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EDITORIAL

Apoiar a greve da PM e disputar os rumos do movimento

Vitória (ES) – Mulheres e familiares de policiais permanecem na saída do Comando Geral da Polícia Militar de Vitória e impedem a saída dos militares (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

A greve da polícia militar, em especial no Espírito Santo deixou em evidência as consequências dramáticas do ajuste fiscal, especialmente seus impactos sociais. O número de mortes chegou a 137 na manhã de sábado, dia 11. 

De quem é a culpa? Das mulheres que iniciaram o movimento no dia 4 de fevereiro na porta dos quartéis? Dos 10 mil policiais do Espírito Santo que aderiram ao movimento grevista? Não deve haver dúvidas, o movimento é legítimo. O responsável pelo caos social é o ajuste fiscal e seus agentes, nomeadamente o Governador Paulo Hartung e o Presidente Michel Temer.

A grande imprensa pede punição à PM. O Governo capixaba anunciou que vai indicar mais de 700 policiais pelo crime de revolta, previsto no Código Penal Militar com punição de até 20 anos de prisão.  Aloísio Nunes, senador do PSDB declarou: “Isso equivale a Motim“.

A greve continua muito forte mesmo depois de uma semana de enorme pressão da grande mídia e traição dos dirigentes das associações. Na sexta feira as Associações negociaram com o Governador o fim da mobilização, um acordo formal foi assinado entre o governo e a Assomes (Associação dos Oficiais Militares do Estado do Espírito Santo), a ACS (Associação de Cabos e Soldados), a ABMES (Associação dos Bombeiros Militares do Espírito Santo) e a Asses (Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia e Bombeiro Militar do Espírito Santo). Mas as mulheres não se retiraram da porta dos quartéis, dos 10 mil policiais convocados apenas 600 se apresentaram para trabalhar no sábado (11), no domingo (12) este número cresceu pouquíssimo e chegou a 900.  A resistência venceu.

O programa da extrema direita

A extrema direita, em especial a família Bolsonaro tem um programa para a greve da Polícia Militar. Apoiam o movimento e apresentam uma saída: reposição dos salários e luta corporativa da categoria. Defendem a valorização do policial, para melhor reforçar a estrutura militar. Seu objetivo é: nenhuma vinculação do movimento dos policiais com os demais trabalhadores, em especial os servidores atingidos pelo mesmo ajuste.  

Assim o programa da extrema direita quer melhores condições e mais estabilidade para as forças de repressão. Argumentam: um policial bem pago, vai reprimir mais, dar mais estabilidade ao Estado.

Um debate parecido ocorreu no Congresso Nacional com o tema da Reforma da Previdência. Bolsonaro lutou e foi vitorioso para que os militares não entrassem na reforma. Mas a situação financeira dos Estados é tão caótica que não restou aos Governadores esta margem de manobra. São 520 mil policias militares no país, o governadores precisam deles para a repressão, mas não podem pagar salários de 20 mil reais.

Pagam pouco, muito pouco. Pedem que eles entreguem a vida em troco do salário médio do trabalhador brasileiro, cerca de R$ 2.000,00 reais. Há uma contradição evidente.

Qual deve ser o programa da esquerda socialista?

Posicionar-se contra esta greve é deixar o caminho livre para a extrema direita. É hora de fazer o oposto, explorar as imensas contradições entre os interesses estratégicos do Estado e o ajuste que estão propondo aos policiais.

Há imensas diferenças salariais dentro da própria PM. Os números divulgados pelo Fórum de Segurança Pública Brasileiro revelam que a distância na remuneração da baixa e da alta patente é absurda. No Espírito Santo, por exemplo, um soldado ganha R$ 2.646,12 e um Coronel, patente mais alta da PM listada no anuário, ganha R$ 21.535,36.

Apoiar a luta salarial da PM neste caso concreto é decisivo. É preciso posicionar-se contra qualquer tipo de punição.  Este é um ponto de contato mínimo, que abriu-se neste momento, entre os trabalhadores e os policiais. É tempo de aproveitar este ponto de contato para questionar toda a estrutura da PM e a repressão. Abriu-se uma fenda, vamos trabalhar para que ela se amplie. A esquerda precisa ter ambição de disputar os rumos do movimento. Seria um desastre se o resultado deste processo for mais e mais defensores do Bolsonaro dentro das forças armadas.

É por isso que não há dúvidas que a linha política mais correta é lutar junto, mostrar que os interesses podem ser convergentes e não contrapostos. Deixar nítido que o inimigo comum é o governo.

Não é fácil, nem simples. Nas mobilizações do Rio de Janeiro, ao menos os batalhões que foram para as ruas, reprimiram absurdamente os manifestantes, traíram portanto seus próprios interesses. A crise aberta pelos ataques dos governadores ao conjunto dos servidores deve ser  aproveitada para que nas manifestações os militares de baixa patente dos batalhões lembrem-se que um dia já estiveram do lado de lá.

Um bom exemplo é o Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais do Rio de Janeiro – MUSPE, que atua para unificar as demandas dos servidores e dos militares de baixa patente.

Entendemos a enorme resistência que existe na esquerda à apoiar este tipo de movimento. Todos os que já sofreram com a brutal repressão ou acompanharam despejos nos movimentos sociais sabem do papel reacionário da Polícia Militar na sociedade capitalista. Entretanto, greves como a que esta ocorrendo no Espírito Santo, não fortalecem esta instituição, ao contrário a debilitam.

Também não podemos fechar os olhos, há um direção que disputa os rumos do movimento dos PM`s. Não é, portanto: tudo progressivo. Os adeptos do Bolsonaro, é preciso reconhecer, estão bem posicionados dentro do movimento dos militares.

O elemento objetivo (o processo de mobilização) e o subjetivo (sua direção) tem uma relação dialética. Se vencer a estratégia da extrema direita, um movimento que começou progressivo pode se tornar reacionário. Isso aconteceria caso toda a corporação, incluindo o alto comando se unificasse numa estratégia corporativa de obter melhores salários para reprimir os servidores e garantir o ajuste. Por ora, isso não ocorreu. Os rumos do movimento seguem indefinidos. A política de não defender a greve por princípio, só ajuda as direções reacionárias.

A esquerda precisa dizer sem medo: apoiamos a greve e somos contra as punições. Anistia para todos que lutaram, nenhum processo ou punição. É hora de reivindicar a desmilitarização da PM e o direito de livre organização sindical. A atual estrutura da PM é dos tempos da ditadura e deve acabar. Pela formação de uma política civil única, com democracia interna, eleição dos superiores e submetida ao controle popular.

 

Foto: Mulheres se manifestam na porta do quartel no Espirito Santo.