Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP
Nos últimos dois finais de semana de novembro aconteceram as primárias da direita e do centro francesas. Assim como nos casos do Brexit e na eleição de Trump, todas as previsões iniciais foram por água abaixo.
O primeiro turno, no dia 20 de novembro, teve como vencedor o deputado François Fillon. Em outubro, ele aparecia nas pesquisas em 4º lugar, longe dos líderes. Mas a partir da segunda semana de novembro teve um crescimento impressionante e venceu o primeiro turno com 44,2% contra 28,5% de Alain Juppé (prefeito de Bordeaux). François Fillon desbancou o ex-presidente Nicolas Sarkozy (2007-2012), de quem foi primeiro ministro, que ficou em terceiro lugar nas primárias com 20,5%. A participação no primeiro turno foi de pouco mais de 4 milhões de franceses.
Neste segundo turno, realizado no último dia 27/11, Fillon ganhou com uma distância ainda maior de Juppé: de 66,5% a 33,5% aproximadamente. A participação no segundo turno das primárias foi maior, chegando a quase 4,5 milhões de votos, o que demonstra uma alta adesão ao candidato com maior chance de chegar à presidência da França – para se ter uma ideia do que significa, em 2012, na primária do Partido Socialista (PS) que escolheu François Hollande como candidato, participaram 2,7 milhões de eleitores. Além disso, a primária serviu para arrecadar dinheiro para a campanha da direita, já que os eleitores pagaram uma taxa de 2 € para votar (em cada turno). Os analistas estimam que a campanha de Fillon iniciará com um orçamento entre 8 a 10 € milhões.
Quem é François Fillon?
Fillon é um político profissional nascido em Le Mans, no interior da França. Entrou na política como assistente de deputado em 1976 e de lá para cá acumulou diversos cargos políticos como prefeito, deputado e senador. Participou nos governos como ministro da educação superior (1993-1995) e da educação nacional (2004-2005), além de ter sido o primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy entre 2007-2012.
Sua carreira política foi inteiramente no partido republicano da direita francesa, o mesmo partido do General De Gaulle e Jacques Chirac. Ao longo da história o partido mudou bastante de nome, principalmente pela fusão com outros partidos: entre 1976 e 2002 era o Rassemblement pour la République (RPR); entre 2002 e 2015 chamou-se Union pour un mouvement populaire (UMP); e atualmente chama-se Les Républicains (LR). É o partido que mais governou a França no período do pós-guerra: as únicas exceções foram os governos de frente popular do presidente François Mitterrand (1981-1995), o co-governo do primeiro-ministro Lionel Jospin (1997-2002)[1] e o atual governo do presidente François Hollande (2012-2017) – todos estes governos do PS.
Os republicanos franceses são historicamente a opção clássica de um governo da burguesia francesa. Por mais que o PS tenha aplicado medidas de austeridade, como a última reforma trabalhista, a preferência por um governo do PS apareceu, historicamente, como alternativa secundária para as classes dominantes do país.
Nesse momento de reorganização mundial, com uma clara perda da hegemonia francesa na Europa e após a vitória de Trump, François Fillon será o candidato desse setor político historicamente tradicional.
Qual é o programa de Fillon?
François Fillon apresentou um programa de cunho neoliberal no campo econômico e conservador no plano dos direitos democráticos.
Entre suas propostas econômicas estão a ampliação da idade mínima para aposentadoria de 62 para 65 anos, o corte de 500 mil postos de trabalhos estatais e uma nova reforma trabalhista com o aumento da jornada de trabalho para 39 h no serviço público sem aumento de salarial (a jornada na França é de 35 h). Um verdadeiro “choque liberal” para economizar 110 € bilhões em 5 anos para pagar a dívida pública francesa – atualmente é de 2,170 € trilhões (98,4% do PIB).
No plano dos direitos democráticos, François Fillon, durante toda a campanha das primárias, flertou com a direita católica. Num país em que o aborto é um direito, Fillon evitou se posicionar sobre o tema e não está claro se vai manter, restringir ou acabar com esse direito. Além disso, pretende modificar a lei de casamento para todos, que permite casais LGBTT de se casarem: a mudança seria na adoção dos filhos, que seria adotado apenas por um dos “pais” e não mais pelo casal. Por último, Fillon é favorável a uma lei sobre o burkini, impedindo o direito de utilizar pelas mulheres muçulmanas.
No campo das relações internacionais, François Fillon é considerado por alguns analistas como “pró-russo”, pois tem disposição de entrar em acordos sobre Síria e Ucrânia com Putin, fortalecendo uma tendência que já se expressa com Trump. E, ainda que não seja contra a União Europeia, Fillon compartilha uma ideia de uma “Europa das nações”, isto é, que os países tenham “soberania” para fazerem acordos e políticas sem priorizar a União.
As eleições prometem ser quentes
Neste momento, todos os analistas apostam suas fichas que a direita republicana voltará à presidência francesa depois de um governo socialista fraco, com pouco apoio popular e recheado de ataques aos direitos sociais. Mas, Marine Le Pen, candidata do partido de extrema-direita, Front National, será uma adversária de peso. De acordo com uma pesquisa recente, Fillon venceria o primeiro turno com 26%, contra 24% de Le Pen. Nessa sondagem, o atual presidente Hollande ficaria em 5º, com 9%, atrás de Emmanuel Macron (ex-ministro de Hollande), com 14%, e o candidato reformista Jean-Luc Mélenchon (13%) – a extrema esquerda ficaria cada uma com 1% para Nathalie Artaud (Lutte Ouvrière) e Philippe Poutou (Nouveau Parti Anticapitaliste). No segundo turno, Fillon ganharia de Le Pen (67% a 33%).
Mas ainda é muito cedo para fechar qualquer previsão. As eleições serão apenas em abril. Até lá a disputa tende a se acirrar. Em janeiro teremos as primárias do Partido Socialista que tendem a escolher um candidato mais representativo do que o fraco Hollande (que conta com o apoio do aparato do partido, mas não popular). Além disso, os rumos do Brexit e de Trump podem fortalecer saídas mais à direita, o que coloca uma perspectiva indefinida na disputa entre a extrema-direita xenófoba de Le Pen e o conservadorismo ultraliberal de Fillon.
[1] O presidente era Jacques Chirac da UMP.
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