Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP
Noite de domingo, 29, dezenas de muçulmanos foram alvos de um ataque terrorista: um atirador abriu fogo sobre os fiéis e fugiu em um carro. Eles praticavam sua última oração do dia no Centro Cultural Islâmico do Québec, considerada a maior mesquita da região. Até o momento são seis mortos e 19 feridos, sendo cinco gravemente e dois desses com alto risco de morte.
De acordo com o primeiro-ministro Justin Trudel, existem mais de um milhão de muçulmanos no Canadá entre os mais de 36 milhões de habitantes do país. Além disso, o Centro Cultural já havia sido alvo de islamofobia quando, em junho de 2016, foi pendurado uma cabeça de um porco na entrada do Centro, com um cartaz “Bom apetite” em desrespeito as tradições religiosas.
No final da tarde de ontem, enfrentando um forte frio, milhares de quebequenses realizaram uma vigília em memória das vítimas deste atentado, demonstrando um forte sentimento de solidariedade.
Um ataque da extrema-direita
O principal suspeito se entregou e confessou o crime pouco tempo após o atentado: Alexandre Bissonnete, 27 anos, um estudante de ciência política na Universidade de Laval, situada na cidade de Québec, capital da província com o mesmo nome. A investigação policial havia apontado, inicialmente, que eram dois os atiradores, mas após a confissão de Bissonnete, a polícia está trabalhando com a hipótese de ser a ação de um “lobo solitário”.
De acordo com os relatos colhidos até agora, Bissonnete era um jovem de extrema-direita defensor de Trump, Marine Le Pen e de Israel. Nas redes sociais, na Universidade de Laval e entre os militantes pró-refugiados, Bissonnete é uma figura conhecida que atacava as páginas sociais de ajuda aos refugiados, atacava as páginas feministas com a qualificação de “feminazi” e defendia as ideias xenófobas da extrema-direita. Um típico militante da extrema-direita que estão surgindo com o avanço das ideias reacionárias no mundo.
Nesse sentido, a passagem a ação de Bissonnete não pode ser entendida apenas como um “ato isolado”, mas o reflexo do avanço político mundial do conservadorismo reacionário. A vitória de Trump e suas medidas de banir a entrada de países com maioria muçulmana, além do avanço da Front National na França, que está em primeiro lugar nas pesquisas para as eleições presidenciais, são somente reflexos de uma mudança na consciência de setores das massas que, decepcionados com a saída neoliberal para a crise capitalista, buscam como alternativas ideias misóginas, racistas e xenófobas para a solução das graves contradições que atravessam. No Brasil, esse avanço se expressa em Jair Bolsonaro e em setores dos movimentos pró-impeachment que foram às ruas ano passado expressando essas ideias.
Uma das coisas em comum do conservadorismo reacionário que avança na Europa e nos EUA, incluindo o presidente russo Vladimir Putin, é a ideia de que o “cristianismo” é a base da civilização. Não é à toa que Marine Le Pen já declarou as “raízes cristãs” da laicidade francesa ou que no debate sobre os decretos de Trump, este afirmou que em relação aos sírios “vai dar preferência aos refugiados cristãos em detrimento dos muçulmanos”.
Com esse avanço do conservadorismo reacionário, a direita fascista se sente mais a vontade para expressar suas ideias. Richard Spencer, líder supremacista branco norte-americano, com milhares de seguidores, postou no seu twitter “Por que existem mesquitas na cidade de Quebec, uma das cidades mais bonitas da América do Norte?”. Na França, a ação de grupos como Les Identitaires que já ocuparam mesquitas e também fizeram uma “vigília” no metrô de Paris são provas de que o crescimento da extrema-direita abre um espaço para setores abertamente fascistas.
Para nós, socialistas, este é um momento de expressar solidariedade às vítimas do atentado. Este é um ato bárbaro que deve ser repudiado firmemente. Os socialistas defendem junto com Rosa Luxemburgo, o direito de que “todo homem pode ter aquela fé e aquelas opiniões que lhe pareçam capazes de assegurar a felicidade. Ninguém tem o direito de perseguir ou atacar a opinião religiosa particular dos outros”. Ao mesmo tempo, consideramos que o Estado deve ser laico, para garantir esse direito.
Para além dessa defesa da liberdade religiosa, necessária na luta contra o avanço da extrema-direita, é necessário construir uma alternativa política que possa atacar as bases de sustentação desses setores que são as contradições próprias da degeneração do sistema capitalista. Sem uma saída anticapitalista para a crise que passa pelos direitos democráticos de liberdade religiosa, de livre acesso para os imigrantes e também por uma política social que garanta emprego e boas condições de vida para os trabalhadores, com o ataque a exploração capitalista, essas contradições poderão se agravar e continuar a gerar ataques bárbaros como o de Québec.
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