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EDITORIAL

Estado espanhol : Podemos e PSOE terminam o ano divididos internamente

Por MAS, Portugal

O Estado Espanhol [1] é dos países Europeus que encerra mais contradições: uma economia antiga, cada vez mais dependente das grandes potências europeias e dos EUA, desindustrializada, cruzada por tensões independentistas, sangrada por uma onda de emigração etc. Um país, como Grécia e Portugal, fustigado pela austeridade imposta após a crise de 2008.

Essas contradições explodiram entre 2011 e 2014: as grandes marchas pela independência da Catalunha, o movimento dos indignados, as greves gerais e as lutas dos mineiros são expressões da complexa realidade do país. O surgimento de formações como o Podemos e Ciudadanos ou o impasse de quase um ano em que o país ficou sem governo eleito foram reflexos de um país em transição. Hoje, apesar de a situação estar mais calma – o PIB pode crescer acima dos 3% este ano e as lutas sociais têm diminuído – o cenário social mostra a decadência do país, paga pelos trabalhadores. Mais de 28% da população vive em risco de pobreza, 22% é diretamente pobre e quase 15% dos trabalhadores também. O desemprego, apesar de ter descido, está nos 19% e nos 44% entre os jovens.

Necessariamente esta realidade, mesmo quando não gera grandes conflitos e lutas sociais, expressa-se na vida política do país. A crise do centro político, espelhado sobretudo na crise do PSOE e no crescimento do Podemos, é a maior expressão desta reorganização política de massas.

PSOE em crise pela ameaça da “pasokização”

Nas eleições de dezembro de 2015 ganhou o centro direita, seguido do PSOE[2], com as duas novas formações políticas, Ciudadanos (centro-direita) e Podemos na casa dos 14%. Era a destruição do centro político e nenhum dos dois principais dirigentes – Mariano Rajoy, do PP ou Pedro Sanchez, do PSOE – conseguiram forjar alianças para formar governo. Isso obrigou à repetição das eleições, no verão de 2016, com um cenário semelhante. A possibilidade de umas terceiras eleições esteve colocada porque o secretário-geral do PSOE se negava a estender a mão ao PP e permitir uma maioria parlamentar. Isso foi resolvido com um golpe interno no PSOE.

Como tem acontecido em outros países europeus, tem sido a centro-esquerda a pagar de forma mais dura a ruptura de milhões de eleitores com o bipartidarismo. A destruição do PASOK[3] paira como aviso sobre a social-democracia europeia. A aposta de Sanchez era a de salvar o PSOE como o seu congénere português fez, até agora com sucesso: governando em aliança com a sua esquerda, prendendo-a ao centro político e impedindo-a de fazer oposição. Porém ninguém facilitou a vida a Sanchez: Pablo Iglesias exigia, para se aliar ao PSOE, a disponibilidade para um referendo sobre a soberania da Catalunha, coisa que o PSOE não podia aceitar. Por outro lado o regime político espanhol, uma monarquia herdada do franquismo, não tem flexibilidade para aceitar uma governo com os “radicais” do Podemos. O impasse ameaçava levar a uma nova eleição e, para o impedir, o aparelho interno do PSOE, apoiado em figuras como Zapatero e Felipe Gonzalez[4], forçou a demissão de Sanchez e colocou em seu lugar uma direção transitória que se apressou em se abster no parlamento, permitindo que o PP governasse. Esta não foi uma decisão pacífica: vários deputados do PSOE romperam com a disciplina e votaram contra Rajoy. Sanchez anunciou que será candidato nas próximas primárias contra a candidata do aparelho, Susana Diaz. Os dois candidatos à liderança do PSOE refletem duas estratégias para evitar a “pasokização” do PSOE: uma aliança com Podemos e Ciudadanos, de forma a se proteger da crise internacional da social-democracia, ou um regresso a um PSOE “forte”, na centro-esquerda, que seja mais próximo do PP que do Podemos, como proposto por Susana Diaz. A guerra entre esses sectores não é mais do que o regime bipartidário monárquico e espanholista que luta para preservar um dos seus apoios centrais: o PSOE.

 

A direção do Podemos se divide

 

Dentro do Podemos parece ocorrer uma divisão – por enquanto ainda não se trata de uma crise – simétrica. O Podemos é uma das forças de esquerda com maior expressão eleitoral da Europa. Apesar das crises e da instabilidade internas, nada indica que esta força se esvazie nos próximos anos. Porém, chegou a figurar nas pesquisas como a primeira força política e gerou espectativas de poder reproduzir o sucesso eleitoral do Syriza. Após ter ficado aquém dessa expectativa, e como diminuíram as lutas sociais que, indiretamente, aumentaram a  influência do Podemos, o partido precisa se relocalizar politicamente. Da mesma forma como  ocorre  no PSOE,  sua direção se dividiu. Pablo Iglesias defende o “regresso às ruas” e um reforço da aliança com a Izquierda Unida[5] enquanto seu braço-direito, Iñigo Errejon, defende um discurso de maior “responsabilidade”, próximo ao da centro-esquerda, deixando as portas abertas para alianças com o PSOE. Iglesias tem defendido publicamente que é preciso girar à esquerda, chamando à atenção para a forma como a extrema-direita tem crescido em outros países, apoiada em um eleitorado radicalizado. Porém, apesar de apontar para algumas mudanças no terreno discursivo e, eventualmente de alianças, Iglesias não fala em “radicalizar” o Programa do Podemos, que se tornou cada vez mais moderado, aceitando a União Europeia, o Euro e o regime Monárquico e opressor do Estado espanhol, assim como não reconhece o direito das nacionalidades oprimidas a decidir unilateralmente a sua independência[6].

Essas divergências vão marcar o Congresso do partido nos primeiros meses do próximo ano. Além disso se soma-se a Iglesias e Errejon setor Anticapitalistas, diigido por Miguel Úrban e Tereza Rodriguez que tem origem no partido trotsquista LCR, depois Izquierda Anticapitalista. Eles têm uma proposta mais à esquerda, de enraizamento nas lutas sociais e de “regresso ao Podemos das origens” também em nível programático. O grande acordo entre todas as correntes é que Iglesias deve ser mantido como secretário-geral, porém este diz que não aceita caso a sua orientação política não vença.

A medição de forças já começou. Antes das votações dos delegados e das posições políticas e da eleição da direção, os inscritos do Podemos serão chamados a votar nas regras que irão reger o Congresso. A votação foi on-line, entre os dias 18 e 21. As diferentes correntes fizeram distintas propostas, sendo que a corrente de Errejon e os Anticapitalistas defendeu um modelo de eleição da direção com maiores garantias de proporcionalidade e Pablo Iglesias apostou em um modelo mais centralista. A votação mostra um Podemos dividido: a proposta de Iglesias obteve 41,6% e a de Errejon 39%. Os Anticapitalistas obtiveram 10,5% em uma votação em que participaram cerca de 100 mil dos 400 mil inscritos no partido. Embora Iglesias tenha declarado que “ganhou o Podemos”, depois da votação vários incidentes já abriram um fosso entre “pablistas” e “errejonistas” que têm se enfrentado nas redes sociais.

Tanto a crise de POSE como a de Podemos não são mais do que a expressão de um regime em crise profunda e em reorganização política. As múltiplas contradições que o Estado Espanhol enfrenta fazem com que a reorganização política – da qual estas crises são só a “ponta do iceberg” – seja das mais dinâmicas e exuberantes da Europa. É essencial seguir o cenário espanhol essencial para perceber que forças liberará a crise de representatividade da democracia burguesa e como os revolucionários poderão se fortalecer nesse cenário.

[1] Usamos a expressão “Estado Espanhol” e não “Espanha” pois esta designação para o país omite a existência de outras nações dentro das fronteiras “espanholas”, identificando o estado com a nação espanhol central e opressora face às nacionalidades basca, catalã e galega;

[2] Partido Socialista Obrero de España, representante da social-democracia clássica, convertido ao social-liberalismo como a maioria da centro-esquerda europeia;

[3] Partido Socialista Grego;

[4] Ex-primeiros Ministros;

[5] Partido Político que serve de “frente política” ao Partido Comunista Espanhol e que concorreu nas últimas eleições coligado ao Podemos;

[6] Devido às grandes lutas pela autodeterminação na Catalunha e às alianças do Podemos com Ada Colau, “Alcadesa” de Barcelona que acaba de fundar um novo partido na Catalunha junto com o Podemos, as posições de Pablo Iglesias têm ziguezagueado. Recentemente têm defendido um referendo sobre a independência da Catalunha, mas apenas se o Estado Central aceitar;