Por: Daniel Tomazine Teixeira, de Duque de Caxias, RJ
O anúncio da intenção dos governos Federal e Estadual de privatizar a Companhia de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE) como parte do que denominam “solução” para a crise econômica fluminense, recoloca em pauta a discussão do que é direito social e do que é mercadoria. Não entrarei no mérito de desconstruir a falácia do argumento econômico, pois acredito que exista algo mais importante que precede a questão monetária: existe algum direto social que deva ser garantido de forma prioritária? Acredito que sim.
O direito à vida é senso comum, pelo menos no discuso ou na letra fria da lei. Mas, o direito à vida e à dignidade humana não se garantem por si só ao estarem escritos na Constituição Federal, ou na Declaração Universal dos Direitos Humanos. É preciso dar materialidade.
Ninguém sobrevive sem um certo número mínimo de calorias, vitaminas, aminoácidos, proteínas. Portanto, direito à alimentação saudável, não um pacote de carboidratos e gorduras, é fundamental. Esse direito o governo Pezão ataca ao acabar com os restaurantes populares.
Ninguém sobrevive sem acesso à saúde. A humanidade sempre constituiu algum tipo de cuidado à saúde. Atualmente, vivemos uma época em que a maioria das doenças ou possuem cura, ou possuem algum tipo de tratamento que, no mínimo, amenizam seus sintomas e permitem a convivência com a doença. Poucas são aquelas em que não há nada além de fornecer conforto até a morte, mas existem. Vivemos uma época em que nos parece barbárie o sacrifício de pessoas portadoras de deficiência física e, ou mental. Pelo contrário, é completamente possível e desejável promover a equidade entre as pessoas. Assim, a saúde deve ser pensada como um direto, não uma mercadoria.
Ambos os exemplos citados, e poderia acrescentar transporte e educação, já foram há muito tempo transformados em mercadoria. Uma pequena parcela, apenas, ainda é oferecido de forma gratuita, como o SUS e as merendas escolares.
No entanto, a água, o esgoto e a coleta de lixo permanecem, na maior parte do Brasil, como serviços públicos geridos diretamente pelo Estado (poder público) e fornecidos mediante impostos ou taxas por consumo. Mesmo deixando muito a desejar – e este que vos escreve mora em um bairro da Baixada Fluminense sem água encanada e o esgoto é diretamente jogado nos rios que deságuam na Baia da Guanabara –, o caráter público desses serviços permite que regiões pobres e algumas de poucos moradores recebam esses serviços. Privatizar tornará mais fácil que regiões isoladas e, ou de populações pobres tenham acesso a água tratada, esgoto tratado e coleta de lixo (preferencialmente, a coleta seletiva)?
O mais provável é que não. O custo de instalação, manutenção e operação desses serviços é alto. Porque uma empresa privada fornecerá esses serviços a uma comunidade quilombola, por exemplo? Ou uma favela recém constituída? A empresa privada simplesmente alegará que não há viabilidade econômica para tal. O máximo que fará é exigir subsídios do Estado, como as empresas de ônibus fazem com o passe livre estudantil e de idosos, ou para regiões com poucos habitantes e nos horários de menor demanda.
Ora, se o Estado teria que arcar com algum custo, então que ele gerencie tudo. Ou melhor, que os usuários dos serviços e os trabalhadores dessas companhias gerenciem. Se nas escolas e universidades já se avançou no entendimento para eleição de diretoria e reitoria (ainda falta a maior participação da comunidade), então por que não elegerem a diretoria da CEDAE e das companhias de lixo? Aliás, o que falta para a educação é a gerência autônoma do orçamento. O mesmo seria preciso para a água, esgoto e lixo.
Ecossocialismo e gestão de resíduos
Uma palavra foi adicionada ao vocabulário da esquerda revolucionária. Ecossocialismo. Veio como uma necessidade de atender às demandas crescentes para o chamado desenvolvimento sustentável. A burguesia mundial parece ter percebido que o discurso do aquecimento global, do cuidado com o meio ambiente, a água, florestas é um bom negócio. Em verdade, esse setor burguês não tem nada de novo a oferecer. Mas os socialistas revolucionários têm. E eles chamam isso de ecossocialismo.
O Brasil possui pelo menos 20 cidades com mais de um milhão de habitantes e essas produzem uma quantidade gigantesca de lixo e esgoto. O consumo de água é muito maior do que sua produção (renovação). É necessário, portanto, apresentar uma alternativa racional e que coexista com o equilíbrio ambiental.
Concretizando algumas propostas. Uma companhia pública de Lixo e de esgoto pode, por exemplo, conduzir os resíduos orgânicos para uma usina de tratamento do mesmo que produza, entre outras coisas, adubo orgânico (sólido e líquido) que se destinaria à produção de alimentos agroecológicos, e a produção de biogás, a ser queimado em termoelétricas, além de materiais capazes de substituir o petróleo em biorrefinarias (microalgas são grandes produtoras de óleos capazes de fornecer praticamente todos os substratos do petróleo).
Alguém poderia se questionar sobre como gerar energia elétrica em usinas térmicas a gás seria ecologicamente correto. Simples, os resíduos orgânicos produzem muito metano, um gás terrível para o aquecimento global. Ele possui alto poder calorífero que, ao ser queimado, nos fornece muita energia térmica e se transforma em gás carbônico várias vezes menos danoso à atmosfera. Além disso, o gás carbônico seria reabsorvido na produção agrícola e nas microalgas, algas e demais vegetações marinhas. Portanto, a convivência com o CO2 (dióxido de carbono) é muito mais fácil que com o CH4 (metano).
Dezenas de outras propostas de convívio e tratamento com os resíduos humanos estão aí. Sua implementação, promovendo segurança alimentar, saúde, sanidade, só podem ser garantidos se a água, o esgoto e o lixo forem definidos como questões de direito social. Caso contrário, toda e qualquer iniciativa ecologicamente responsável será sempre ou microscópica, ou convertida em privilégio do grande mercado.
Foto: Senado Federal
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