Por: Vanessa Monteiro, do Grajaú, SP
Em uma declaração quase cômica, o secretário de Dória afirmou, nesta terça (24), que serão feitos novos grafites na Av. 23 de Maio, que ficou realmente “muito cinza” após operação da Prefeitura. Para quem não se lembra, o mesmo ocorreu em 2009, sob a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab. Nesta ocasião, 680 metros do mural com trabalhos d’Os Gêmeos, Nina Pandolfo, entre outros grandes artistas, foram apagados com tinta cinza através do programa Cidade Limpa. Após protestos de rua, a Prefeitura se retratou, justificando que os pintores da empresa contratada não sabiam diferenciar “um trabalho que tem valor, de outro que não tem”. Então, o mural foi refeito por estes e outros artistas, formando o mural que conhecíamos até virar cinza novamente. De “cidade limpa” à “cidade linda” cabe a pergunta se esta é uma guerra puramente estética.
Se é verdade que os grafites há muito tempo vêm sendo combatidos pela Prefeitura de São Paulo, é verdade também que entre as diversas formas de manifestação urbana estes não são o principal alvo. Com a nova onda cinza na cidade, ressurge o debate sobre as formas de manifestação culturais legítimas versus “vandalismo”. O repórter César Trali afirmou, na Globo: “No lugar onde ficou esse cinza todo, o que vai acontecer? Pichação. A prefeitura não tem estrutura para evitar pichação na cidade, deixa o grafite, colore São Paulo, a gente fica com o astral um pouco melhor”.
Outra imagem que viralizou nas redes sociais dizia: “Essa era a 23 de maio, o maior painel de arte urbana do mundo. Esse é um prefeito populista, que conseguiu transformar uma obra de arte em um muro de presídio pronto para receber pichação”. Antes de mais nada, é preciso entender as origens e a relação entre “pixo” e grafite, duas grandes marcas registradas da metrópole.
Arteiros de subúrbio e galerias da vila
A pichação surge nos anos 1970, na cidade de Nova York, sendo TAKI 183 um de seus pioneiros. A marca do pichador faz referência a seu nome e região de origem, no caso, a rua 183. Não foi diferente em São Paulo, quando, na década de 1980, a pichação despontou ligada ao movimento hip-hop, onde jovens das zonas Leste, Sul, Oeste e ABC paulista começaram a estampar nos muros as periferias da cidade. O pichadores se configuraram, desde então, como um movimento majoritariamente de jovens negros e periféricos, dando voz através dos muros aos bairros e favelas onde o poder público nunca chega, a não ser pelas mãos da Polícia Militar.
Foi nos anos 1990 que a pichação se consagrou na cidade, tendo grande repercussão pelos feitos ainda mais transgressores e polêmicos. Alguns talvez se lembrem da proeza do precursor #DI#, que pichou o prédio do Conjunto Nacional na Av. Paulista e, como se não bastasse, ele mesmo deu entrevista para um jornal “denunciando” o feito como se fosse um morador do prédio. Na mesma época, dois jovens da zona Oeste deixaram suas marcas no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. A partir daí, começa uma campanha de criminalização à pichação e, paralelamente, incentivo ao grafite como uma forma de embelezar a cidade em contraposição àqueles.
Apesar de o grafite datar origem próxima à da pichação, sua massificação na cidade se deu nos anos 90 através do incentivo das prefeituras e empresas privadas. Surge, inclusive, um nicho de elite do grafite, sendo a Vila Madalena uma expressão deste setor, através de galerias próprias para esse tipo de arte, bastante distinto da pichação. Evidentemente, o grafite em São Paulo não se reduz às galerias. Há uma série de artistas negros e negras, LGBTs e das periferias que não se contrapõem à pichação, mas resistem juntos. Compreender as origens do discurso “grafite versus pichação”, ou o grafite como “evolução” da pichação deve servir para nos alertar sobre o que reproduzir, ou não.
Liberdade de manifestação para toda forma de arte urbana
Programas como Cidade Linda de João Dória, bem como o antigo Cidade Limpa de Gilberto Kassab não nos devem suscitar um debate meramente estético, sobre o que achamos bonito, ou feio. Eu, sinceramente, gosto de cinza. Uns gostam de punk, outros de MPB. O que importa é que por trás do discurso legitimador de uma estética impulsionado pela prefeitura, há uma política higienista, que criminaliza jovens e negros. Grafiteiros, pichadores, pintores, quem cola lambe-lambe, adesivo, quem lê e aprecia a arte de rua são todos parte da arte urbana. Arte que deixa marcas e, de alguma forma, transgride os tantos muros de uma cidade como São Paulo. Defender essas marcas é defender um patrimônio cultural que é da cidade, que a torna linda, e muito mais humana.
Comentários