por Jenny Brown e Erin Mahoney
tradução de Jéssica Guimarães
Publicado originalmente na revista Jacobin em 11.1.17
Jenny Brown é membro do Movimento de Libertação das Mulheres e ex-editora do Labor Notes. Ela é coautora do livro do grupo Redstockings[1], Libertação das Mulheres e Assistência Médica Nacional: Confrontando o Mito da América (Women’s Liberation and National Health Care: Confronting the Myth of America).
Erin Mahoney é membro do Movimento de Libertação das Mulheres e dirigente sindical na cidade de Nova York.
Centenas de milhares de mulheres planejam se manifestar na capital, Washington, um dia após o início do mandato de Donald Trump, protestando, entre outras coisas, contra a sua misoginia grosseira, seu histórico de agressões sexuais e suas propostas de cortes nos serviços públicos. Juntamente com esse protesto, o Movimento de Libertação das Mulheres (NWL, em sua sigla em inglês) convocou as mulheres de todo o país para fazer uma greve, paralisando todos os trabalhos, pagos ou não pagos, em 20 e 21 de janeiro.
“A nova administração está prometendo cortar, enfraquecer, privatizar ou eliminar todo contrato social desde as escolas pública até o Medicare[2] e a Seguridade Social. Eles esperam que a “família” (leia-se as mulheres) preencha essas lacunas e resolva a situação. Não, não vamos fazer isso. Essa greve é um aviso. Nosso trabalho não pode mais ser dado como certo”, declarou o grupo.
Mulheres de todo o país estão comprometendo-se a parar de trabalhar e compartilhando seus motivos no site sobre a greve. Algumas apontam para questões decididamente feministas – a diferença de salários em relação aos homens e o trabalho reprodutivo não compensado como criação dos filhos e serviços domésticos – enquanto outras falam sobre os problemas que não são geralmente considerados feministas – o sistema de assistência à saúde, a estagnação salarial e a desigualdade de renda. A greve mostra como as feministas e o movimento dos trabalhadores podem trabalhar juntos nos próximos quatro anos para lutar por condições de trabalho e vida melhores para todos.
Erin Mahoney, membro do NWL e dirigente sindical na cidade de Nova York, recentemente entrevistou a organizadora do NWL Jenny Brown sobre a greve.
Já existem manifestações planejadas na capital. Por que chamar uma greve das mulheres?
A ideia da greve surgiu por causa do nosso reconhecimento de que é o trabalho das mulheres, tanto pago quanto não pago, que torna tudo possível – e ainda fomos retratadas pelo novo presidente como alvos apropriados para agressão e assédio e chamadas de mentirosas quando relatar o abuso. No mundo ideal de Trump, as mulheres são limitadas a papeis como empregadas, enfeites e brinquedos sexuais. Mas quando assumimos papeis de jornalistas ou políticas somos atacadas pelo simples fato de lá estarmos.
No entanto esses supremacistas masculinos necessitam de nossa cooperação – sem o trabalho das mulheres tudo para. Uma das que apoiam a ação chamada escreveu: “deixem que as mulheres saibamos como como vocês podem fazer isso sem nossa contribuição para família e para a sociedade. ”
A greve é também para as mulheres que não podem ir até a capital – elas podem se manifestar em suas cidades ou demonstrar sua objeção de outras formas – até aquelas que não podem tirar folga do trabalho. Uma mulher de Massachusetts escreveu: “Espero que eu possa tirar folga do meu trabalho, se eu não puder, me recusarei a tolerar qualquer besteira de meus clientes masculinos. Não usarei maquiagem e não vou guardar meus pensamentos só para mim. ”
Juntamente com a supressão de ataques racistas e machistas, a greve tem foco na assistência à saúde nacional, na liberdade de reprodução, na atenção às crianças, em um salário mínimo de U$ 15 por hora, na licença familiar remunerada e na defesa da Segurança Social. Por que essas demandas em particular?
Todo o programa que se espera que a nova administração imponha – desde os ataques ao aborto e ao controle de natalidade até a destruição do Medicare, da Seguridade Social e das escolas públicas – baseia-se em que as mulheres façam mais trabalho de graça. Ao invés de apresentar programas como a atenção universal à infância que tornaria muito mais fácil a vida das crianças, eles se certificarão que nós não tenhamos escolha a não ser ter filhos diminuindo nossos direitos reprodutivos; e teremos que pagar por isso sempre o que significa mais horários malucos, menos período de sono e mais exaustão.
Como tudo relacionado à assistência à saúde e à atenção aos idosos se tornou mais caro, acabamos realizando muito dos cuidados em casa, quando nossos membros da família ou amigos são dados de alto mais rápido e em piores condições dos hospitais para economizar o dinheiro das empresas de seguros de saúde. O trabalho dos cuidados não pagos recai sobre as mulheres. Pode apostar que veremos muito disso se o novo Congresso conseguir o que quer.
As escolas públicas são as maiores áreas na vida dos EUA onde existe um reconhecimento de que criar uma criança é um trabalho vital que torna a sociedade possível e que deveria ser recompensado. No entanto, os cortes e mais cortes têm dizimado nossas escolas e exigido mais e mais tanto dos professores quanto dos pais. Os pais já complementam as escolas ao se voluntariar nas salas de aula e arrecadar dinheiro, mas os privatizadores de escolas gostariam que nós fizéssemos ainda mais: eles estão até mesmo promovendo escolas virtuais e educação escolar em casa.
E sobre igualdade de remuneração?
As mulheres precisam de remuneração igualitária e muitas apoiadoras da greve mencionaram o pagamento injusto em seus comentários. O pagamento das mulheres está mais próximo do pagamento dos homens, mas boa parte disso é porque o pagamento dos homens está diminuindo! Os trabalhadores americanos dobraram a sua produtividade, mas todos os ganhos tem ido para o 1% mais rico. Se o salário mínimo de 1968 tivesse incorporado o aumento da produtividade, seria entre U$ 16 e U$ 22 por hora agora.
Precisamos que mais daquela produtividade vá para o nosso pagamento e a primeira coisa a se fazer é aumentar o piso para U$ 15 por hora. Isso aumentaria diretamente o pagamento em cerca de 40% para os trabalhadores nos Estados Unidos, a maioria das quais são mulheres. Por isso que o movimento feminista e o movimento dos trabalhadores deveriam estar se manifestando juntos. O único lugar no qual o pagamento igualitário para homens e mulheres é aplicado é naqueles contratos negociados pelos sindicatos. É assim que as mulheres conseguiram pagamento igualitário, onde o conseguimos. Certamente, alguns empregadores públicos podem ter transformado isso em uma política, mas somente quando os sindicatos tomaram a dianteira e fizeram disso uma realidade.
Você falou sobre avançar do “salário família” para o “salário social”? O que é isso?
Quando o movimento laboral exigia um “salário família” na virada do século passado, eles pediam para os empregadores pagá-los o suficiente para sustentar uma família – o suficiente para sustentar o marido, a esposa e os filhos com a remuneração. Isso era machista, mas pelo menos um salário família significava que os patrões pagavam para criar a próxima geração de trabalhadores.
Mas agora ambas os cônjuges trabalham e o cuidado com a família e a manutenção estão sendo comprimidos no pouco tempo disponível depois do trabalho. Então, os empregadores deixaram de pagar a manutenção e reprodução de sua força de trabalho e eles colocaram esse trabalho e essas despesas nas nossas costas.
Em outros países, com movimentos laborais mais fortes, a solução foi a de forçar os empregadores a pagar para alguém fazer o trabalho da família. Cinquenta países proveem seis meses ou mais de licença maternidade ou paternidade pagas, enquanto as leis americanas não proveem licença alguma. Além disso, eles atenção gratuita ou fortemente subsidiada à infância e os sistemas de assistência à saúde nacionais fornecem assistência que nos Estados Unidos os trabalhadores devem adquirir.
Além disso, eles têm longas férias pagas, semanas de trabalho mais curtas, seguro desemprego que não se esgota rapidamente e faculdades gratuitas. Todas essas coisas exigem um movimento laboral forte e geralmente um partido laborista porque os empregadores não querem pagar por essas coisas. Empregadores preferem não pagar as pessoas para ficarem em casa e cuidar de seus filhos. No entanto, em outros países eles têm sido forçados a isso por uma combinação de movimentos feminista e trabalhista.
Então esse é o salário social, coisas que se consegue que não estão relacionadas à situação de emprego, de idade, de renda ou de estado civil. Como as Redstockings apontam, esses programas impulsionam a igualdade das mulheres porque eles são independentes das relações familiares e do casamento. Eles também são independentes dos empregos – quando as mulheres dependem dos empregadores para a sobrevivência básica, isso aumenta o efeito de discriminação no trabalho.
Nos Estados Unidos, nós nem sabemos o que estamos perdendo porque estamos constantemente ouvindo que vivemos no país mais rico do mundo, como se ter pessoas ricas no nosso país tornasse todos melhores. Ao contrário, é claro, porque eles enriquecem nos pagando salários baixos e eludindo o pagamento de impostos. A família Walton tem mais riqueza do que todos os 40% americanos mais pobres juntos e isso se dá pelo fato de pagarem tão pouco pela força de trabalho, eles não pagam benefícios adicionais e não é exigido deles que paguem muitos impostos.
Como tudo isso tem relação com o machismo diário enfrentado pelas mulheres? O Movimento de Libertação das Mulheres tem atacado propagandas machistas com adesivos “Isso oprime as mulheres”, por exemplo.
Existe muito foco no comportamento machista individual dos homens, mas não tanto foco no que torna isso possível. Acreditamos que isso se estrutura dentro das relações de poder econômico da nossa sociedade, então precisamos mudar as estruturas que permitem que isso se desenvolva.
O pagamento desigual e a discriminação no trabalho são áreas obvias – se um homem ganha mais que uma mulher, ele quase automaticamente pensa que vale mais e que seu tempo vale mais. Ele também controla uma parte maior da renda familiar. Se ela não ganha o suficiente para viver sozinha, torna-se dependente do parceiro ou dos pais.
Os empregadores obviamente se beneficiam do fato de as mulheres receberem menos porque ganham bilhões, uma estimativa atual é de U$500 bilhões por ano apenas da discriminação de pagamento.
E os anunciantes alimentam o senso de superioridade masculina ao usar os corpos das mulheres para vender tudo, criando padrões irreais de beleza e sugerindo que mulheres deveriam estar sorrindo constantemente, vestindo roupas íntimas e estar disponíveis para o sexo. Tocamos num ponto delicado quando sugerimos lutar contra os “sorrisos falsos”. Centenas de mulheres mencionaram isso em específico. Isso é muito profundo, uma mulher escreveu que, além de outras coisas, ela lutaria contra “sorrisos falsos e falso contentamento”. As mulheres nem sequer devem demonstrar descontentamento.
Um ponto destacado para o movimento feminista americano é que nós tivemos mais sucesso em conseguir que os homens dividam as tarefas domésticas e a criação dos filhos do que em outros países com salários sociais melhores. No entanto o problema é que um casal que trabalha e tem filhos, não tem muito tempo disponível para lutar, ambos estão sobrecarregados e sem tempo. Uma mulher com uma criança de quatro anos disse “A vida frequentemente parece árdua e fatigante. ” Ela chama isso de “esmagador”. Isso é comum, a julgar pelos testemunhos que outras mulheres deram quando se comprometeram com a greve.
Para se livrar do machismo de cada dia, precisamos fazer alguns avanços contra nossos empregadores nas áreas de independência financeira, salários e de tempo. E precisamos de um movimento feminista independente que impulsione os avanços em ambas as áreas – nas quais o capitalismo está tomando tudo de nós e nas quais o comportamento masculino nos oprime.
O que ocorrerá depois da greve?
Grupos feministas, econômicos e de justiça social estão vendo um grande aumento de interesse em como resistir. Em nosso caso, estão sendo muitas mulheres que nunca tinham atuado em um grupo político. Então, todas nós precisamos ser boas em incorporar novas pessoas e ter certeza de que todas tenham um papel. Também pensamos que os grupos feministas devem confiar em contribuições para o seu financiamento, não em fundações corporativas. O financiamento por fundações canalizou o feminismo em direções menos radicais.
Focaremos no trabalho das mulheres e em como a administração de Trump e Pence quer nos tirar ainda mais tempo e dinheiro. Esses encaixes com seus ataques sobre aborto e contracepção, porque mesmo que as mulheres não desejem assumir todo o trabalho e a preocupação envolvidos na criação de filhos neste sistema, eles podem nos forçar a fazer isso de qualquer maneira. Já temos uma alta taxa de nascimentos não desejados nos Estados Unidos como resultado de restrições na contracepção e no aborto.
Então formamos comitês para lutar pelo aborto e pelo controle de natalidade e também lutando pelo que as feministas chamam de “dupla jornada” de trabalho pago ou não pago. E temos um grupo de mulheres negras que faz as conexões entre racismo e machismo o que é fundamental agora. Trump usou o apelo Republicano padrão para o que é um exemplo de uma ferramenta para fazer as pessoas votarem contra seus próprios interesses – 53% das mulheres brancas que votaram escolheram o bilionário machista.
Isso significa que as feministas têm feito um bom trabalho ao ensinar como a supremacia masculina, o racismo e o capitalismo trabalham juntos. Mas estaremos em rota de colisão na medida em que o Congresso com maioria republicana trata de impulsionar a sua agenda e temos a intenção de estar prontas com um programa que responda aos problemas reais que as mulheres enfrentam.
[1] Redstokings foi o nome adotado por um dos grupos fundadores do movimento de libertação das mulheres em 1969. Hoje é um grupo de pesquisas de base, estabelecido por veteranas do movimento para defender e avançar a agenda de libertação das mulheres. Mais detalhes em seu site.
[2] Programa de atenção médica a maiores de 65 e pessoas com algumas doenças, estabelecido em 1965, no auge das lutas pelos Direitos Civis, encabeçadas pelos negros.
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