Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP
No último domingo (29), aconteceram o segundo turno das primárias do Partido Socialista Francês. Com uma larga margem, Benoît Hamon venceu as primárias com quase 59% dos votos, contra o ex-primeiro ministro Manuel Valls, que ficou com pouco mais de 41% dos votos. O número de eleitores foi considerado “alto” para um PS em crise e com perda da popularidade após os cinco anos de governo de François Holande: pouco mais de 2 milhões de eleitores participaram deste segundo turno – número menor do que o segundo turno das primárias de 2011 (2,8 milhões) e do que as primárias da direita (4,4 milhões).
A derrota de Manuel Valls é a derrota de François Hollande e dos seus cinco anos de mandato social-liberal. Mandato pelo qual passaram tanto Valls, quanto Hamon e Emannuel Macron, como ministros e que aprovou contrarreformas neoliberais como a Lei do Trabalho no ano passado e a Reforma Trabalhista chamada de Lei Macron que, entre outras coisas, amplia o trabalho aos domingos.
Hamon e a tentativa de um programa socialdemocrata
Benoît Hamon é um antigo quadro do PS. Atualmente era deputado na Assembleia Nacional onde se opôs a alguns projetos do governo Hollande-Valls. Antes disso, foi ministro da Economia Social e depois da Educação do governo Hollande. Rompeu com o governo Hollande justamente pelas divergências com as políticas mais neoliberais que ele aplicou – isso inclui a oposição que fez à Lei Macron.
Por sua oposição ao governo, Hamon não é considerado um quadro confiável para muitos dirigentes do PS. Não é à toa que um setor de deputados já chamou uma reunião para essa próxima terça, 31, com o objetivo de pensar em uma estratégia do que fazer frente à vitória de Hamon. Três eleitos do PS, dois deputados e um senador, já declararam o apoio a candidatura de Macron.
A ausência de confiança de uma parte do aparelho do PS tem a ver com a derrota que este aparelho teve nas primárias, já que a maioria votou num programa mais “socialdemocrata” que neoliberal: Hamon pretende restabelecer o código do Trabalho como “limite” para os acordos trabalhistas (revogando as mudanças feitas por Hollande), um visto humanitário para refugiados, uma renda universal para todos, lutar contra a “uberização” dos contratos (todos devem ser assalariados), criar uma taxa sobre a “riqueza criada pelos robôs” com o objetivo de financiar a proteção social, legalização da maconha, entre outras medidas.
A difícil unidade entre Hamon, Mélenchon e o PCF
Como Hamon era um nome desconhecido dos eleitores, somente agora, após as primárias, é que a maioria dos eleitores começam a se posicionar por sua candidatura. E para um PS em crise, com rachas internos frente às eleições presidenciais, Hamon largou bastante bem: em quarto lugar, com 15% de intenções de voto, perdendo para a candidata da extrema-direita Marine Le Pen (25%), para o republicano de direita François Fillon (22%) e para Macron (21%). No campo considerado de “esquerda”, Hamon já está na frente do candidato do Parti de Gauche, Jean-Luc Mélenchon (10%), o que demonstra que uma parte do eleitorado já se deslocou de um candidato para o outro.
A política de Hamon será a de tentar unificar esse campo de “esquerda”. Nesse sentido, ele já fez um chamado a Mélenchon e ao candidato presidencial do partido Europa Ecologia Yannick Jadot para comporem uma “maioria governamental” com uma pauta social, econômica e democrática. As chances de Mélenchon compor essa frente são quase nulas, como ele próprio declarou, mas o problema dele será o velho Partido Comunista Francês (PCF). No final de novembro, em uma consulta a base, cerca de 41 mil inscritos do PCF (dos 56 mil aderentes do partido), votaram pela resolução de uma “campanha comunista independente” (94% dos votos) com Jean-Luc Mélenchon (53,5%) como candidato. Apesar de afirmar essa campanha independente do PCF, há diversos indícios nas resoluções, assim como nas declarações dos porta-vozes do partido de buscarem a “unidade da esquerda” para derrotarem a direita e a extrema-direita, o que significa abrir mão em favor de uma candidatura única da esquerda. Nas próximas semanas as negociações devem se acelerar e, talvez, um novo cenário eleitoral pode surgir.
A vitória de Hamon e de um programa socialdemocrata no PS, um dos primeiros partidos a aderir ao neoliberalismo em sua forma “social-liberal”, só pode ser entendida dentro de um marco internacional. Hamon reflete um movimento da consciência de massas que vai a esquerda do neoliberalismo e que se coloca contra essas medidas, ainda que no campo da socialdemocracia. Esse fenômeno internacional se expressou no Syriza grego, no Podemos espanhol, em Jeremy Corbyn no Labour inglês e em Bernie Sanders nos EUA. Esse movimento da consciência das massas é progressivo, já que busca alternativas à esquerda às políticas neoliberais. No entanto, como alternativa à crise mundial e à extrema-direita de Trump e Le Pen, somente a construção de uma esquerda anticapitalista que não busque a conciliação com o capital por meio de “taxas” e “acordos” poderá representar uma verdadeira alternativa às contradições pelas quais passam a França e a Europa.
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