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BRASIL

Eu, Daniel Blake é uma história sobre os tempos atuais

Por: Nericilda Rocha, Fortaleza, CE

Grande vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2016, “Eu, Daniel Blake”, filme do cineasta britânico Ken Loach, estreou dia 05 de janeiro no Brasil.

Em tempos de golpe parlamentar para impor um retrocesso nos direitos sociais da população; do terror do desemprego; falta de solidariedade e avanço de setores mais conservadores em vários países, o filme é um recorte dos tempos que atravessamos.

A história é simples, porém intensa. E ainda assim, Loach consegue emocionar.  O filme poderia chamar-se Eu, Daniel Blake e uma multidão. A história se passa em Newcastle, uma cidade decadente ao norte da Inglaterra, onde vive Daniel Blake, um solitário carpinteiro de 59 anos que acaba de sofrer um enfarte.

Impossibilitado de seguir trabalhando, Daniel (Dan) começa sua via crucis pelo auxílio-doença que tem direito.

Entretanto, resistente às tecnologias, Dan enfrenta a enorme burocracia do Estado que exige-lhe comprovar através de formulários online, intermináveis entrevistas e chamadas telefônicas automatizadas, estar impossibilitado de trabalhar. Ainda que possua relatório médicos atestando não poder retornar ao trabalho.

Sem nenhuma outra fonte de renda, entre a humilhação da burocracia estatal e o desespero pela sobrevivência, Dan ainda encontra forças para ajudar a jovem Katie.  Desempregada e mãe solteira com dois filhos, Katie não consegue auxílio moradia na capital Londres e por isso é obrigada a mudar-se para Newcastle.

O encontro de ambos e a relação que estabelecem é a forma do diretor Ken Loach transmitir o que há de mais humano, a solidariedade. Principalmente em tempos tão sombrios e individualistas.

Aliás, uma das características da filmografia de Loach.  Seus protagonistas são pessoas reais como nós, expressão das contradições sociais do desumano sistema capitalista, mas que sempre lutam contra suas mazelas e pela sua superação.

No recorte da história de Dan e Katie, em um contexto de desmonte do estado de bem estar social europeu em tempos de crise, o diretor expõe de forma realista, a “miséria” dessa sociedade capitalista e como o Estado é um obstáculo e um opressor contra os pobres. A cena da fome de Katie, abrindo uma lata de molho de tomate e comendo-o puro é a maestria de Loach em lembrar a humanidade que ainda somos humanos.

É impossível o público não se identificar com o sentimento de impotência de Dan e Katie frente à burocracia do Estado, de “quase inúteis” perante a sociedade de mercado e que, por vezes, essa impotência é um dos fatores que nos leva as chamadas doenças do século: transtornos, depressão, quando não suicídios.

Em um primeiro momento, pareceria um filme pessimista ou que em Eu, Daniel Blake, o cineasta se distanciou de uma das suas características mais marcantes, as lutas de resistência em dramas de época, o que lhe rendeu maior notoriedade.

Em Terra e Liberdade (1995) abordou a guerra civil espanhola, Ventos da Liberdade (2006) que lhe rendeu sua primeira Palma de Ouro em Cannes e sobre a luta pela independência da Irlanda, Jimmy’s Hill (2014) que mostra o conflito entre comunistas e setores mais conservadores após a guerra da independência da Irlanda.

Mas não é isso. Nem estamos perante um distanciamento de suas grandes obras e tampouco se trata de um filme pessimista.

Em Pão e Rosas (2000), a partir de um personagem, o cineasta abordou a situação do trabalho sob o capitalismo global e em particular o papel “reservado” às mulheres. Em Meu nome é Joe (1998) a luta de um alcoólatra, e no belíssimo Uma Canção Para Carla (1997) uma história de amor no meio da revolução sandinista.

Agora com Eu, Daniel Blake, Loach continua com os recortes em histórias de personagens que nos leva ao mundo real. O que o cineasta não abre mão é de passar para a ficção as convulsões e as injustiças sociais.

E onde estaria a mensagem de esperança em Eu, Daniel Blake? Parece-me que na capacidade de resistência de não perdermos a solidariedade. É como diz a canção “Que el dolor no me sea indiferente”.