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Bolívia: Evo entre a crise e a reeleição

epa05460297 Handout picture by the Bolivian Information Agency of the President of Bolivia Evo Morales speaking during the parliamentary session for the 91 years of Bolivian independence in Tarija (Bolivia), 06 August 2016. EPA/Bolivian Information Agency / HANDOUT HANDOUT EDITORIAL USE ONLY

Por: Joana Benario, de São Paulo, SP 

A cada 22 de janeiro, o Presidente da Bolívia, Evo Morales, faz um discurso nacional onde expõe seu balanço da gestão anterior. Dessa vez, visando reverter o difícil quadro de sua reeleição, durante mais de 4 horas, apresentou um turbilhão de dados e de números altos, comparando de maneira distorcida os avanços de 11 anos de seu governo, com os 180 anos da República, reivindicando o “processo de mudança”. Assim, passou por cima de um balanço sério e necessário de sua gestão, silenciando sobre o agravamento da crise econômica que vai atingir em cheio a Bolívia neste ano.

 Onde está o “processo de mudança”?
Em 2006, quando o Movimento ao Socialismo (MAS) chegou ao governo, condensava um enorme descontentamento popular contra a corrupção, a desigualdade social e as injustiças operantes no país. Anunciava mudanças qualitativas, o que foi chamado de “processo de mudança”. Os indígenas e os camponeses entraram no Parlamento pela porta principal, como representantes de movimentos sociais e indígenas, um avanço histórico nesse país com maioria indígena e forte discriminação racial. Houve avanços relativos quanto a direitos democráticos para os indígenas, com a nova Constituição de 2009. Mas isso não era suficiente.

Os movimentos sociais deixaram sua força de mobilização independente e se tornaram totalmente funcionais ao partido de governo e são mantidos artificialmente mediante corrupção, com dinheiro do Estado. Outro elemento preocupante é o surgimento de uma nova burguesia “azul” (cor do MAS), ao estilo do modelo venezuelano, um setor que aproveitou a proximidade do poder para conseguir uma rápida acumulação de capital, fazendo suculentos negócios com o Estado. Eles precisam da permanência de Evo no poder para se consolidar. O “processo de mudança” ingressou numa perigosa fase de decadência por incontáveis denúncias de corrupção e de abuso de poder em todos os níveis do Estado, com vários problemas de gestão pública.

E a economia?
Durante vários anos, o país teve uma prosperidade econômica devido aos altos preços dos hidrocarbonetos (gás). Os processos de “nacionalizações” que, na verdade, foram só de renegociação dos contratos com as grandes transnacionais, têm permitido pôr em marcha uma série de políticas compensatórias e programas sociais para o povo. Mas as quedas de vários indicadores econômicos marcam o fim delas.

Em 2016, as exportações diminuíram 19% em relação a 2015 ($US 7,21 bilhões). A renda petrolífera diminuiu em 50% entre 2015 e 2016 (de $US 3,83 bilhões para $US 1,74 bilhões) enquanto que as receitas por hidrocarbonetos baixaram 40% (de $US 1,5 bilhões a 898 milhões). É o fim das grandes reservas de gás boliviano, as quais foram exageradas durante anos. A renda mineira caiu em 51,9% entre 2011 e 2016 (de $US 431 milhões para 207 milhões). Agora, o governo anuncia uma política de austeridade e de cortes de gastos públicos e de investimentos, para reduzir o déficit fiscal previsto em 7,8%.

Noventa e cinco por cento das exportações bolivianas é exclusivamente de matérias primas, o que comprova a continuação do modelo extrativista. Como jamais no passado, o governo autorizou a entrada das empresas petroleiras nos parques nacionais e em áreas protegidas. A industrialização nacional (das matérias primas) ficou em sonhos e as empresas do Estado fracassam uma atrás da outra, por má gestão. Em vista da queda da produção do gás, o novo projeto do governo é a produção e exportação de eletricidade mediante a promoção de megaprojetos de hidroelétricas, pouco sustentáveis em termos ambientais e financeiros, em vez de projetos pequenos e sustentáveis.

E agora, reeleição sim ou não?
O ano 2016 marcou provavelmente um declive na trajetória do governo de Evo, com desgaste tanto no projeto como na figura do Presidente. Em 21 de fevereiro de 2016, o povo votou pelo NÃO à Reforma Constitucional que permitiria a terceira reeleição de Evo em 2019 (com 51,31%). Foi um golpe muito forte para o MAS e o Governo. A partir desse momento, a política do MAS se limitou em tentar reverter essa decisão, imaginando todos os cenários possíveis para consegui-lo.

Um segundo elemento que confirma essa tendência é a recente mudança na composição de governo, com a saída de dois ministros importantes que acompanhavam o Presidente desde 2006 e garantiam certa sustentação do governo em dois setores: os indigenistas e os militares. Essas saídas revelam as divisões internas do MAS e tiram força política do governo. A isso, se adicionam os escândalos, envolvendo o próprio Presidente.

Para completar o panorama, é preciso assinalar o aumento da intensidade dos conflitos sociais, com o assassinato de um vice-ministro pelos mineiros cooperativistas e, no fim do ano, o grave problema da escassez de água em La Paz e no pais.

A tudo isso o governo de frente popular responde com mais concentração de poderes e posterga suas promessas e sua agenda política pela embriaguez do poder. Mas a Constituição boliviana não permite mais de dois mandatos consecutivos. Evo já está em seu terceiro mandato porque o Tribunal Constitucional lhe permitiu voltar a se apresentar em 2014, com o argumento que o pais foi refundado pela nova Constituição de 2009. Era vital para o governo ganhar o Referendum de 2016, mas não conseguiu. A prioridade agora é a de garantir a reeleição de Evo! Ante as suas bases, Evo diz: “já ganhamos, o problema é que isso seja habilitado”.

As próximas eleições se realizarão ao final de 2018. Até agora, não se perfilam alternativas nem pela esquerda – a qual ficou absorvida pelo “processo de mudança”- nem pela direita, dividida e incapaz de apresentar nova liderança e para a qual, a figura do ex-Presidente, Carlos Mesa, é a única que tem alguma perspectiva, no momento. O conjunto desses elementos deixa poucas margens para a discussão e a implementação de políticas necessárias e urgentes para enfrentar a crise econômica que vai se aprofundar em 2017.