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BRASIL

Crise entre Legislativo e Judiciário ‘jogou’ a PEC no colo do PT

Reunião da mesa diretora. Participam: senador Jorge Viana (PT-AC); senador João Alberto Souza (PMDB-MA); presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL); secretário-geral da Mesa, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho. Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Por: Marcello Locatelli, de Curitiba, PR

Diante da crise entre Legislativo e Judiciário, PT abre mão de barrar ‘PEC do fim do mundo’. A crise institucional ‘jogou’ o futuro dos trabalhadores no colo do petista Jorge Viana, que rapidamente tratou de devolvê-lo ao PMDB, agindo como se estivesse com uma batata quente nas mãos. Em meio a tantos fatos controversos, que envolvem as instituições e os principais atores políticos da democracia burguesa no Brasil, é fundamental aferir a situação desde o ponto de vista da classe trabalhadora. Esta é uma condição para traçar uma orientação política capaz de fortalecer a resistência contra as reformas que compõem o ajuste fiscal.

O dia 29 de novembro marcou um momento importante na conjuntura que vivemos. Neste dia, o Senado aprovou em primeiro turno o Projeto de Emenda Constitucional do corte de gastos (PEC 55), e a Câmara dos Deputados votou o Projeto de Lei conhecido como ‘Dez medidas de combate à Corrupção’. Este último foi aprovado por ampla maioria, com algumas modificações que não agradaram os ‘senhores e senhoras’ representantes do Poder Judiciário. No dia seguinte (30), os principais agentes à frente da operação Lava Jato, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, foram a público defender seus privilégios e poderes. No Congresso Nacional ameaçaram abandonar os trabalhos da Lava Jato.

Sem dúvida, o episódio abriu uma crise entre os poderes Legislativo e Judiciário. Ainda no dia 30, Renan Calheiros (PMDB) fracassou em aprovar em regime de urgência o ‘pacote anticorrupção’ que acabava de chegar ao Senado, numa evidente tentativa de salvar os corruptos sob investigação, incluindo a si próprio.

Na segunda feira (06), o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello emitiu limiar afastando Renan Calheiros da presidência do Senado, sob o argumento de que um ‘Réu’ não pode estar na linha sucessória da Presidência da República.

Com a queda de Renan, quem assumiria a presidência do Senado seria o 1° vice – presidente da casa, o Senador Jorge Viana (PT). A crise política-institucional se agravou, visto que a votação em segundo turno da PEC 55 poderia estar ameaçada, uma vez que a bancada do PT tem se posicionado contra a PEC. Começaram, então, uma série de movimentações, declarações e articulações que culminaram na votação em que a maioria dos Ministros do STF manteve Renan na presidência do Senado, uma demonstração nítida de qual é o papel de cada um desses personagens e dessas instituições na atual crise política e econômica.

Porém, o mais controverso em meio a esta crise, o que mais saltou aos olhos do povo atento, foi o fato de Renan se recusar em cumprir uma decisão de um Ministro da instância maior do poder Judiciário, o STF. Mas porque Renan não foi preso por desacatar a decisão? Ora, a justiça  não é igual para todos, não são todas as pessoas que tem o poder de unificar o Senado em torno a tantos ataques que precisam ser aprovados a ‘toque de caixa’ em meio a crise política. Não são todas as pessoas que podem representar tão bem os interesses da classe dominte no Senado. Vale tudo para manter a agenda do Ajuste Fical. Uma prova de que o Judiciário tem lado e fez um julgamento político.

Através do STF o Judiciário demonstrou que não é neutro

Os trabalhadores e jovens estão corretamente indignados com tanta corrupção e sujeira na democracia brasileira. A maioria do povo sabe que Renan é corrupto e se pergunta: Por que o STF absolveu Renan? Por que deixou um corrupto na presidência do Senado?

A resposta é simples, sem Renan Calheiros na presidência do Senado, e com um petista em seu lugar, a aprovação da PEC 55 ainda neste ano estaria ameaçada. Aos olhos de todo o país, o julgamento dos magistrados no plenário do STF foi nitidamente e essencialmente político, fruto de uma articulação política que envolveu todos os principais partidos que influenciam as instituições do Estado, incluindo o PT.

A verdade é que, através do Poder Judiciário, a classe dominante conseguiu manter a unidade dos poderes em torno à estratégia de levar adiante a votação da ‘PEC do fim do mundo’ para o próximo dia 13 e o início da tramitação da Reforma da Previdência para ainda este ano. Com isso, ganharam o imperialismo e a burguesia brasileira.

O Poder Judiciário mostrou que tem lado e está com a classe dominante, não titubeou em absolver um corrupto e cumprir a sua missão diante da crise institucional e da divisão entre as distintas frações burguesas que se expressa (aparece) neste momento na crise entre o Legislativo e o Judiciário.

A Lava Jato aparece aos olhos de todos com neutralidade, mas esta é apenas a aparência. Através da Lava Jato e da suposta ‘neutralidade’ do Judiciário, o imperialismo e um setor da burguesia brasileira, representados principalmente por um setor do PSDB, abraçaram a bandeira contra a corrupção para poder confundir a maioria do povo e oferecer uma saída reacionária nos terrenos econômico, político e social.

Existe uma sólida unidade da classe dominante e dos seus partidos em aplicar as medidas de austeridade que submeterão a classe trabalhadora a mais exploração. Isso explica o papel do STF em garantir uma estabilidade momentânea entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Isso explica a maioria esmagadora que Temer possui no Congresso Nacional em torno ao Ajuste Fiscal (PEC 55, Reforma da Previdência, MP 746).

Ao mesmo tempo, a crise entre Judiciário e Legislativo demonstrou que existe uma “crise nas alturas”, um conflito inter-burguês, onde um setor da classe dominante se apoia diretamente no imperialismo para levar adiante mudanças mais profundas nas instituições democrático burguesas no Brasil, vislumbrando um projeto de poder com características bonapartistas mais delineadas, com maiores restrições às liberdades democráticas para os trabalhadores e suas organizações políticas e sindicais.

A unidade fundamental do bloco burguês que articulou o golpe parlamentar e derrubou Dilma (PT) está permeada por essas contradições. A fração da classe dominante mais ligada ao imperialismo sabe os limites do governo ilegítimo do presidente Michel Temer. Por isso, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) não descarta sua queda e insiste em dizer que o governo Temer representa uma ‘pinguela’, uma espécie de ponte frágil que se tem hoje para atravessar um trecho perigoso.

PT abre mão de barrar ‘PEC do fim do mundo’

Em discurso no Senado, tecendo elogios, Renan disse que o petista Jorge Viana “cumpriu um papel extraordinário em todos os momentos da crise”. Afirmou: “Jorge não é petista, é uma instituição suprapartidária”. Ainda, completou: “Todos ganham, o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. Ganha, sobretudo, a democracia, graças à dedicação de Jorge Viana”.

É lamentável que a cúpula do PT tenha permitido que Jorge Viana desempenhasse esse papel traidor. Mesmo fora do governo, este partido continua com a política de colaboração de classes com a burguesia. O parlamentar petista cumpriu papel duplamente nefasto. Para não assumir a presidência do Senado, foi um dos principais articuladores do acordo de absolvição de Renan junto aos partidos, o Palácio do Planalto e o STF.

“Procurei fazer o que todo vice deve fazer: ser vice e trabalhar para exercer o mandato apenas numa situação excepcional, o que não era o caso”. Estas foram as palavras do próprio Jorge Viana. A cúpula do PT demonstrou que não é capaz de passar das palavras aos fatos quando o assunto é romper com a colaboração de classes e se posicionar ao lado da classe trabalhadora. Quando o futuro da classe caiu em suas mãos, a decisão foi devolvê-lo às garras da burguesia. Este é mais um capítulo da história, onde os partidos reformistas demonstram perante todo o movimento de massas que são incapazes de oferecer uma saída com independência de classe. Ao contrário, fazem de tudo para salvar o regime burguês.

Salta aos olhos dos trabalhadores que ainda guardam alguma esperança no petismo, que este partido, em meio a tantos ataques desferidos, tenha devolvido a responsabilidade de levar, ou não, adiante a votação da PEC para as mãos do PMDB, um dos partidos articuladores do golpe parlamentar.

Frente Única para lutar e Frente de Esquerda como alternativa política

O papel desempenhado por Jorge Viana está em sintonia com a estratégia que Lula, PT e PC do B começam a apresentar como saída política. Estão trabalhando por uma ‘Frente Ampla’ com setores ‘progressistas’, ou seja, com setores burgueses supostamente progressistas. Ciro Gomes (PDT) cabe neste projeto.

Trata-se de uma nova roupagem para o projeto de colaboração de classes, uma frente contra os ataques sem o objetivo de barrá-los e sem levantar a tarefa de derrubar Temer pelas mãos do movimento de massas. Visto assim, nada mais é do que uma nítida estratégia, Lula nas eleições 2018. Isso explica porque Viana e o PT abriram mão de barrar a PEC quando esta caiu em seus colos no início da semana. Para os líderes petistas, basta desgastar o governo Temer através da luta contra os ataques. Esta política trava a ação independente do movimento de massas.

A classe trabalhadora possui muitas organizações políticas e sindicais. Sem uma Frente Única com independência de classe, que reúna todas as organizações e movimentos que têm apoio no seio da classe trabalhadora não será possível acumular forças para barrar o Ajuste Fiscal e derrubar Temer. É preciso que as direções do PT, da CUT, do PC do B, da CTB, do MST e da UNE passem das palavras aos fatos, e comecem a trabalhar pela constituição desta frente, que deve incluir o PSOL, o PSTU, o PCB, o MTST, MRT, a CSP Conlutas, a Intersindical entre outras organizações.

Temos pouco tempo, pela base, nos locais de trabalho, nas fábricas, canteiros de obras, nas escolas, universidades, nos bairros, nas associações de bairro, nas assembleias, nos movimentos sociais, nas frentes contra Temer e nos comandos estudantis os trabalhadores e a juventude precisam avançar na organização da Frente Única.

No terreno político, as organizações de esquerda devem dar passos no sentido de construir uma alternativa política com independência de classe. É urgente a organização de uma Frente de Esquerda Socialista, que reúna PSOL, PCB, PSTU, MTST, MRT e todas as organizações que tenham acordo com um programa dos trabalhadores com independência de classe. Uma das tarefas é construir uma alternativa política diante da falência do projeto de colaboração de classes liderado pelo petismo.

Foto: Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jorge Viana (PT-AC), do commons.wikimedia.org