Renan Calheiros estava radiante na cadeira da presidência do Senado nesta quinta. A alegria era incontida: vencera a batalha. No momento do discurso, Jorge Viana se aproxima. Renan segura sua mão carinhosamente, num gesto de gratidão. O senador petista, de cabeça baixa, como que constrangido, ouve o agradecimento: “O Jorge sempre agiu para além dos seus interesses. Sempre focou a defesa do interesse nacional”, argumentou Renan.
Algumas palavras mais e Renan finaliza: “Foi este papel que Jorge, em nome do Senado, em nome da democracia, em nome da separação dos poderes e em nome do PT também, apesar dele ser mais amplo e maior que o PT, cumpriu. E isto ficará registrado na história do Brasil”.
Palavras e gestos
O STF curvou-se ao Senado de Calheiros em nome da estabilidade. O curto-circuito institucional chegara longe demais, ameaçando a aprovação da PEC do Teto (55) e o calendário das contrarreformas neoliberais. Prevaleceu o instinto de sobrevivência do ajuste burguês. Temer obteve, desse modo, uma vitória nada desprezível ao ter arbitrado o conflito, disciplinando ambos os lados à agenda do governo e logrado, por fim, uma solução mediada.
Nesse arranjo sinistro, um ator entrou em cena para um papel desconcertante. O senador Jorge Viana (PT-AC), o substituto do alagoano na presidência, estendeu a mão a Calheiros e ao governo Temer, numa atitude incompreensível para um líder político que, em tese, deveria enfrentar os golpistas.
Renan apoiou o impeachment em sua fase decisiva. É fiador entusiasta do ajuste neoliberal no Senado, conduz as votações da PEC 55 e prepara a tramitação da reforma da Previdência. Motivos não faltavam, portanto, para que Viana e o PT aproveitassem o momento político chave para paralisar, ou ao menos dificultar, o andamento das reformas no Congresso.
Mas não, foi tudo ao contrário. O senador do Acre não satisfeito em prestar solidariedade explícita a Calheiros e evitar qualquer atrito com o governo Temer, articulou junto ao STF a manutenção de Renan na presidência.
A postura de Viana não foi repreendida pela direção do PT. Pior, houve um silêncio perturbador, uma espécie de cumplicidade das lideranças petistas. Nenhuma declaração de Lula, nenhuma entrevista de Rui Falcão e nem mesmo nota do partido houve. Não há como disfarçar: Jorge Viana teve, como mínimo, cartas brancas do partido para fazer o que fez.
Alguns senadores do PT e do PCdoB, liderados por Lindbergh Farias, pronunciaram-se contra Renan e sugeriram a retirada da PEC 55 do calendário de votações. Mas, mesmo estes não se opuseram publicamente à posição do colega de partido. Enquanto Viana tecia a proteção a Renan, senadores do PT faziam discursos inflamados contra o governo. Formava-se, com isso, uma imagem bizarra pela sua incoerência e contrassenso. Novamente, o PT falava uma coisa e fazia o oposto.
O PT contra o golpe?
O deprimente episódio protagonizado por Jorge Viana demonstra, mais uma vez, o grau de adaptação do PT a esse sistema político apodrecido, a sua incapacidade de levar adiante qualquer luta consequente contra Temer e, também, os laços de colaboração mantidos por seu núcleo dirigente com a ala do PMDB de Renan e Sarney.
O partido de Lula já não havia lutado de verdade contra o impeachment, apostou até o último momento na conciliação de classes e foi esmagado sem dó, nem piedade. Pois bem, não seria agora que tomaria uma posição de enfrentamento sério com o governo Temer. Como dizia o Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Foto: Geraldo Magela / Agência Senado
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