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BRASIL

Crise e caos da mobilidade urbana em São Paulo

*Parte do Especial Aniversário de São Paulo

Por: Camila Lisboa, de São Paulo, SP

A maior cidade do país completa 463 anos. Grande centro político e econômico, São Paulo viveu ao longo de mais de quatro séculos uma verdadeira avalanche de mudanças e transformações que caracterizam o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, seu progresso e sua barbárie.

Apesar de um território extenso, trata-se de uma das cidades mais populosas do mundo. Seus mais de 12 milhões de habitantes vivem, cotidianamente, a crise e caos da mobilidade urbana. Passaram-se anos, décadas, séculos e este problema tornou-se cada vez mais complexo.

A industrialização do Brasil foi marcada pela instalação da indústria automobilística, que se tornou coração de produtividade do país. Para consolidação das montadoras multinacionais no Brasil, foi necessário consolidar um modal viário que consumisse o produto das montadoras.

Com isso, os bondes deixaram de fazer parte da paisagem paulistana e deixaram de ser a forma de deslocamento da população, sumindo de vez na década de 1970. O deslocamento coletivo passou a ser determinado pelo ônibus e em menor escala por trens e metrôs. E o deslocamento individual, com carros particulares, ocupou cada vez mais espaço na cidade – ocupa 90% do espaço viário e transporta 20% das pessoas.

Em 2011, quando a frota de veículos em São Paulo atingiu sete milhões, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma pesquisa que revelava a seguinte imagem: a cidade de São Paulo tinha 17 mil quilômetros de vias pavimentadas, enquanto uma fila de todos os sete milhões de carros emplacados teria 26 mil quilômetros de ruas e avenidas.

O preço pela instalação do modal rodoviário na capital paulistana é pago de diversas formas, entre elas, com as vidas que deixam de existir cotidianamente no transito caótico de São Paulo. Este tema foi bastante pautado na eleição para a Prefeitura da cidade, no ano passado.

João Dória capitalizou eleitoralmente o repúdio de muitos motoristas aos radares de velocidade instalados nas marginais e vias expressas da cidade. É verdade que muitas leis de trânsito se tornaram objeto da indústria das multas. Mas, também é verdade que o trânsito caótico de São Paulo mata muita gente e que a redução da velocidade fez cair esses números drásticos. Como também é verdade que os acidentes de trânsito geram custos enormes ao Estado, os quais poderiam e deveriam ser revertidos para ampliar e melhorar o transporte coletivo.

O atual prefeito utilizou este debate para ganhar votos. Após sua vitória, reconheceu que esta medida poderia ser melhor para reduzir as mortes e que ela não alterava significativamente o tempo de chegada nos destinos das viagens que utilizam as vias expressas da cidade.

Mesmo reconhecendo isso, João Dória voltou a falar em ampliar a velocidade das marginais porque este senhor escolheu governar para um determinado setor social da cidade, que é numeroso, mas não maior do que a ampla massa da população paulistana que atravessa esta enorme cidade para trabalhar.

E a segunda grande expressão desta escolha do novo prefeito foi sua forma de ampliar o preço da passagem. Em lugar de ampliar a frota da já caríssima tarifa de ônibus e metrô (3,80), resolveu ampliar em 0,50 centavos o preço da integração. As pessoas que pegam apenas uma condução na cidade de São Paulo são aquelas que moram próximo das regiões centrais, favorecidas pela presença do metrô e com uma oferta relativamente boa de ônibus.

A grande maioria dos trabalhadores paulistanos pega um ônibus para chegar nos terminais onde há metrô, ou algum outro terminal com ônibus que chegam a outras regiões. Exatamente a população mais pobre da cidade, cujo orçamento já é apertado, sobretudo neste momento de crise econômica. Essas duas medidas de João Dória são tão escancaradamente absurdas que ele foi impedido pela Justiça de aplicá-las.

A cidade aniversaria com mais de quatro séculos de acúmulo de problemas sociais e com projetos atrás de projetos para dinamizar a mobilidade que nunca dão certo. Nunca dão certo porque nunca se tentou rever a opção pelo modal rodoviário, investir em trens e metrôs, que apesar de fazerem a diferença para quem utiliza, ainda está muito aquém da necessidade da cidade. A cidade de Tóquio tem 13 milhões de habitantes e 286 quilômetros de metrô. São Paulo tem 12 milhões e apenas 74 quilômetros de metrô.

A forma de enfrentar a crise da mobilidade urbana nesta megalópole também nunca foi resolvida porque os sucessivos governos também nunca optaram por enfrentar os interesses dos empresários do transporte. A cada eleição, a cada nova gestão na Prefeitura, as concessões para as empresas de ônibus são renovadas, com troca de favores e pouca transparência. O processo de privatização do que ainda é estatal avança, como vemos com as iniciativas do governo do estado de SP em relação à Linha 5 do metrô e em relação às novas linhas que estão com as datas de entrega sempre em adiamento.

Quem paga por essas opções é o povo sofrido de São Paulo, que sofre nos ônibus, metrôs e trens lotados, ou que ainda realiza cerca de 13 milhões das viagens diárias de deslocamento a pé. João Dória e suas medidas anti-povo vêm reafirmando essa lógica e impondo retrocessos, como no caso da velocidade das marginais. Comemorar o aniversário de São Paulo é parabenizar o povo desta capital que consegue sobreviver nesta lógica e de onde virá a força para mudar esses rumos.