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Enterrando os mortos

Por: Carlos Zacarias, colunista do Esquerda Online

Fidel está morto, mas a Ação Libertadora Nacional (ALN), ao que parece, acaba de ressurgir no Brasil. Anunciando aos quatro cantos que a iniciativa de recriação ocorre “porque há a necessidade de atuar na clandestinidade, uma vez que a luta dentro de partidos, movimentos sociais e coletivos autônomos se distanciou do povo e da realidade”, uma organização autointitulada ALN acaba de ser fundada no Brasil, com o lançamento de um extenso manifesto na internet. Mas qual é mesmo o significado de fundação de uma organização guerrilheira no ano em que as FARC anunciam acordo de paz com o governo colombiano e que Cuba reata relações com os Estados Unidos? O que significa refundar a ALN há quase 50 anos da experiência original?

Supondo-se se tratar de uma iniciativa autêntica de grupos e, ou indivíduos que lutam pela revolução e não uma “isca” de agentes provocadores para atrair militantes com o objetivo de promover a infiltração nas organizações existentes, podemos ainda perguntar, qual o sentido de reeditar uma experiência que, de conjunto, fracassou e terminou por derrotar toda uma geração de abnegados militantes que terminaram mortos pela repressão?

As perguntas não tem respostas fáceis, mas surpreende que alguém pretenda refundar a ALN numa circunstância em que as guerrilhas se tornaram anacrônicas e as organizações de esquerda dispõem de meios bastante mais eficazes para arregimentar simpatizantes e atuar na luta de massas. De outro lado, causa espanto que em um manifesto público se assuma haver “companheiros dedicados na montagem de um centro de treinamento guerrilheiro”, e que em pleno século XXI se afirme que “Todos nós somos guerrilheiros, terroristas e assaltantes”, quando se sabe que o epíteto de “terrorista” e “assaltante” foi justamente imputado pelos inimigos de classes, encastelados no Estado sob a ditadura.

A ALN original foi fundada em 1967 a partir de uma importante ruptura do PCB. Entre seus principais integrantes, estavam Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, que eram figuras experimentadas na luta de classes no Brasil, com importante papel dirigente no Partido Comunista Brasileiro (PCB) por mais de três décadas. A propósito da criminalização das lutas que brutalmente recrudescia, escrevendo sobre o episódio da sua prisão quando do golpe em 1964, Marighella, que viria a se tornar o principal inimigo da ditadura brasileira, fez questão de deixar claro que era comunista e não um criminoso.

Obviamente que não se pode desprezar a simbologia de uma era de revolucionários que, com fuzis na mão, barba farta e retórica inflamada, desceram a Sierra Maestra para tomar o poder em Cuba. Fidel Castro e Che Guevara são os símbolos máximos de uma época que incendiou corações e mentes e que teve no Brasil ações armadas espetaculares que ajudaram a encantar o olhar de uma geração que iniciava sua trajetória militante no rescaldo da incontornável derrota consumada em inícios dos anos 1970. Passadas algumas décadas, os ideias vanguardistas sintetizados nos escritos de Regis Debray e Che Guevara, que ajudaram a fazer a cabeça da esquerda da época, hoje são peças de museu na conturbada e heroica trajetória das organizações revolucionárias da segunda metade do século XX.

Em que pese a força do romantismo vanguardista, jovens militantes que caminhavam para o trotskismo no início dos anos 1970 não deixaram de abrir polêmica com o que lhes parecia ser um erro. “A propósito de um sequestro”, um importante texto escrito contra as espetaculares ações armadas que culminaram com o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, negava que sequestros e ações armadas de vanguarda pudessem derrotar a ditadura, para concluir que a “preparação do proletariado e a educação de sua vanguarda política começam a partir das lutas moleculares que se desenvolvem na base das associações, ainda que nos períodos de refluxo comparáveis ao que se vive hoje no Brasil (…) Os que hoje pensam poder saltar toda esta etapa de preparação receberão mais de uma vez o veredicto da história”.

Na oportunidade em que refletimos sobre o significado das nossas glórias e fracassos em função da morte de Fidel Castro, não podemos deixar de chamar atenção para os nossos erros e apontar a necessidade de enterrar nossos mortos.

 

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Fidel Castro