Alex Callinicos | Tradução de Wilma Olmo Corrêa
Postado em 15 de dezembro de 2016
A derrota da terceira via
O filósofo Jacques Derrida escreveu certa vez um ensaio intitulado “Sobre um Tom Apocalíptico Recentemente Adotado na Filosofia”. 1 Esse tom, desde 8 de novembro de 2016, migrou para a discussão política cotidiana. Para a esquerda liberal, a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos é simplesmente a maior queda em uma avalanche de reação. Outros incluem, naturalmente, dois referendos europeus – Reino Unido em 23 de junho e Itália em 4 de dezembro. Inegavelmente, a alta política burguesa deslocou-se para a direita. Mas isso não significa que tudo o que tem acontecido possa ser amalgamado em um fenômeno singular, todos, cujos elementos têm o mesmo significado.
Por um lado, como esta revista tem consistentemente afirmado, há uma circunstância progressiva e poderosa contra a União Europeia. O fato de que isso não tenha sido fortemente expresso na campanha do referendo britânico é lamentável, mas não faz da UE o farol de iluminação em um mundo nebuloso que, absurdamente, a esquerda liberal está retratando-a como. 2
O referendo italiano referia-se a um pacote de mudanças constitucionais destinadas a aumentar os poderes do governo central e promovido pelo primeiro-ministro Matteo Renzi, ao lado de uma lei de reforma eleitoral (“Italicum”) favorecendo os grandes partidos com os quais ele havia acordado juntamente com Silvio Berlusconi. O referendo se opunha, como diz Armanda Cetrulo, a “um grupo diversificado constituído por partidários antifascistas, sindicatos, constitucionalistas, movimentos da esquerda radical, Lega, Forza Italia e o Movimento 5 Estrelas”. Um fator importante na oposição da esquerda foi a lei trabalhista de 2014, onde “Renzi conseguiu fazer o que nem mesmo os governos de direita conseguiram: a abolição do direito dos novos trabalhadores serem reintegrados em caso de demissão injusta, sem justa causa”.3
A tentativa da Comissão Europeia e sua câmara de eco no The Guardian de retratar a derrota esmagadora de Renzi “como mais uma vitória para as forças populistas e anti-europeias” é risível 4. Como observou o The Independente:
O claro tamanho do voto no ‘Não’ desacredita interpretações simplistas do resultado como mais uma expressão de fervor populista. Em vez disso, a votação foi a expressão de uma gama de diferentes tipos de Não: um Não às reformas constitucionais específicas que estão sendo propostas; Um Não às elites políticas em geral; Um Não ao atual mal-estar econômico e social; e acima de tudo um Não ao governo Renzi. 5
Donald Trump, no entanto, é outra proposição. O próprio homem pode ter poucas opiniões políticas positivas, além do instintivo racismo e sexismo – um incorporador imobiliário oportunista, duvidoso demais, até mesmo para Wall Street. Mas sua vitória (por meio do Colégio Eleitoral, em vez do voto popular, mas poucos Democratas se queixariam se Hillary Clinton ganhasse dessa forma) representa uma mudança brusca à direita da cena política burguesa nos EUA.
O supostamente respeitável “establishment” Republicano na nova administração – por exemplo, o vice-presidente eleito Mike Pence – foram ideólogos marginais na era de George W. Bush. Mais preocupante ainda, Trump está expondo à luz do dia (piscando com surpresa como criaturas habituadas a viver debaixo de uma pedra quando esta é repentinamente removida) figuras pertencentes ao mundo “alt-right” (Direita Alternativa) de racismo aberto e elitismo, e de um, não mais, armário de fascistas. Ele está trazendo algumas destas figuras – notadamente Stephen Bannon, editor do site de notícias de extrema direita Breitbart News – para a Casa Branca.
Portanto, há diferenças muito importantes entre os eventos que, desde junho de 2016, têm abalado a ordem capitalista liberal ocidental. Mas isso não significa que eles não têm nada em comum. Simplificando, 40 anos de neoliberalismo e quase dez anos do que Michael Roberts chama de “Depressão Longa” – estão começando a desestabilizar os sistemas políticos dos estados capitalistas avançados. 6
Diante do colapso de 2007-8, as classes dominantes ocidentais abandonaram a cartilha neoliberal e recorreram ao Estado para resgatá-las. Mas, uma vez que se asseguraram que o sistema estava seguro, elas procuraram se conduzir por meio de uma versão renovada do neoliberalismo. Esta nova versão do neoliberalismo não é capaz de fornecer uma boa política para o regime gerir o capitalismo – afinal, todas as grandes nações capitalistas avançadas (Estados Unidos, Zona do Euro, Japão e Reino Unido), continuam a depender de medidas extraordinárias por parte dos bancos centrais (flexibilização quantitativa, taxas de juros extremamente baixas ou até mesmo taxas de juros negativas) para manter o sistema financeiro na superfície. Mas o neoliberalismo funciona muito bem para enriquecer os ricos. A conta a ser paga foi deixada a cargo das pessoas comuns através de planos de austeridade e padrões de vida extremamente baixos.
Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman encontraram em um estudo recente que:
A metade inferior (Base da Pirâmide Social) da distribuição de renda nos Estados Unidos foi completamente excluída do crescimento econômico desde a década de 1970. De 1980 a 2014, o rendimento médio nacional por adulto cresceu 61 por cento nos Estados Unidos, no entanto a renda média individual antes dos impostos dos 50 por cento da base da pirâmide social, ou seja, dos assalariados, estagnou em cerca de US$ 16.000 por adulto após o ajuste pela inflação. Em contraste, a renda subiu rapidamente para aqueles no topo da pirâmide social, subindo 121 por cento para os 10 por cento do topo, 205 por cento para o 1 por cento do topo e 636 por cento para o 0,001 por cento do topo.7
O Reino Unido também é um exemplo disso, supostamente uma economia relativamente “forte” e, certamente, muito melhor do que as previsões do Tesouro e do Banco da Inglaterra antes do referendo. No entanto, a Fundação Resolução argumenta que os números divulgados pelo Escritório de Responsabilidade Orçamental para o chanceler do erário público, Philip Hammond, em novembro último sugerem que os ganhos reais serão:
não superiores em 2020-21 do que em 2006-07. Significaria também que o crescimento salarial durante a década a partir de 2010 seria o mais fraco desde os anos 1900. O crescimento total de apenas 1,6% na década de 2020 compara-se com o crescimento de 12,7% na década de 2000 e acima de 20% em todas as outras décadas desde a década de 1920.8
A Figura 1 coloca este arrocho salarial em um contexto histórico. Como observa o historiador econômico Adam Tooze, “o final do século XVIII, a era pós-napoleônica, o período pré-1914 e os anos a partir de 2008 se destacam” como tempos em que os trabalhadores sofreram uma queda acentuada em seus padrões de vida. 9 Um olhar sobre a queda acentuada nos ganhos reais desde o início da crise financeira é suficiente para explicar o voto para deixar a UE.
Figura 1: Crescimento decenal dos ganhos semanais reais desde os anos 1700 Variação percentual na remuneração média entre os últimos 10 anos e os 10 anos anteriores (CPI e predecessores ajustados). Fonte: Resolution Foundation.
Seguir as agitações resultantes da recente votação tem sido a tendência de muitas das vítimas do neoliberalismo, da crise e da austeridade para se rebelarem contra o establishment responsável pelo seu sofrimento. Em nossa última edição, Charlie Kimber documentou isso para o referendo do Brexit.10 O caso das eleições presidenciais dos Estados Unidos é mais complexo, como mostra Josh Hollands em outra parte desta edição. A mobilização de Trump do racismo branco Anglo fez com que muitos dos mais pobres, afro-americanos e latinos se mantivessem no campo Democrata, mesmo que tivessem tido votado em uma escala menor do que tinham feito antes para Obama. Na verdade, esta foi uma eleição que Clinton perdeu; muito mais do que uma eleição que Trump ganhou.
Konstantin Kilibarda e Daria Roithmayr argumentam que isso foi verdade nos cinco estados do Cinturão de Ferrugem (Rust Belt) no meio-Oeste americano (Iowa, Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin) que permitiram que Trump conseguisse votos suficientes para chegar à Casa Branca: “Com relação à eleição de 2012, o apoio aos Democratas no Cinturão de Ferrugem desmoronou, uma vez que um grande número de Democratas ficou em casa ou, (em menor medida), votou em um terceiro partido. Trump realmente não reverteu os eleitores brancos da classe trabalhadora no Cinturão de Ferrugem (Rust Belt). Em sua maioria, os Democratas os perderam”.11
No entanto, é surpreendente que o The Economist tenha descoberto que o melhor preditor de onde Trump fez melhor do que Mitt Romney, o candidato Republicano em 2012, foi:
dados em nível de condado sobre a expectativa de vida e a prevalência de obesidade, diabetes, alcoolismo e atividade física regular (ou falta dela) … A crise no sistema de saúde pública que se desdobra para toda a classe operária branca da América não é um segredo. No ano passado, Angus Deaton, economista vencedor do Prêmio Nobel, descobriu que a taxa de mortalidade entre os cidadãos brancos de meia-idade e menos instruídos do país havia subido desde a década de 1990, mesmo que a taxa para os hispânicos e negros da mesma idade tivesse caído. Alcoolismo, suicídio e uma crescente epidemia de abuso de opiáceos são amplamente vistos como as causas mais prováveis. Alguns argumentam que a deterioração da saúde está ligada à desindustrialização: taxas de desemprego mais elevadas preveem ambos: – uma expectativa de vida mais baixa e – apoio ao Sr. Trump, mesmo depois de controlar uma série de variáveis demográficas.
Os dados da votação sugerem que, no seu conjunto, os apoiadores do Sr. Trump estão enfrentando uma situação ruim ou têm muito pouco dinheiro: dentro de qualquer nível de escolaridade alcançada, os respondentes com rendimentos mais elevados apresentam maior probabilidade de votar no Partido Republicano. Mas o que os números geográficos realmente mostram é que o subconjunto específico dos eleitores do Sr. Trump que o ajudaram a ganhar a eleição – aqueles nos condados onde ele superou Romney por grandes margens – vivem em comunidades que estão literalmente morrendo. Mesmo que as políticas do Sr. Trump não sejam susceptíveis de atenuar a sua situação, não é difícil compreender porque votaram a favor da mudança. 12
O referendo italiano diferiu em muitos aspectos da eleição dos EUA. No entanto, de acordo com o Financial Times:
O descontentamento económico também desempenhou um papel no encerramento prematuro do mandato de Renzi. A análise revela que taxas de desemprego mais altas e níveis mais baixos de renda per capita estavam associados a votos mais enfáticos para rejeitar a reforma constitucional… Embora seja verdade que o descontentamento econômico estava associado a um maior apoio ao Movimento Cinco Estrelas e ao partido de Berlusconi nas eleições gerais de 2013, sua correlação com o resultado do referendo foi ainda mais forte, sugerindo uma motivação de protesto mais profunda por trás do voto do referendo. 13
Evidentemente, uma multiplicidade de fatores esteve envolvida em todos esses resultados – as preocupações democráticas e o oportunismo político ajudaram a mobilizar a oposição a Renzi, que reconheceu a variedade de descontentamentos alinhados contra ele, descartando desinteressadamente os ativistas do ‘Não’ como um ‘accozzaglia’ (desordem) ou tumulto. No entanto, se as motivações para a revolta se diferenciavam, a natureza do que estava sendo rejeitado é bastante clara. Mais do que qualquer outra coisa, a principal vítima dessas reviravoltas foi a Terceiro Via – a tentativa liderada por Tony Blair e Bill Clinton nos anos 1990 de casar a social democracia tradicional e o neoliberalismo. Ambos, Cameron e Renzi são grandes admiradores de Blair, enquanto Hillary Clinton estava, naturalmente, presente na criação. O liberalismo social está em apuros em outros lugares, como é sinalizado pela decisão do desafortunado presidente francês, François Hollande, de tomar a indicação fornecida pelo seu índice de aprovação de 4 por cento e não concorrer à reeleição.
Fascismo em marcha?
A Terceira Via merece morrer. A Grande Depressão mostrou definitivamente que a promessa de Blair de casar o mercado com a justiça social é irrealizável. O pacto do diabo de Gordon Brown com a cidade afundou o anterior governo Laborista, e as alianças de Clinton com Wall Street ajudaram a afundar suas esperanças presidenciais. O problema é que os principais beneficiários políticos vieram de indivíduos mais à direita. Na verdade, tornou-se moda falar de um “autoritário internacional” se espalhando da Rússia de Vladimir Putin para a Turquia sob Recep Tayyip Erdoğan, os EUA sob Trump, e – o que vem a seguir? A França sob Marine Le Pen após as eleições presidenciais em abril e maio?
Mais uma vez, é importante diferenciar. A tentativa de Putin de reconstruir o poder imperial russo baseado em uma economia exportadora de energia altamente dependente dos mercados mundiais é muito diferente do neoliberalismo de Erdoğan e seu islamismo cada vez mais autoritário, que está ligado à nova e devota burguesia industrial da Anatólia. Há uma tentação de amalgamar e definir todas essas diferentes figuras como “populistas” – de fato, um índice da recusa das classes dirigentes ocidentais em entender o que está acontecendo é sua propensão, e aquela de seus meios de comunicação e auxiliares acadêmicos, a espalhar a palavra “populismo” que se tornou um termo abrangente e genérico usado simultaneamente para liberar e assimilar todos os desafios ao status quo neoliberal. 14
Usado mais restritamente, o “populismo” é útil na identificação de uma gama de partidos da direita racista que se tornaram mais proeminentes recentemente. O UKIP (Partido de Independência do Reino Unido) é um caso paradigmático: ele afirma representar uma nação britânica cujos interesses foram negados por uma elite ligada à UE. Isto é típico do que Ernesto Laclau chama de “lógica da equivalência” no populismo: o povo é construído como uma totalidade através do seu antagonismo com um “elemento excluído” – neste caso, a elite pró-UE, mas também, obviamente, os migrantes do resto da Europa, com quem esta elite tem, de acordo com o UKIP, inundado o país. 15. Partidos da direita populista, como o UKIP, são racistas sem nenhuma dúvida; de fato, o sucesso de Nigel Farage jaz no fato de ele casar o Euroceticismo com o racismo anti-migrante e em seguida usar este coquetel tóxico para arrastar os principais partidos, os convencionais, ainda mais à direita. No processo, o UKIP e seus homólogos em outros lugares sugaram parte da raiva gerada pelo sofrimento econômico causado pelo neoliberalismo e a crise e converteram esta raiva em votos.
Agora, no entanto, para muitos, há um cheiro de fascismo no ar. Não são apenas os democratas chamando Trump de fascista. Aqui é o neoconservador Robert Kagan:
É assim que o fascismo vem para a América, não com botas de cano alto e saudações fascistas (embora tenha havido saudações, e um sopro de violência), mas como um mascate da televisão, um bilionário falso, um “livro texto” (discurso) egomaníaco “tocando em” ressentimentos e inseguranças populares e com a totalidade de um partido político nacional – por ambição ou lealdade cega ao partido, ou simplesmente por medo – aderem a ele. 16
Um nazista na Casa Branca é de fato uma perspectiva assustadora. Mas o que significa “fascismo” neste contexto? É mais do que um palavrão ou uma expressão de ódio contra a demagogia racista de Trump? A política americana produziu muitos demagogos racistas – Huey Long na década de 1930, George Wallace na década de 1960. É claro que é terrível que alguém tenha conseguido vencer a presidência onde essas figuras anteriores falharam, especialmente porque ele sucede o primeiro presidente negro. Mas um fascista seria uma coisa completamente diferente.
Na tradição marxista clássica, sobretudo nos escritos de Leon Trotsky sobre a ascensão de Hitler ao poder, o fascismo significa “um tipo distinto de movimento de massas” (cito aqui a minha própria reafirmação da teoria de Trotsky):
O nacional-socialismo representou uma resposta particular às intensas contradições sociais e econômicas sofridas pela sociedade alemã no início da “Crise Geral e Guerra dos Trinta Anos do século XX” de Arno Mayer. Enquanto mobilizava seus seguidores em apoio a um projeto contrarrevolucionário – a destruição do trabalho organizado e a reabilitação do imperialismo alemão – prometeu-lhes uma visão aparentemente revolucionária de uma Volksgemeinschaft, uma utopia racial da qual tanto o conflito de classes como os povos de outras nações (os dois unidos na ideologia nazista na figura do judeu colocando alemão contra alemão) tinham sido banidos. 17
Os nazistas forjaram o que eu chamo de “uma parceria conflituosa” com o capital alemão:
Baseava-se numa limitada convergência de interesses entre os nazistas e setores do capital alemão (particularmente aqueles associados à indústria pesada) que compartilhavam objetivos comuns, notadamente a destruição da classe trabalhadora organizada e a construção de um programa imperial de expansão para o Oriente. Mesmo antes do início da Grande Depressão, os líderes da indústria pesada se revoltaram contra a república de Weimar, denunciando-a como um “estado sindical” cujo compromisso com o bem-estar social e a negociação coletiva institucionalizada impunham custos excessivamente elevados ao capitalismo alemão: a respeito disso o lock-out das indústrias de ferro e de aço de novembro de 1928 marcou um ponto de viragem. Desde a queda da Grande Coalizão, em março de 1930 em diante, a intransigência dos industriais no contexto de uma situação econômica espetacularmente em deterioração ajudou a condenar a democracia liberal na Alemanha. 18
Esta compreensão do nacional-socialismo corresponde notavelmente à definição mais ampla de fascismo oferecida por Robert O Paxton, um dos principais estudiosos da corrente dominante neste campo:
Fascismo pode ser definido como uma forma de comportamento político marcado por uma preocupação obsessiva com o declínio, humilhação ou vitimização da comunidade, e por cultos compensatórios de unidade, energia e pureza, em que um partido político de massas composto por militantes nacionalistas comprometidos, que trabalham em uma colaboração desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e persegue, com violência redentora e sem restrições éticas ou legais, os objetivos de limpeza interna e expansão externa. 19
Como essa concepção do fascismo se ajusta a Trump? O próprio Paxton observou semelhanças em ambos os temas que Trump interpreta – os estereótipos étnicos que ele usa e a maneira como ele persistentemente fala a respeito do tema “declínio nacional” dos EUA – e seu estilo político altamente personalizado e operístico. Mas Paxton destaca duas diferenças importantes. Primeiro, em nível da ideologia:
os fascistas se ofereceram como um remédio para o individualismo agressivo, que eles acreditam ter sido a fonte da derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e o declínio da Itália, o fracasso da Itália. Eles culpavam o individualismo pela a Primeira Guerra Mundial, o declínio nacional percebido, e sua solução era submeter o indivíduo aos interesses da comunidade. Trump, e os republicanos em geral, e de fato uma grande camada da sociedade americana têm celebrado o individualismo ao extremo total e absoluto. 20
Em segundo lugar, o contexto histórico em que Mussolini e Hitler triunfaram foi muito diferente:
Foi uma escolha consciente em ambos os países considerar os socialistas e os comunistas uma ameaça muito maior do que os nazistas e fascistas, e houve uma decisão consciente tomada pelos conservadores que ainda estavam no poder em trazer os fascistas e os nazistas para o sistema a fim de lutarem com maior eficiência contra a esquerda. Essa dinâmica particular obviamente não existe agora. Houve uma escolha consciente na Alemanha, no final de 1932, em usar os seguidores em massa de Hitler para esmagar a democracia social na Alemanha. A mesma estratégia [escolha] foi feita na Itália. Eu não vejo atualmente nenhuma daquela dinâmica. A velha guarda está contra Trump. Eles não estão tentando usá-lo, embora, eles possam mudar, eles podem decidir que se Trump continuar tão bem sucedido, ele poderá ser útil. 21
Este último ponto é decisivo. A Grande Depressão desenvolveu-se no contexto de uma prolongada estagnação ou declínio nos salários reais da massa da classe trabalhadora. É claro que os chefes querem forçar os padrões de vida dos trabalhadores ainda mais para baixo, a fim de restaurar a competitividade e rentabilidade. 22 Mas o enfraquecimento da organização sindical na era neoliberal significa que o movimento operário não representa o tipo de obstáculo ao avanço dos interesses capitalistas que precisa ser desmontado à força. No período entre guerras, a atração específica dos fascistas pelos grandes negócios residia no movimento de massas paramilitares que eles ofereciam para despedaçar a classe operária organizada, como dizia Trotsky, “arrasando nas suas bases todas as instituições da democracia proletária”:
No momento em que os recursos policiais e militares “normais” da ditadura burguesa, juntamente com seus anteparos parlamentares, já não são suficientes para manter a sociedade em equilíbrio, a virada ao regime fascista se aproxima. Através da agência fascista, o capitalismo põe em movimento as massas da pequena burguesia enfurecida, e bandos do lumpenproletariado desclassificado e desmoralizado; todos os incontáveis seres humanos que o próprio capital financeiro trouxe ao desespero e ao frenesi. Do fascismo, a burguesia exige um trabalho completo… E a agência fascista, utilizando a pequena burguesia como um aríete, esmagando todos os obstáculos em seu caminho, faz um trabalho completo. 23
Os chefes não apenas não estão se voltando para os fascistas para fornecer este “aríete”, como também não há nenhum movimento de massa fascista – o que Paxton chama de “um partido de massa de comprometidos militantes nacionalistas” – capaz de desempenhar esse papel nos Estados Unidos. Trump conquistou a presidência ao ganhar a candidatura de um dos dois principais partidos burgueses. Que ele tenha conseguido fazê-lo apesar da oposição do establishment republicano é um sintoma de um dos fenômenos típicos do neoliberalismo, o enfraquecimento geral das organizações políticas estruturadas. Em vez de construir um novo partido, ele explorou a decadência dos antigos.
A ascensão do alt-right (direita alternativa) é um processo extremamente repulsivo. Mas precisamos obter sua dimensão. São racistas, elitistas, isolacionistas e protecionistas. Dois deles, Allum Bokhari e Milo Yiannopoulos, expressam o que chamam uma cosmovisão “conservadora natural” como:
uma preferência pela homogeneidade sobre a diversidade, pela estabilidade sobre a mudança, e pela hierarquia e ordem sobre o igualitarismo radical … Um republicano do establishment, com sua crença predominante na glória do livre mercado, poderia ser mobilizado a derrubar uma catedral e substituí-la por uma Shopping Center se isto fizer sentido economicamente. Tal ato horrorizaria um conservador natural. A política de imigração segue um padrão semelhante: pelos números, trabalhadores estrangeiros com baixos salários com vistos H1B fazem sentido economicamente, de forma perfeita. Mas os conservadores naturais têm outras preocupações: principalmente, a preservação de sua própria tribo e sua cultura. 24
Da mesma forma, o historiador Paul Gottfried, que foi chamado de o “arquiteto” do alt-right – (direita alternativa), procurou distanciar esta corrente do fascismo clássico: “Como fenômeno histórico, o fascismo não tem nada a ver com a defesa de uma política externa isolacionista, tentando restringir a imigração do Terceiro Mundo ou favorecer uma distribuição de renda significativa para alcançar maior igualdade social”. 25 A lista de políticas implicitamente favorecida por Gottfried sublinha a distância da alt-right – (direita alternativa), dos neoconservadores tão influentes na administração de George W. Bush. Muitos deles renegados do Partido Democrata, os neoconservadores são, por assim dizer, universalistas imperialistas. Em outras palavras, argumentavam que a validade universal dos valores democráticos americanos justificava o uso do poder militar do Pentágono para forçar a propagação do modelo norte-americano de capitalismo neoliberal. 26 Mas a alt-right – (direita alternativa), geralmente se opõe a aventuras militares estrangeiras, criticam os efeitos das políticas econômicas neoliberais sobre os empregos e padrões de vida norte-americanos e rejeitam o universalismo. Como Bokhari e Yiannopoulos afirmam, “os intelectuais da alt-right também argumentariam que a cultura é inseparável da raça. Os alt-right acreditam que algum grau de separação entre os povos é necessário para que uma cultura seja preservada”. 27 Como tantas vezes no racismo pós-1960, “cultura” é um marcador para a raça. Daí os alt-right serem ferozmente opostos à compreensão mais multicultural da identidade americana simbolizada por Barack Obama e sua presidência.
Isso é realmente uma coisa muito sórdida: tirou força do movimento antirracista e ajudou a legitimar a hostilidade racista a Obama implícita na campanha “birther” que Trump liderou e em elementos do movimento Tea Party. O ambiente político resultante é aquele onde as ideias abertamente fascistas podem ser articuladas. O notório discurso (recebido com saudações nazistas) pelo ex-protegido de Gottfried, Richard Spencer, ao seu Instituto Nacional de Política em 19 de novembro – “Hail Trump! Salve nosso povo! Salve a nossa vitória! – é um excelente exemplo”. Ele disse a um entrevistador: “Acho que talvez precisemos de um pouco mais de caos em nossa política, talvez precisemos de um pouco desse espírito fascista em nossa política”. 28
Até agora, no entanto, performances como as de Spencer se parecem mais a de Nazistas requintados do que qualquer coisa semelhante a um movimento fascista organizado. Sua plateia em 19 de novembro parecia ser mais de nerds do que de storm-troopers. Os nazistas organizados nos EUA permanecem como grupelhos dispersos. Mas isso não é motivo para complacência. Os gostos de Spencer e do Breitbart Notícias têm uma gigantesca presença on-line. Não se deve permitir que as ideias nazistas se tornem respeitáveis. Aqueles que se expressam ou até mesmo se engajam com eles devem ser objeto do que Herbert Marcuse chamou de “intolerância libertadora”. A eleição de um racista como presidente dos Estados Unidos, e as figuras mais à direita que ele traz em sua comitiva encorajam todos os racistas, todos os policiais brancos que atiram desavisadamente em supostos suspeitos negros, todos os milicianos brancos nos EUA. Em condições mais agravadas, isso pode ajudar a promover o desenvolvimento de movimentos fascistas reais. E estes já existem na Europa – geralmente sob o disfarce de partidos tradicionais supostamente mais racistas populistas, que têm núcleos fascistas (por exemplo, a Frente Nacional na França e Jobbik na Hungria), mas às vezes em forma muito mais aberta (acima de tudo Chrysi Avgi – Aurora Dourada – na Grécia).
A ameaça mais imediata nos EUA de uma presidência de Trump é o reforço de tendências existentes – o racismo de Estado desafiado pelo movimento Black Lives Matter (A vida do povo negro importa) – e os mecanismos de vigilância, repressão e execução por drones que a “guerra contra o terror” permitiu que Bush e Obama construíssem. Sob ambos, o poder do chamado “estado de segurança nacional” continuou a crescer. Michael J Glennon (baseado em uma ideia do escritor liberal do século XIX Walter Bagehot) argumenta que:
o poder nos Estados Unidos estava inicialmente inserido em um conjunto de instituições – a Presidência, o Congresso e os Tribunais. Estas são as instituições “dignas” da América. Mais tarde, no entanto, uma segunda instituição surgiu para salvaguardar a segurança do país. Esta, a instituição “eficiente” dos Estados Unidos (na verdade… mais uma rede do que uma instituição), consiste em várias centenas de funcionários executivos que estão alocados acima dos departamentos militares, de inteligência, diplomacia e de aplicação da lei e de agências que têm como missão a proteção interna e externa da América… Em suma, os Estados Unidos passaram de uma mera presidência imperial para um sistema bifurcado – uma estrutura de duplo governo – em que até mesmo o presidente exerce pouco controle substancial sobre a direção geral da política de segurança nacional dos EUA. 29
A existência desta rede deve proporcionar alguma tranquilidade à classe dominante americana, na medida em que poderia pôr em curto-circuito as tentativas de Trump de se envolver em aventuras na política externa. Mas a evidência da história é equívoca. No auge da crise de Watergate em outubro de 1973, altos funcionários de segurança nacional ignoraram um presidente bêbado, Richard Nixon, ao lidar com um confronto potencial com a URSS sobre a guerra árabe-israelense. 30 Mas Nixon realmente mudou a direção da política externa dos EUA quando entrou na Casa Branca, em particular através da decisão de cercar a União Soviética através de uma abertura para a China de Mao. Antes dele, John F Kennedy desconsiderou o conselho do Pentágono de montar um ataque militar contra Cuba em outubro de 1962 e, em vez disso, fez um acordo secreto com o líder soviético, Nikita Khrushchev, para que os mísseis nucleares russos fossem removidos imediatamente da ilha enquanto os mísseis americanos na Turquia seriam retirados mais tarde. 31 E Obama bloqueou solidamente as pressões do establishment da segurança nacional dos EUA para intervir militarmente na guerra civil síria.
Assim, embora o poder institucional do que Glennon chama a “rede Trumanita” (porque foi criada no final dos anos 1940 na administração do presidente Harry S Truman) seja inegável, quem quer que ocupe a Casa Branca faz a diferença para a direção da política dos EUA. Qualquer administração enfrenta as restrições internas impostas por esta rede (e a burocracia de Washington de modo mais geral) e as restrições externas decorrentes do Congresso e dos governos estaduais, a agora altamente diversificada mídia, os bancos e corporações dos EUA e sua ampla ala de lobby e os mercados financeiros. Juntas, esta confluência de forças pressiona fortemente a favor da manutenção do status quo – uma ordem internacional capitalista liberal liderada pelo imperialismo dos EUA e apoiada pelo seu poder militar.
Trump ganhou a presidência fazendo campanha contra esta ordem. Um colunista do Financial Times observa com tristeza:
Seria difícil exagerar o significado histórico da eleição de Trump. A ordem internacional liderada pelos Estados Unidos como sabíamos por 70 anos, acabou. A era da política do grande poder está de volta. Uma Rússia efervescente, liderada pelo poderoso Putin, e uma China cada vez mais confiante, liderada por um homem forte, Xi Jinping, lidará com uma América ferida liderada por um homem forte, Trump. 32
De fato, “a ordem internacional norte-americana” é uma forma de “política de grande poder”, destinada a manter a hegemonia do capitalismo americano. Essa hegemonia realmente “acabou”? Não: está sob pressão devido ao declínio econômico relativo dos EUA, mas isso tem sido verdade há algum tempo. A Rússia é consideravelmente mais fraca do que era nos dias da União Soviética e o fato de que o governo chinês estar fazendo esforços cada vez mais árduos para conter a saída de capital e evitar o declínio do renminbi (o oposto do que Trump a acusa) dificilmente sugere que tudo está bem em Pequim. Que diferença Trump fará realmente? Em primeiro lugar, a sua vontade será certamente uma presidência mais autoritária, disposta a usar os poderes constitucionais extras do aparelho de segurança nacional com ainda menos inibição do que Bush e Obama. O fato de ele estar preenchendo seu gabinete com militares é uma indicação disso. Sua posição é ainda mais forte porque os Republicanos controlam as duas casas do Congresso. As divisões que surgiram (não pela primeira vez) entre a CIA e o FBI sobre a eleição provavelmente funcionarão a seu favor.
Em segundo lugar, é muito menos claro o quanto representará uma ruptura de Trump com o neoliberalismo, como observa Paxton. Trump tem como alvo um dos principais pilares da globalização neoliberal, a liberalização do comércio. A Parceria Trans-Pacífico (TPP, em sua sigla em inglês), que Trump prometeu denunciar em seu primeiro dia no cargo, foi construída meticulosamente por Obama para restringir a China. Trata-se, portanto, de um retrocesso geopolítico, bem como de um golpe aos interesses das corporações transnacionais dos EUA. O acordo de contrapartida com a União Europeia, a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, em sua sigla em inglês), que já estava com problemas, parece agora estar sem nenhuma chance de sucesso.
Mas o comércio global já está desacelerando abruptamente desde a crise financeira, por isso não está claro como esses acordos são vitais, de um ponto de vista estritamente econômico. As outras políticas de Trump – cortar impostos dos ricos, conceder incentivos fiscais às corporações dos EUA para repatriar os enormes lucros que elas têm mantido no exterior, impulsionando o investimento em infraestrutura, relaxando a regulamentação bancária – estão sendo comemoradas em Wall Street. Grandes setores de negócios americanos parecem estar esperando o tipo de impulso para a economia privada que eles associam com a presidência de Ronald Reagan na década de 1980. Há muita esperança aqui – a recuperação econômica dos EUA sob Reagan dependia fortemente de uma combinação de repressão salarial, do keynesianismo militar e taxas de juros decrescentes que estimularam a primeira de uma série de bolhas financeiras que levaram o capitalismo americano até a crise. Mas a queda dos preços dos títulos e os pronunciamentos da política do Conselho da Reserva Federal sugerem que as taxas de juros começarão a subir. Isto, junto com o fortalecimento do dólar, poderia travar o crescimento, embora outra bolha seja possível. Nada disso vai melhorar radicalmente a situação dos 50 por cento da base da pirâmide social, cuja renda real não aumentou desde que Reagan foi eleito.
O quadro é igualmente incerto, finalmente, no domínio da política externa. Trump pode agradar a Putin, mas já há muitas vozes nas classes dirigentes ocidentais argumentando que a política Obama-UE de isolar a Rússia foi um erro. A China é uma proposta diferente. A decisão de Trump de receber um telefonema do presidente taiwanês Tsai Ing-wen, de acordo com o Washington Post, não foi uma gafe: “A comunicação histórica – a primeira entre os líderes dos Estados Unidos e Taiwan desde 1979 – foi o produto de meses de silenciosas preparações e deliberações entre os conselheiros de Trump sobre uma nova estratégia de engajamento com Taiwan”. 33 Mais uma vez, isso retorna às profundezas na história republicana: Reagan e outros à direita criticaram a decisão do presidente Jimmy Carter em 1979 de abrir relações formais com a República Popular da China e deixar de reconhecer Taiwan. Eles viram essa política de “Uma China” como uma traição de um aliado da Guerra Fria. Mas, como os tweets subsequentes de Trump deixaram claro, a conversa também foi uma mensagem para Pequim, que afirma que Taiwan faz parte da China e deixou claro que iria à guerra para impedir que a ilha se tornasse independente (o Partido Progressista Democrático de Tsai apoiou historicamente a independência). Trump posteriormente disse à Fox News: “Eu não sei por que temos que ficar presos a uma política de “Uma China”, a menos que façamos um acordo com a China referindo-se a outras coisas, incluindo o comércio”.
O episódio sugere uma linha mais dura em relação à China, embora a forma como este episódio se relaciona ao famoso “pivô” de Obama em relação à Ásia, que já procurou conter Pequim, ainda está para ser visto. No geral, a presidência de Trump parece destinada a ser uma administração republicana de extrema-direita em vez de uma ruptura com as normas da política burguesa nos EUA. Os executivos de empresas que, ao lado dos ex-generais, estão sendo alinhados para cargos no gabinete, liderados por Rex Tillerson, o presidente da ExxonMobil indicado como secretário de Estado, sugerem igualmente que a presidência do Trump estará menos inapropriada aos interesses do capital do que alguns dos seus pronunciamentos de campanha sugeriram. Sua administração ainda é uma péssima notícia para os trabalhadores comuns e especialmente para as pessoas de cor. Isso reduzirá o escopo já limitado para a democracia nos EUA, tornará mais provável o início do caos climático e estimulará os racistas e fascistas em todos os lugares.
A luta que se seguirá
Qualquer resposta da esquerda radical e revolucionária depende, em última análise, de nossa capacidade de oferecer às vítimas do neoliberalismo uma alternativa convincente, democrática e progressista. Mas existe um perigo real de nossas divisões ficarem pelo caminho. Primeiro, o referendo de Brexit e, em seguida, as eleições americanas dividiram amargamente as atitudes da esquerda sobre a UE e logo em seguida sobre se Clinton representava o “mal menor” em relação a Trump. Aqueles da esquerda que votaram no “Sair” e se recusaram a votar em Clinton foram duramente atacados por capitularem ao racismo (e, no caso dos EUA, ao sexismo também).
Esses tipos de ataques são duplamente problemáticos. No primeiro caso, eles são falsos e injustos. O Partido Socialista dos Trabalhadores, que apoiou a campanha do Lexit durante o referendo, tem estado durante muitos anos na vanguarda do enfrentamento ao racismo e ao fascismo no Reino Unido. Nos Estados Unidos existe um poderoso argumento para emancipar a esquerda da hegemonia do Partido Democrata, cujo apoio ao neoliberalismo e a subserviência aos bancos e corporações foi particularmente evidente na campanha de Clinton.
Mas, em segundo lugar, há o perigo de que essas divisões signifiquem a impossibilidade de a esquerda usar uma linguagem comum para articular as diferenças e (mais importante) os nossos acordos. Assim, para alguns na esquerda britânica, o projeto utópico de reverter o resultado do referendo tornou-se sua principal preocupação. Isso é problemático porque pode alinhá-los com aqueles interesses capitalistas interessados ao mínimo em fazer o Brexit tão suave quanto possível para suas próprias razões e interesses. Mas também pode levar a uma postura cada vez mais apologética em relação à própria UE – por exemplo, defender o Mercado Único Europeu, apesar do fato de que ele tem sido um dos principais mecanismos que conduzem o neoliberalismo à economia política da UE e dos seus Estados-Membros. 34
Não há absolutamente nenhum sinal de que a UE vá mudar suas posições. O recente Acordo Econômico e Comercial Abrangente com o Canadá (CETA, na sigla em inglês) quase naufragou por causa da mesma disposição dos painéis de investidores, dando às empresas transnacionais o poder de processar os governos que têm levado a tal oposição, tanto à Parceria de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em inglês) quanto à Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês). E a ideia de que a chanceler alemã Angela Merkel se tornou campeã dos valores liberais tradicionais morreu quando ela lançou sua campanha para as eleições federais do próximo ano ao anunciar que ela apoia a proibição da burka.
A maneira óbvia através da qual a esquerda radical pode se re-unir apesar de suas diferenças, é através da construção de movimentos contra o racismo e contra a Islamofobia. No Reino Unido o ‘Stand Up to Racism’ – (‘Levante-se Contra o Racismo’) está se tornando cada vez mais importante. Estrategicamente, a questão da liberdade de circulação na Europa é central. É o espinho na garganta da classe dominante britânica à medida que ela enfrenta a existência do Brexit. Tanto os conservadores como a direita trabalhista interpretam o resultado do referendo como a rejeição do direito dos cidadãos da UE de circular e trabalhar livremente no Reino Unido. Theresa May procurou reunificar seu partido e recuperar o terreno eleitoral perdido para o UKIP (Partido de Independência do Reino Unido) pregando esta rejeição a seu mastro na conferência do partido Conservador (Tory) em outubro. Os mercados financeiros imediatamente a derrubaram, provocando a queda da libra esterlina para um valor ainda mais do que já havia caído. A razão é simples. A UE deixou claro que, sem manter a liberdade de circulação dos cidadãos da UE, o Reino Unido não pode permanecer no Mercado Comum e os bancos e as empresas com sede no Reino Unido estão desesperados por permanecer no Mercado Comum.
Ao longo das tortuosas negociações do Brexit, que começarão na primavera britânica, essa contradição será dominante, à medida que a elite política britânica se contorcer e voltar-se à capitulação ao racismo e à manutenção da paz para o capital. A demonstração de força de May em assumir o cargo agora parece muito vazia, na medida em que seu governo fratura-se publicamente. Isto torna a liberdade de circulação dentro da Europa uma questão-chave em torno da qual a esquerda radical pode se reunificar independentemente de como votaram no referendo. Tal como está, milhões de trabalhadores no Reino Unido perderão os seus direitos existentes e (de acordo com o Secretário de Assuntos Internos e Migração, Amber Rudd) serão obrigados a levar documentos de identidade especiais porque eles vêm de outras partes da UE. Isso enfraquecerá toda a classe trabalhadora no Reino Unido. Felizmente, há dois políticos defendendo a liberdade de movimento contra a enorme pressão da mídia conservadora e da direita trabalhista. Eles são o líder do Partido Trabalhista e o Ministro do Interior, Jeremy Corbyn e Diane Abbott. Lutar pela liberdade de movimento como parte de uma campanha antirracista mais ampla é, portanto, uma forma de se fortalecer contra a direita. Mas, qualquer que seja o alinhamento político, isto seria necessário de qualquer maneira.
O desafio aqui no Reino Unido, no resto da Europa e nos Estados Unidos, é construir movimentos de massa antirracistas amplos e unidos que possam afastar os gostos de Trump e May, Farage e Le Pen. A chegada de um aventureiro de direita à frente da principal potência imperialista não é bem-vinda. Mas o poder de Trump pode ser quebrado através do tipo de combinação de pressões externas vindas de cima, divisões internas vindas de dentro, e resistências massivas vindas de baixo, que têm removido muitos indivíduos de sua laia diante dele. As manifestações gigantes em Seul que forçaram a Assembleia Nacional da Coreia do Sul a impedir outro presidente da direita, Park Geun-hye, sublinham como a arrogância pode ser rapidamente transformada em inimizade.
Alex Callinicos é professor de Estudos Europeus no King’s College London e editor do International Socialism
Notas
1 Derrida, 1984. O título de meu artigo foi tomado de empréstimo de um romance de Anthony Burgess, publicado ao mesmo tempo que o de Derria, próximo ao momento mais perigoso da Segunda Guerra Fria—Burgess, 1983.
2 Callinicos, 2015 and 2016.
3 Cetrulo, 2016.
4 Kirchgaessner, 2016.
5 Newell, 2016.
6 Roberts, 2016.
7 Piketty, Saez and Zucman, 2016.
8 Corlett, Finch, Gardiner and Whittaker, 2016, p17.
9 https://twitter.com/adam_tooze/status/802491789936574464/photo/1
10 Kimber, 2016.
11 Kilibarda and Roithmayr, 2016.
12 Economist, 2016.
13 Romei, 2016.
14 D’Eramo, 2013.
15 Laclau, 2005.
16 Kagan, 2016.
17 Callinicos, 2001, developing the arguments in Trotsky, 1971.
18 Callinicos, 2001.
19 Paxton, 2004, p218.
20 Paxton interviewed in Chotiner, 2016.
21 Chotiner, 2016.
22 See, for the case of Europe, Pradella, 2015.
23 Trotsky, 1971, pp159 and 155.
24 Bokhari and Yiannopoulous, 2016.
25 Gottfried, 2016, Kindle loc 90. Ver também o interessante perfil de Gottfried em Siegel, 2016. O livro de Gottfried é uma coletânea de ensaios eruditos que procura diferenciar o “radicalismo” do nazismo do “fascismo genérico”, que ele iguala principalmente ao fascismo italiano. O retrato relativamente simpatico do ultimo indica o propósito apologético de Gottfried, apesar que ele afirme que o momento do fascismo passou.
26 Callinicos, 2003, and Mann, 2004.
27 Bokhari and Yiannopolous, 2016.
28 Siegel, 2016.
29 Glennon, 2014, pp6-7.
30 Dallek, 2007, pp529-332.
31 Freedman, 2000, part III.
32 Luce, 2016.
33 Gearen, Drucker and Denyer, 2016.
34 Socialist Worker, 2016.
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