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EDITORIAL

Ocupar as ruas pela legalização do aborto

Na última terça feira (29), em decisão inédita, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela concessão da ordem de habeas corpus à médicos e funcionários de uma clínica pela realização de aborto. Durante o julgamento, que valeu para um único caso mas abriu precedente judicial para a discussão em casos semelhantes, os ministros Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber, alegaram que não consideram crime a interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre.

Em seu voto, o ministro Barroso fundamentou: “Em temas moralmente divisivos, o papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir que as mulheres façam a sua escolha de forma autônoma. O Estado precisa estar do lado de quem deseja ter o filho. O Estado precisa estar do lado de quem não deseja – geralmente porque não pode – ter o filho. Em suma: por ter o dever de estar dos dois lados, o Estado não pode escolher um”.

Apesar de tratar apenas de um caso específico, a decisão já provocou a reação dos  setores conservadores da sociedade. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM – RJ), anunciou na madrugada da quarta-feira (30) que vai instalar uma comissão especial na Câmara para reverter a decisão no STF.

O objetivo da comissão é debater uma proposta de emenda constitucional (PEC) que versa sobre a licença-maternidade no caso de crianças prematuras, mas pretendem deixar expresso no texto que o aborto deve ser considerado crime quando praticado em qualquer tempo da gestação.

Atualmente, o aborto não é passível de aplicação de pena no Brasil em dois casos, de acordo com o Código Penal, quando houve estupro e quando a gravidez pode gerar riscos à vida da mulher. Em abril de 2012, o STF decidiu também pela possibilidade de interrupção da gravidez de feto anencéfalo.

A luta pela legalização do aborto é uma das mais antigas do movimento feminista. Falamos em legalização, e não apenas em descriminalização, porque defendemos que a interrupção voluntária da gravidez precisa deixar de ser crime no país, mas que além disso o Governo Federal precisa criar condições para que as mulheres que queiram abortar possam realizar o procedimento de forma legal, segura e gratuita através do Sistema Único de Saúde (SUS).

O aborto é uma realidade no mundo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,1 milhão de brasileiras entre 18 e 49 anos já fizeram ao menos um aborto voluntário. Ao mesmo tempo, a taxa de internação por complicações pós abortamento é de 250 mil casos por ano. Lembre-se que, por ser o aborto criminalizado, muitos casos não são noticiados e por isso não entram na estatística.

Um estudo realizado pela Universidade de Brasília (UNB) demonstrou que, dentre as mulheres que abortam, 81% têm filhos, 88% têm religião e 64% são casadas. São pessoas como nossas familiares e vizinhas. Não foi divulgado o número de mortes provocadas em decorrência do aborto clandestino no Brasil, mas o Governo Federal reconhece que essa é a quinta causa de morte materna e configura um problema de saúde pública.

Para o ginecologista e obstetra representante do Grupo de Estudos do Aborto (GEA) Jefferson Drezett, que há mais de 10 anos coordena um serviço de abortamento legal no país, “a gente não classifica um problema como sendo de saúde pública se ele não tiver ao menos dois indicadores: primeiro não pode ser algo que aconteça de forma rara, tem de acontecer em quantidades que sirvam de alerta. E precisa causar impacto para a saúde da população. Nós temos esses dois critérios preenchidos na questão do aborto no Brasil mas essa é uma ótica nova” (http://apublica.org/2013/09/um-milhao-de-mulheres/)

Os países que recentemente legalizaram o aborto, como o Uruguai, experimentaram queda na taxa de mortes maternas e do número de abortos praticados. Nos seis primeiros meses após a legalização, não foi registrada nenhuma morte materna em decorrência de interrupção de gravidez e o número de abortamentos diminuiu de 33 mil por ano para 4 mil por ano, segundo dados do governo.

Ignorar que o aborto é uma realidade do país e que ele precisa ser tratado como uma questão de saúde pública, não é ser a favor da vida, mas sim ser contra a vida das mulheres. Muitas clínicas realizam abortos de forma segura e com custos elevadíssimos, mas às mulheres pobres, a maioria delas negras, resta a utilização de métodos inseguros para o abortamento que muitas vezes as levam à morte. O papel do governo é garantir que todas as mulheres possam interromper a gravidez se assim desejarem e que tenham a certeza de que poderão realizar esse procedimento de forma segura e gratuita.

O Congresso Nacional e a ala conversadora da sociedade estão se organizando para assegurar que o aborto não seja legalizado no Brasil e para que ele seja criminalizado, inclusive, nos casos em que hoje a prática é autorizada por lei.

Nós, as mulheres, também estamos nos organizando para responder a esses ataques. Em São Paulo, o movimento feminista da cidade realizará uma manifestação no dia 8 de dezembro, às 18:00, no MASP.

Está na hora das mulheres ocuparem as ruas contra os ataques do governo Temer e do Congresso conservador!

 

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil