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Tragédia em Manaus escancara o fracasso do nosso sistema carcerário

Aderson Bussinger

Advogado, morador de Niterói (RJ), anistiado político, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ e diretor da Afat (Associação Fluminense dos Advogados Trabalhistas).

Por: Anderson Bussinger, do Rio de Janeiro.

O ano começou com a rebelião e massacre de presos em Manaus nos dias 1º e 2 de janeiro. Oficialmente, o número chega a 56 mortos, alguns decapitados e barbarizados. Mas o que esperar do sistema prisional brasileiro, que custodia 622.202 presos em um total de 371.884 vagas (dados do Conselho Nacional de Justiça)?

Para se ter uma ideia deste permanente crime do Estado, somente no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, cenário de mais esta  barbárie, a capacidade de acomodação comporta 592 vagas para 1825 detentos. O que esperar desta situação de espaço, acrescida de maus tratos, tortura, péssimas condições de higiene, doenças, sujeira e negligência com o tempo de cumprimento das penas? O que esperar se os presos, de um lado  são oprimidos pelo carcereiro e do outro, são controlados e extorquidos pelas diversas facções  do crime organizado?

Some-se a isto o fato de que 40% da população carcerária é ainda provisória. Leia-se: não é condenada em definitivo e não possui condições de constituir advogados para cumprirem em liberdade, com tornozeleiras eletrônicas. Mas o que esperar? Mais uma vez, nada!

Haverão investigações, inquéritos , CPI, comissões nacionais e internacionais, como nos casos de Carandiru (1992), Benfica-RJ (2004), Urso Branco-RO (2002), Pedrinhas-MA (2013). Mas infelizmente não se pode esperar nada. Estas apurações, salvo honrosas excessões, não se fazem de forma independente. Seus métodos e conclusões são atrelados a lógica de quem está no poder.

Não é atoa que o Brasil já responde pelo massacre do Carandiru na Corte Interamericana  de Direitos Humanos. Sou cético (embora defenda que sejam pelo menos realizados) quanto a tais procedimentos de apuração, pois entendo que o problema é estrutural e diz respeito à forma como são tratados pelo sistema capitalista os pobres e especialmente os negros e negras que por algum motivo, ou sem motivo, são encarcerados e torturados ininterruptamente pelo nosso sistema policial-judicial-criminal.

Quem financia as facções como o PCC? Quem fabrica, contrabandeia e deixa as armas adentrarem nos presídios?  Este horror de 1º de janeiro é o que nos promete todos os dias de 2017 este  ilegítimo governo Temer, reduto do crime financeiro e industrial organizado no Palácio do Planalto. Isto é o que defendem personagens nocivos e homofóbicos como Bolsonaro e Malafaia, tão ouvidos  (e votados) por uma parte da iludida “classe média” (até que seus filhos ou filhas sejam também alcançados pelo sistema prisional). Esta é a perspectiva sombria de grupos direitistas como o MBL, e outros que se assumem inimigos dos defensores dos direitos humanos e paladinos da probidade administrativa, da moral estilo “verde e amarela da CBF”.

Infelizmente, a barbárie contra presos, LGBT, negros, índios, mulheres e crianças continua. E enquanto  não houver mudanças de fato no sistema, temos que seguir lutando, desde o mínimo, por direitos sociais, humanos, avançando para mudanças maiores, para que não mais se repita. E que ao menos sirva para despertar consciências iludidas mas honestas .

Aderson Bussinger é Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil – Rio de Janeiro (OAB-RJ) e ex-vice-presidente presidente da comissão de direitos humanos da entidade.

Foto: Jeso Carneiro

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sistema carcerário