretudo, evidentemente não desejada pelo Estado e principalmente pelas classes sociais que detém o seu comando.

Isto posto, em nenhum Estado da federação brasileira, hoje, a questão do afastamento de um governador coloca-se de forma tão decisiva como no Rio de janeiro. A falência administrativa, financeira e mesmo moral do Estado do Rio de Janeiro é tão notória que é desnecessário discorrer sobre suas mazelas, que envolvem todas, absolutamente todas áreas de governo, finanças, saúde, educação, segurança, ciência e tecnologia, obras públicas: o que mais falta citar?

Ante este quadro de profunda crise, faz-se necessário, no mínimo afastar do comando executivo estadual os responsáveis por esta situação, sendo um destes – o próprio atual governador – integrante, na qualidade de vice-governador, de dois governos anteriores (2007 a 2014), cujo ex-governador está preso, aguardando decisão de mérito, exatamente por acusação de crimes praticados contra a administração pública, corrupção, lavagem de dinheiro, peculato, dentre outros.  Sendo certo que o Ministério Público Estadual, sobretudo durante os dois mandatos do ex-Governador Cabral, foi inerte em promover realmente o questionamento de suas práticas, salvo honrosas exceções de membros deste órgão que assim tentaram, mas quedaram-se vencidos.

O mesmo se diga do Tribunal De Contas do Estado, que – criminosamente em conluio com o Executivo Estadual – simplesmente engavetava os procedimentos de licitatórios que estavam sob seu exame, como ocorreu no caso das obras do Maracanã.

Entretanto, as instituições responsáveis constitucionalmente pela fiscalização e julgamento de tais crimes (desde 2007), do atual governador, estão em notória mora, omissão e total ineficácia no que diz respeito a providenciar uma solução para esta situação, pretérita e presente, referindo-me aqui, além dos acima mencionados, especialmente à Justiça Eleitoral e Alerj.

É verdade que recentemente o Tribunal Regional do Rio de janeiro, em sessão de seu pleno, finalmente cassou os mandatos dos atuais governador e vice, mas a decisão, atendendo representação corretamente ajuizada pelo PSOL com base na lei federal n. 1079/50, que trata dos crimes de responsabilidades destes governantes, está pendente de recurso interposto ao TSE, o que, portanto, não viabiliza, na prática, o afastamento imediato de ambos, quando, inclusive, já adentram no terceiro ano de mandato.

Certamente, o caminho processual será longo ainda, com muitos embargos, recursos ordinários, especiais, extraordinários, agravos, enfim, uma infinidade de apelos com um endereço processual derradeiro: o STF. E o seu regimento repleto de mecanismos regimentais protelatórios, apesar de não haver propriamente um recurso para além desta instância. E ao final ainda, dependendo de quando definitivamente esgotarem-se todos os recursos, tornar-se-á inviável a eleição direita, por não julgada em tempo.

Por outro lado, temos o recente pedido de afastamento do governador, feito também pelo PSOL perante a ALERJ, embora uma importante e necessária iniciativa também não traz de imediato a solução do problema – o afastamento do atual comando executivo estadual – pois, com o impeachment do governador Pezão, quem assumirá o mandato será o vice-Governador Francisco Dornelles, o qual, como também é sabido, não difere em termos fundamentais, do pensamento e práticas do atual governador, bem como do antecessor.

O pedido formulado pelo PSOL é absolutamente correto, pois devidamente relata e prova, através de auditorias e decisões judiciais, a objetiva tipificação da prática de todos (todos mesmo!) crimes previstos na citada Lei 1079/50, como violar garantias dos cidadãos fluminenses (penúria dos serviços públicos, falta de pagamento de salários). Descumprimento reiterado de decisões judiciais, ausência de aplicação do mínimo constitucional para saúde do Estado, negligência no cumprimento de preceitos constitucionais federais e estaduais sobre arrecadação e orçamento, (concessão de benefícios, isenções para empresas privadas, com o intuito de favorecê-las ilicitamente), enfim, conforme dispõe o art. 9 desta lei: “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Além disto, a Constituição do Rio de janeiro também prevê em seu art. 146, V, que também configuram de forma conexa crimes de responsabilidade, atentar contra a probidade na administração, ou seja, tudo que vem cometendo o Sr. governador do Estado, como igualmente fazia o ex-governador durante dois mandatos, quando o atual era exatamente o seu vice.

Sucede que, apesar da justeza e robusta fundamentação do pedido de afastamento acima, o caminho processual legislativo também não será rápido, pois o regimento da ALERJ, combinado com o que dispõe a Lei 1079/50, também impõe um rito lento, formado resumidamente pela denúncia, acusação e julgamento (art. 77 e seguintes da constituição estadual), de modo que também neste terreno teremos um processo longo, não tanto como o processo judicial, mas, importante destacar, sujeito também às medidas judiciais, mandados de segurança e cautelares contra decisões da ALERJ que, por algum motivo jurídico, venham a dar azo a alguma atuação do Tribunal de Justiça do Rio de janeiro e mesmo do STF, dependendo do caso concreto e da alegação que se expor, para o bem e para o mal.

E além do regular processo legislativo, acresça-se a isto todos os ingredientes mais comuns e corriqueiros do parlamento: compra de votos, distribuição de cargos, promessa de ajuda em futura campanha, enfim, tudo o que permeia deliberações como esta.

Em conclusão, avalio que estas importantes iniciativas do PSOL, as quais apoio integralmente, seja o processo movido perante o Tribunal Regional Eleitoral, seja o recente pedido de impeachment, devem ser acompanhadas e mesmo alavancadas por um imenso movimento social pelo afastamento do governador e vice, conforme decidido no Tribunal Regional. Ou seja, a chapa completa, o que exige uma pressão sobre o TSE, para que julgue imediatamente o recurso interposto, bem como se avance na ALERJ o processo de impeachment, de modo que estas duas iniciativas, dirigidas ao TSE e à ALERJ, combinadas, possam resultar na convocação de novas eleições para governador e vice, a fim de completar o mandato restante.

Este movimento e necessidade, contudo, esbarrará no fato de que já ultrapassados os dois anos de mandato, bem como a demora de desfecho do processo no TSE, mas, como vivemos um contexto de total e notória excepcionalidade, deve-se exigir que a ALERJ aprove uma emenda constitucional específica para contemplar esta excepcional realidade, assim como no Congresso Nacional já tramita emenda com o objetivo de assegurar eleições diretas quando o afastamento em período, até seis meses antes do término do mandato vigente.

Afora o afastamento do governador e vice, com eleições diretas e imediatas, não há como se estancar a crise do Estado do Rio de Janeiro, que exige total ruptura do atual governo, afastamento total do atual governador e seu vice de todas as esferas de comando governamental.

Faz-se necessário, concomitantemente, apresentar uma alternativa de governo, que hoje poderia estar expressa no lançamento da candidatura emergencial de Freixo para governador, juntamente com um vice igualmente oriundo dos movimentos sociais, juntamente com o PSTU, PCB, MTST. Enfim, a construção de uma alternativa que, ainda que contendo limites institucionais, viesse não somente a afastar do Estado aqueles que conduziram o Rio de janeiro ao caos e falência no qual se encontra, mas também pudesse projetar uma administração voltada para os interesses da maioria da população, os trabalhadores, os aposentados, estudantes, professores, sem privatizações, isenções fiscais para as empresas e corrupção.

Não está se tratando aqui de nenhuma mudança no sistema capitalista, este o grande causador de todos estes males (o que é impossível ao nível apenas estadual), mas da exigência de uma tarefa democrática, mínima, de modo que possam se restabelecer os mais elementares direitos da população e funcionários que não recebem sequer seus salários.

Foto: Aderson Bussinger, Advogado, Conselheiro da OAB-RJ.