Por: Mariana Pércia, de São Paulo, SP
Desde o início da faculdade de medicina, somos ensinados uma tal de “relação médico-paciente” que tem por pressuposto básico a confiança. Confiança porque a partir do momento que uma pessoa entra em seu consultório, hospital, ou seja lá qual ambiente se dê o atendimento, essa pessoa abre parte importante de sua vida, de seus hábitos, de seus medos, que são muitas vezes importantes para um diagnóstico e tratamento precisos. Acontece que a partir do momento que essa confiança é quebrada, tudo acaba. Não se pode ter uma relação de confiança unilateral.
O caso dos médicos envolvidos na denúncia de expor o diagnóstico de Marisa e ainda de fazerem comentários de ódio sobre o caso é inaceitável.
Inaceitável não apenas pelo ódio veiculado, mas pela quebra desse primeiro princípio, a confiança. Nem os médicos e médicas, nem nenhum outro profissional que trabalhe com vidas são obrigados a concordarem com a vida pessoal de seus pacientes, nem vice versa, mas em nada têm o direito de associar isso à qualidade do tratamento desse paciente. Isso já teve um lugar na história e chama-se tortura, assassinato.
Não é apenas uma questão de ser “anti-ético”. Afinal, levado às últimas consequências, qual o destino de um paciente que fosse um “desafeto” de um desses médicos? Mesmo que a defesa deles foi falar que “era só um comentário em redes sociais”, não altera a gravidade. Se coloquem no lugar de um paciente, que tem sua vida entregue a um médico, fica difícil confiar, não é mesmo?
Quando estamos num hospital, é verdade que a morte é algo rotineiro e que para lidar com ela acabamos sendo frios muitas vezes, mas perder a capacidade de se sensibilizar é a pior coisa que pode acontecer numa profissão como a nossa, perder a empatia. Todos os dias eu escuto histórias que fazem os olhos encher de lágrimas, e espero não perder isso nunca.
O Cremesp lançou uma nota na qual afirma que a investigação do caso seguirá, e reafirma os princípios médicos de ética, que são em sua maioria para proteção do paciente. Uma nota muito boa e que esperamos que dê consequência à investigação. É preciso ir até o fim e se preciso, inclusive, cassar o registro desses médicos.
Não dá pra viver nesse clima de medo e de vulnerabilidade. Não é de hoje que, infelizmente, vejo discursos de ódio entre os médicos. Fiz uma postagem há meses falando sobre a polêmica do atendimento igualitário que deve ser dado a policiais, ou bandidos e houveram uma série de médicos manifestando ódio nessa postagem. Já fiquei surpresa com essa reação. Agora o caso de Marisa. Onde vamos parar?
A medicina não combina com ódio, colegas.
*Mariana Pércia é médica
Foto: EBC
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