Por, Cláudio Rennó.
Há exatos cinco anos, em 22 de janeiro de 2012, o Brasil e o mundo assistiam estarrecidos o despejo violento da ocupação urbana do Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo, a expulsão de 1500 famílias, cerca de 6 mil pessoas, pela Polícia Militar, pelo Poder Judiciário e pelo governo do Estado de São Paulo.
Dia 23 de dezembro de 2016 as chaves das 1461 casas do “Residencial Pinheirinho dos Palmares II” foram entregues às famílias remanescentes da ocupação original. Em outra região da cidade, bem mais distante do centro, sem a mesma infraestrutura urbana, outro projeto, mas ainda assim uma enorme vitória da luta, da mobilização permanente e da organização consciente.
Nestes quase cinco anos entre o despejo e a entrega das casas as famílias se dispersaram um pouco por vários bairros da cidade, algumas receberam o benefício do “aluguel social” outras não tiveram a mesma “sorte”. Mas mesmo assim mantiveram alguma organização e unidade durante este tempo longe uns dos outros.
Relembrar é lutar
Em janeiro de 2012 a justiça de São Paulo determinou a retirada de 6.000 pessoas que já moravam na ocupação do Pinheirinho já há 8 anos, para devolver as terras da empresa falida do burguês Naji Nahas, terra da qual ele não pagava impostos há mais de 20 anos. A Justiça cometia, assim, um crime. O governo, o Estado burguês, representando a sua classe, perdoou as faltas do especulador Nahas levando 6.000 proletários à rua.
O primeiro Pinheirinho situava-se na zona sul de São José dos Campos, próximo ao bairro Campos dos Alemães. Os “alemães” eram um casal que foi assassinado na década de 60, sem deixar herdeiros. A área toda deveria ter se tornado herança vacante, tomada pelo Estado e transferida para a universidade estadual de unidade mais próxima. Mas a terra foi grilada pelo Comendador Bentinho.
Em 1981, o terreno foi vendido ao empresário Naji Nahas. A empresa de Naji Nahas, Selecta, faliu em 1990, e o terreno, localizado em zoneamento industrial, permaneceu abandonado. A Selecta é uma off shore com sede num endereço inexistente na cidade do Panamá.
Breve Histórico
Com a vitória de Eduardo Cury, o segundo prefeito do PSDB, em 2004, após 8 anos do primeiro alcaide tucano (Emanuel Fernandes) continou-se um processo de ”higienização social” do centro da cidade, com ”desfavelização” e remoção das famíĺias para áreas distantes do centro, como o bairro Campos dos Alemães.
Em dezembro de 2003 a CDHU e a prefeitura de SJ Campos iriam entregar casas neste bairro para as famíĺias removidas do centro. Mas a população local se auto-organizou e ocupou as ”casinhas” do Campo dos Alemães antes da Prefeitura entregá-las às famíĺias removidas do centro, por estarem na frente “na fila” da moradia.
Entre o natal e o ano novo de 2003 a instância local do Estado, a Prefeitura a através da Guarda Municipal tentou proceder uma desocupação das ”casinhas” sem ordem da instância judicial do Estado. Por orientação dos advogados dos sindicatos que os apoiavam e por disposição de luta, os moradores decidiram resistir à ação para-estatal da guarda municipal e houve um enfrentamento físico entre os sem teto e a Guarda Municipal onde os sem-teto levaram larga vantagem, ou seja, os desamparados pelo Estado ”deram uma surra” na guarda do Estado.
Uma tropa da PM que estava próxima do conflito com cerca de 50 homens não se mexeu, porque não havia ordem judicial para tal. Esta vitória física, violenta, deu muita moral e autoridade para os sem-teto e, por outro lado, gerou muito ódio de classe na Prefeitura tucana contra os sem-teto.
A Prefeitura em represália excluiu os moradores do Pinheirinho de todos os programas sociais: moradia, sextas-básicas, vale-gás, leve-leite, proibiu as escolas e postos de saúde de matricular e atender os moradores etc. Abusos estes que foram sendo derrubados um a um com muitas mobilizações e denúncias, mas demoraram até um ano ou mais para voltarem a ser atendidos plena e regularmente.
Uma frase de uma moradora do Pinheirinho, Valdirene Ribeiro chamou a atenção: “O direito existe, mas para ser efetivado a gente precisa saber, precisa conhecer e precisa de muita luta, organização, divulgação, para contrapor o poder do dinheiro e fazer valer [efetivar] esse direito e conquistar mais“.
Todavia nem o Estado nem sua Justiça são nossos…
Uma decisão da Justiça Federal (Tribunal Regional Federal de São Paulo) do dia 20 de janeiro de 2012, mandou suspender a reintegração de posse, mas a Justiça Estadual ignorou tal decisão mantendo a liminar que levou à retirada dos moradores.
O presidente do Tribunal do Estado de SP deu despacho no dia 21 mandando fazer a desocupação e, se aparecessem forças federais, deveriam ser repelidas. O presidente da corte paulista, Ivan Sartori, ordenou ao comando da Polícia Militar para o imediato cumprimento do mandado da 6a. Vara Cível de São José dos Campos, “repelindo-se qualquer óbice que venha a surgir no curso da execução, inclusive a oposição de corporação policial federal”. Foi uma ameaça de guerra civil.
A coordenação do movimento, os advogados, os apoiadores “acreditaram” na força da decisão da Justiça Federal; fizeram uma festa no Pinheirinho na noite do dia 21 de janeiro. Mas no dia seguinte, todos dormindo, de ressaca ou ainda embriagados pelo álcool e pela ilusão na Justiça do Estado-burguês, às 6 horas da manhã do dia 22 de janeiro de 2012, a Polícia Militar de São Paulo recebeu ordem do governador para iniciar as operações de cumprimento da reintegração de posse do Pinheirinho.
Karl Marx já a 1852, em “O 18 Brumário” apanhava as dimensões políticas e econômicas do Estado ao compreender o Estado burguês como uma expressão essencial das relações de produção específicas do capitalismo e mostrava como o Estado é, em última instância, um órgão da classe dominante.
A luta deve continuar
Um mês da entrega das chaves e das casas não pôs fim à história das lutas dos trabalhadores do Pinheirinho. Desde a entrada nas novas moradias, vários problemas já apareceram, de encanamentos entupidos com cimento, erros de projeto, só um ponto de luz para dois cômodos, obras inacabadas etc. Mas o mais emergencial é que como o novo terreno é em declive, faz-se necessário a construção de vários muros de arrimo, sob pena de deslizamento, ainda mais com essa chuva que não passa.
Várias quadras têm no fundo das casas um desnível de mais de 2,5 metros, o solo da área é todo argilo-arenoso, quase sem calcário ou granito. Se não forem construídos urgentemente escoras provisórias e os muros de arrimo em definitivo, muito provavelmente algumas casas novinhas, recém entregues, vão desabar, com grave risco à vida dos moradores, a maioria crianças.
Outras demandas também já são levantadas pelos moradores, como creches, escolas, postos de saúde, áreas de lazer e cultura mais próximas do Novo Pinheirinho. Assim como ainda resiste a consciência de que muitas famílias-irmãs ainda pagam aluguéis caros, vivem em favelas e cortiços ou mesmo nas ruas da cidade, do estado, do país e do mundo.
Com a crise do capitalismo se agravando no mundo todo e com os ataques aos direitos sociais dos trabalhadores se aprofundando no Brasil, a tendência é que aumente cada vez mais o número de famílias sem-teto, sem-terra, sem-trabalho, sem-escolas, sem-saúde etc.
A vitória do Pinheirinho deixa como legado e lição a todos os trabalhadores que é necessário lutar e que é possível vencer. Para além da sua lição já histórica e para além das suas demandas específicas e legítimas urgentes e imediatas, os ativistas, líderes e dirigentes do Pinheirinho podem ajudar e mostrar o caminho para os demais trabalhadores para 1, 2, 3 Pinheirinhos mais surjam em São José dos Campos, no Estado de São Paulo e em todo Brasil.
Parabéns pela vitória!
Até a vitória final!
Até o Socialismo, no Brasil e no Mundo!
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