Terça feira, dia 06 de dezembro. Os ânimos da imprensa acompanhavam o oficial de justiça que carregava as ordens que o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio dedicou à Presidência do Senado. O conteúdo já era notório, inclusive para o destinatário: Renan Calheiros estava afastado da Presidência do Senado. A apreensão da imprensa repousava na reação dele. Uma questão delicada.
O afastamento de Renan implicaria em o petista Jorge Viana assumir o posto, justamente no momento no qual esta casa vota a PEC 55, apelidada de ‘PEC do Fim do Mundo’. Curiosamente, o governo Temer em meio à crise institucional apresentava, pela manhã, mais uma pauta de ataques a direitos com a proposta de reforma da previdência. As manifestações contrárias à PEC proferidas por parlamentares do Partido dos Trabalhadores, assim como a negativa de Renan Calheiros em receber o oficial de justiça na segunda a noite alimentavam a apreensão. Jorge Viana iria assumir a Presidência e barrar a pauta reacionária no Senado? Muitos pensaram nessa possibilidade.
O desenrolar do dia, já por muitos conhecido, surpreendeu e injetou adrenalina na política nacional. Renan Calheiros passou a manhã reunido com parlamentares e líderes partidários, e após algumas rodadas de negociação se apresentou para o país e à imprensa: o Senado não iria cumprir a decisão monocrática do Supremo Tribunal Federal. Motivo? Dentre outros, aplicar a PEC 55 e a reforma da previdência. Aliados? Dentre outros, Jorge Viana. A direção do Partido dos Trabalhadores mais uma vez fica marcada pela covardia e traição em relação aos trabalhadores. Preferem se aliar aos seus algozes em defesa do “republicanismo”.
Como se não fosse suficiente, o Rio de Janeiro ardia em chamas. Para proteger-se do povo, o legislativo carioca que votava seu plano de austeridade transformou o centro da cidade numa praça de guerra. A resistência contra os ataques de Pezão (PMDB) e da ALERJ também marcou os noticiários do dia. O Rio de Janeiro foi palco de ações violentas do estado. Bombas e tiros de bala de borracha chegaram a ser atiradas de dentro de Igrejas históricas. Como resultado, enfrentamentos entre manifestantes e a polícia por cerca de cinco horas com dezenas de feridos.
Ontem fortaleceu-se duas crises em potencial: uma institucional e outra social
A crise institucional ainda segue mais nacionalizada. Porém, há muita água para correr, e o resultado do jogo ainda é incerto. Mais uma episódio é esperado no julgamento do afastamento de Renan Calheiros pelo Plenário do STF nesta quarta-feira (07). Mas, perante o termômetro político do nosso país, alguns elementos apresentaram-se à flor de pele e devem ser debatidos.
O conteúdo político das instituições do estado brasileiro pós-golpe ainda não está claro. Fato é que, neste processo, vemos um fortalecimento das instituições mais autoritárias e bonapartistas do estado brasileiro: exército, polícia federal, polícia militar e o poder judiciário.
Tais instituições adquiriram influência política num ritmo proporcional à queda da legitimidade do poder legislativo e executivo, assim como seu principal satélite: os partidos políticos. A matemática é simples: à medida que o setor majoritário da burguesia criminalizava o PT por crimes cometido por todos os outros partidos burgueses, a desmoralização deste partido implicava na desmoralização de todo poder legislativo e executivo. Todavia, neste caso, a antítese dos poderes legislativos e executivo não foi o poder popular, mas sim o poder judiciário. Não foram os movimentos sociais, foi a Lava Jato. Não foi o trabalhador, foi Sergio Moro.
O poder judiciário tem um limite dentro do estado democrático de direito. Mas, seu prestígio, em contraposição à desmoralização dos outros poderes dilui estes limites e aqui está a gênese da crise institucional que ocorreu terça-feira no país.
Ilude-se quem acredita que a polêmica envolvendo Renan Calheiros e Marco Aurélio, que pode se desenvolver numa crise entre o Senado e o STF, trata-se de posições sobre o ajuste fiscal. Ambos têm acordo na PEC 55, na reforma da previdência e na generalização da restrição de direitos. Talvez, trata-se de duas concepções burguesas sobre o funcionamento do estado, talvez, trata-se de uma modernização reacionária do estado e sua resistência também reacionária. É preciso mais calma e cuidado para compreendermos os rumos do estado brasileiro. Só podemos ter uma certeza: o golpe está em disputa, entre os golpistas.
E o povo? O povo está longe dos melindres palacianos de Brasília. O povo, por exemplo, estava no Rio de Janeiro. Lá, nas ruas do centro da capital fluminense, a outra crise surge à flor da pele. Outros atores, outros problemas. Ali, na cidade maravilhosa, os que digladiaram em Brasília conseguem encontrar um consenso. E tal acordo não agrada aqueles que batem cartão, as trabalhadoras e trabalhadores, a imensa maioria do povo brasileiro.
Os gestores da burguesia estão divididos sobre os rumos do estado brasileiro. Isto coloca uma imensa incerteza no futuro. Todavia, estão unificados nos projetos políticos de ajuste fiscal e retirada de direitos. Já a classe trabalhadora deve compreender que aqueles que se digladiam, pouco se interessam por ela. A nossa sorte depende somente de nós.
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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