Por Waldo Mermelstein, São Paulo (SP)
Depois do sombrio e agressivo discurso de ontem, o governo Trump prepara seu ataque. A primeira mudança, de caráter mais declaratório, mas já com poder oficial, foi no site da Casa Branca, que reproduz as suas prioridades antes anunciadas. Vale a pena verificar quais são. Omitimos as repetições nos vários pontos.
- A política energética acentuará a opção pela exploração das reservas locais, em particular o óleo e o gás de xisto e procurará eliminar os limites e a regulamentação ambientais “prejudiciais e desnecessárias”, como o Plano de Ação Climática, peça central, ainda que insuficiente, de proteção ambiental. Além disso, irá estimular a produção de carvão, talvez a mais poluidora das fontes de energia. Este ponto confirma o brutal retrocesso perante os modestos passos dados pelo país até agora, mesmo sendo o principal poluidor do mundo, do ponto de vista histórico e como principal potência mundial. Nada surpreendente também de um governo que colocou um presidente de uma das maiores empresas de petróleo do mundo (a Exon), Rex Tillerson, no posto fundamental de Secretário de Estado.
- A política externa anunciada augura novas agressões militares e será guiada pela luta em nível mundial contra o auto-denominado Estado Islâmico, sua propaganda e seu recrutamento. E seu caráter belicoso mais claro neste aspecto é a promessa de recompor a suposta diminuição da força militar americana, explicitada pela redução no número de aviões e navios de guerra, para que a dominação dos EUA seja inquestionável. Em base a isso, espera ter amigos e aliados.
Seguindo o já anunciado, irá privilegiar os interesses americanos e abandonar os acordos globais em negociação como o TPP(Parceria Trans-Pacífico) e renegociar o NAFTA, o acordo de livre comércio da América do Norte (e no limite abandoná-lo se não o conseguir). Reafirma o ataque aos países que violam acordos comerciais e prejudicam os americanos e utilizará todos meios comerciais à disposição contra tais países. - A política de cortes de impostos, em particular do imposto sobre as empresas e a desregulamentação da economia irão supostamente gerar 25 milhões de empregos e retornar ao crescimento de 4% em uma década. Reitera que adotará uma linha dura contra os países que tenham práticas ilegais ou injustas contra os EUA.
Talvez seja este o ponto mais festejado pelo grande capital, em especial em Wall Street. Não gerará nem uma fração desses postos de trabalho e os que o forem serão com os padrões precarizados e rebaixados como em todo o mundo, mas será uma fonte de maiores lucros para as grandes corporações. - Outra diretiva prevê a reconstrução das forças armadas americanas, o que incluirá um novo orçamento para a Defesa que garanta que nenhuma outra nação ultrapasse a capacidade militar americana. E também um sistema de mísseis contra supostas ameaças iranianas e da Coreia do Norte, assim como defesas contra ciberataques.
Uma nova carreira armamentista é o que anuncia este item. Os EUA já gastam cerca de 600 bilhões de dólares por ano com suas Forças Armadas, muito mais do que todos os demais poderosos países no mundo e esta diretiva significa ainda mais, com o detalhe do desenvolvimento de um novo sistema de mísseis, obviamente nucleares. Esse item justifica questionar se não estamos frente ao anúncio de um novo período de ainda maior militarismo americano. - O último ponto é outro destaque de sua agenda direitista e pode se resumir no que está escrito nas mencionadas diretivas: o clássico Lei e Ordem. Ameaças aos saqueadores, desordeiros e agitadores, forma tradicional dos órgãos repressivos quando se referem aos que se manifestam e são reprimidos violentamente. Em especial, entre as minorias, em particular os negros e negras. Reafirmação do plano de construir um muro na fronteira com o México para acabar com a imigração ilegal, ligando-a de forma discriminatória ao tráfico de drogas, gangues e violência. Ao mesmo tempo, propõe terminar com as centenas das chamadas cidades santuários, como Los Angeles, que formal ou informalmente protegem os imigrantes ilegais e não denunciam sua presença aos agentes federais. E termina reafirmando sua promessa de deportar os imigrantes ilegais com registros criminais, uma fórmula que permite expulsar milhões.
Notáveis também foram as exclusões das seções sobre LGBTs, direitos civis e aquecimento global da página do governo americano.
Além dessas declarações de intenções, agora oficiais, ontem mesmo Trump assinou um decreto relativo ao chamado Obamacare. Recordemos que este foi instituído por uma reforma no sistema de saúde, que exigia que todos tivessem um plano de saúde (privado), com subsídios estatais. Não é um sistema público, como seria o correto para não seguir colocando a saúde nas mãos das seguradoras privadas, mas atende a 18 milhões de pessoas. Isso inclui as que têm enfermidades pré-existentes, o que não era aceito pelas seguradoras anteriormente. E os Republicanos estão se preparando para revogá-lo. O texto diz explicitamente que enquanto negocia sua anulação pelo Congresso e sua substituição por alguma outra alternativa, orienta as agências governamentais a alterar, atrasar ou mesmo renunciar àqueles aspectos do plano que se mostrem muito custosos. Tudo “no limite da lei”, é claro. Uma linguagem vaga, que permitirá negar os benefícios e desmontar a lei antes de formalmente revogá-la. E esse enfoque de cortes poderá, segundo o New York Times, ser estendido, ao Medicaid, que provê assistência à saúde para 70 milhões de americanos e americanas de baixa renda
Segundo as informações jornalísticas, como as da rede Al Jazeera em sua transmissão da manifestação de hoje em Washington, a equipe de Trump promete um grande número de ações já a partir de segunda-feira(um “tsunami”, segundo a rede televisiva do Qatar). Pelo programa do candidato, pelo gabinete que nomeou, cheio de bilionários e direitistas extremados, pelas diretrizes acima descritas no site da Casa Branca, pode se esperar muitas mudanças para muito pior. A esperança é o número e a força das manifestações realizadas neste sábado nos EUA (com importante atos em muitas capitais do mundo, em particular em Londres e Paris).
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