Privatização da CEDAE: uma ameaça social, ambiental e ao direito à cidade, no Rio de Janeiro
Publicado em: 8 de fevereiro de 2017
Por: Jorge Badauí, do Rio de Janeiro, RJ
Há uma guerra social em curso no estado do Rio de Janeiro. Atado pela crise fiscal e econômica, o governo estadual conduz uma ofensiva de ajustes e uma escalada repressiva para impô-los. No começo deste ano, Pezão recorreu ao governo Temer e concertou um acordo, em uma fuga para a frente nas contas do estado. Entre as principais contrapartidas exigidas pelo Governo Federal para a liberação de um empréstimo bilionário ao Rio, está a privatização definitiva da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE).
Fundada em 1975, quando da incorporação do extinto estado da Guanabara, a empresa é um dos últimos grandes ativos do governo estadual, cujo desmonte do caráter público permaneceu em atraso em relação à onda de privatizações nos anos 80 e 90. Opera, hoje, em 64 municípios e tem mais de 99% de suas ações de propriedade do estado.
O último balanço divulgado pela empresa, referente a 2015, demonstra que, ainda que seu lucro líquido registre queda em relação ao ano anterior, a CEDAE segue sendo superavitária. Em meio à chamada “crise hídrica” de então, a companhia viu seu patrimônio líquido superar a casa dos R$ 5, 5 bi. Não há, portanto, sentido em considerar a empresa um obstáculo fiscal. Em meio à crise econômica, a venda da CEDAE representa nada mais que oferecer um novo ramo às corporações e investidores das quais o PMDB é notório representante.
Para uma compreensão inicial das consequências da venda da CEDAE para a maioria do povo trabalhador, deve-se reconhecer que a empresa está longe de oferecer um serviço de excelência, quer no âmbito da distribuição de água, ou da coleta e tratamento de esgoto. No Brasil, como um todo, a situação do saneamento básico é um dos indícios mais evidentes do atraso do país. Dados do PNAD sugerem que nada menos que 69 milhões de brasileiros seguem sem contar com a rede de esgoto sanitário. Por responsabilidade de sucessivos governos, a CEDAE é parte dessa realidade, na medida em que a própria empresa reconhece atender apenas 38,7% da população em sua área de atuação com tal serviço.
A pergunta que fica é: a privatização é um potencial vetor de avanço ou de retrocesso para tal quadro? Do ponto de vista imediato, não se pode desconsiderar a evidência empírica dos resultados do controle da iniciativa privada nos sistemas de telecomunicações e eletricidade – infraestrutura atrasada, serviços de qualidade duvidosa, atendimento ao cliente precário e aumento incessante das tarifas. A ideologia neoliberal, que vendeu as privatizações como panaceia para superar o atraso, não passou na prova dos fatos.
Se a CEDAE estatal foi incapaz de dotar o Rio de Janeiro de uma gestão racional de seus recursos hídricos, sua privatização é uma ameaça significativa diante das necessidades vitais e dos direitos sociais relacionados a suas atividades. Isso porque o fim de qualquer mediação entre o sistema de águas e esgotos e o capital ampliará a contradição entre a necessidade de universalização do acesso e a expansão orientada pelo lucro.
A experiência das Olimpíadas de 2016 demonstra como a pressão do capital sobre os governos implicou na quase paralisia nos investimentos em saneamento básico e, com o concomitante boom imobiliário de então, em um grave impacto ambiental. Por aí, pode-se ter uma impressão dos riscos envolvidos em ceder o sistema sanitário à iniciativa privada.
Enquanto o fundo público financiou gastos exorbitantes e provocativos com equipamentos esportivos e projetos indutores da valorização imobiliária artificial, absolutamente todas as supostas metas ambientais da Rio 2016 foram descumpridas. Segundo dados do Portal da Transparência, a União destinou, apenas no ano dos jogos, nada menos que R$ 3,8 bi para a realização do evento, ao mesmo tempo em que isentou de impostos as empresas envolvidas em um montante parecido. No mesmo período, apenas R$ 708 mi foram aplicados no saneamento urbano.
O resultado está aí para se ver. As obras de despoluição da Baía de Guanabara não avançaram em praticamente nada, o lançamento de esgoto in natura segue crescendo e provocando ondas recorrentes de mortandade de peixes e animais marinhos. Menos de R$ 11 mi, dos R$ 673 mi orçados, foram investidos na recuperação das Lagos da Barra e Jacarepaguá, de acordo com dados do Portal do Saneamento Básico – que, neste ano, voltaram a acusar contaminação por cianobactérias.
A situação atual é que aproximadamente metade do esgoto encanado é lançado aos cursos de água sem tratamento – lembrando que a essa conta ainda deve-se somar o despejo informal e o lançamento de resíduos sólidos. O quadro é lamentável e a perspectiva do controle direto da CEDAE pela iniciativa privada é temerário. Não apenas porque a drenagem das lagos e a expansão da rede encanada não são rentáveis no curto prazo, mas sobretudo porque a precariedade do sistema é apropriada continuamente pela gentrificação e especulação imobiliária parasitárias. Isso sim ainda é lucrativo, no Rio de Janeiro.
Embora o Rio tenha sido a terceira cidade do mundo – somente após Londres e Hamburgo – a contar com sistema de esgoto encanado, o ritmo e a política de expansão do serviço foram tão desastrosos que mesmo áreas nobres da cidade não contam até hoje com o serviço. Ainda assim, visto como um todo, em regra a disposição de distribuição de água e coleta de resíduos é um dos fatores mais importantes da contradição centro e periferia e capital e cidades-dormitório – Nova Iguaçu, São João de Meriti, Duque de Caxias e Belford Roxo estão entre as piores posições do ranking das condições de saneamento das 100 maiores cidades do país, elaborado com base em dados do SNIS/Ministério das Cidades.
A segregação espacial e o adensamento das regiões centrais são padrões intrínsecos à ocupação espacial dirigida pela especulação imobiliária. O fato de que grandes construtoras, como a OAS e Odebrecht, sejam aventadas como potenciais interessadas na compra da CEDAE demonstra que o capital imobiliário vê no controle da gestão e expansão do sistema de águas e esgotos como um fator evidentemente vantajoso para induzir a valorização de territórios de acordo com seus interesses particulares.
De todo ponto de vista, a condição do saneamento urbano fluminense é péssima. Mas, não foi caráter público da CEDAE, senão a ação de governos alinhados com o capital, quem provocou tal situação. O controle privado da companhia só estimulará as tendências que nos proporcionaram tamanho atraso. A manutenção de uma CEDAE estatal é, por sua vez, a condição para tornar possível o que realmente pode destravar nosso sistema sanitário: o controle da empresa pelos seus trabalhadores e pela maioria da população.
Foto: Mídia Ninja
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