Por: Saymon de Oliveira Justo, de Franca, SP
A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos nos proporciona uma valiosa lição: elementos ideológicos proto-fascistas ainda podem encantar as massas e demônios que pareciam exorcizados há décadas ressuscitam com poucos disfarces.
Comparar Bolsonaro com Hitler, em certo sentido, é um disparate, pois Hitler tinha o dom da palavra, encarnava algo que aparecia como novo, dirigia milícias armadas, enfim, era um “gênio” a serviço de uma causa monstruosa. Já Bolsonaro é, perto dele, um pigmeu. Como diria Marx: é a repetição da tragédia em forma de farsa.
Entretanto, existe uma outra perspectiva que permite tal comparação. Se há cerca de um ano provocava risos dos mais debochados a ideia de “Bolsonaro 2018”, hoje talvez não seja mais uma possibilidade tão absurda. Em primeiro lugar temos o cenário propício para esse tipo de fenômeno, a saber, crise econômica aguda, desemprego em massa, violência urbana, repulsa à classe política tradicional.
Esse tipo de contexto, como nos mostra a história, abre imensas possibilidades tanto à direita quanto à esquerda e foi justamente essa direita semi-fascista que recolheu e empunhou as bandeiras de combate à corrupção e à criminalidade.
Em segundo lugar, Bolsonaro tem uma característica que o fortalece nesse contexto, seu discurso vazio e desprovido de nexo promete soluções mágicas e instantâneas para problemas que afligem amplos setores da classe trabalhadora.
A esquerda marxista precisa utilizar as ferramentas do materialismo histórico para compreender o momento e isso significa pensar a classe trabalhadora não como uma abstração sem lastro na realidade, mas como o conjunto de homens e mulheres que acordam cedo, pegam o transporte público, vendem sua força de trabalho em troca de um salário que muitas vezes mal paga a subsistência.
O trabalhador concreto é aquele que tem o seu carrinho comprado a “duras penas” roubado, é o frentista que tem arma colocada na cabeça todos os dias, muitas vezes por um menor de idade, é a trabalhadora estuprada quando sai para o trabalho ainda de madrugada, é aquele que tem sua casa invadida e seus poucos bens roubados.
O trabalhador real é o que mais sofre com a violência urbana, pois não anda com segurança armado, não tem um seguro para seu veículo, não tem alarme em casa. Enfim, frente à violência urbana, o trabalhador só tem a proteção da sorte e se indigna até o fundo da alma frente à impunidade dos que lhe tomam o pouco que tem.
A classe trabalhadora é também a mais afetada pela corrupção, pois as artérias que desviam vultosas somas do dinheiro público provocam o colapso dos serviços estatais básicos. É o trabalhador concreto que morre nos corredores dos hospitais públicos, é ela que vê seu filho sem merenda na escola, que não consegue um exame a tempo de evitar um mal maior em sua saúde. É ao trabalhador concreto que mais faz falta os milhões desviados pela corrupção.
Já está passando da hora de dar combate a esse projeto proto-fascista que vem ganhando setores das massas e para isso a esquerda precisa empunhar as bandeiras do combate à corrupção e da luta contra a violência urbana.
Para além das constatações filosóficas sobre a violência, que são fundamentais, é preciso traduzi-las em um programa prático, com soluções de curto e longo prazo. Temos que dizer algo de concreto ao frentista ameaçado diariamente, a mulher estuprada por um menor, ao pedreiro que tem seu único carro roubado. Esses são os trabalhadores reais, essa é a classe trabalhadora de verdade e é a ela que devemos dedicar nosso projeto de país.
Precisamos ser intransigentes com a corrupção, não apenas com a alheia, mas com aquela que fere nossa própria história. É preciso expurgar do nosso meio aqueles que se enriquecem com dinheiro público, que em nome de “os fins justificam os meios” chafurdam na propina, temos que nos desfazer desses fardos antes que afundemos com eles.
O passado que parecia morto e enterrado teima em voltar. Os herdeiros de 1933 reaparecem como zumbis. O horizonte cada vez mais carregado anuncia a tempestade que se aproxima. Arrancamos os trabalhadores das mãos dos fascistas antes que eles nos arranquem o sonho que um mundo mais justo, mais tolerante. Antes que nos arranquem a vida.
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