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BRASIL

Cláusula de barreira: sinistra consequência do golpe parlamentar

Por: Enio Bucchioni, de São Paulo, SP

No mês de março passado, exatamente no dia 16, quando não havia ainda o MAIS e o Esquerda Online, escrevi um texto de polêmica diretamente com o MES – implicitamente contra a CST e o PSTU – através do facebook. Vou resgatar abaixo alguns parágrafos que virão entre aspas e cujos fatos posteriores confirmaram o conteúdo deles.

As manifestações dos ‘amarelinhos’ eram reacionárias

“Hoje estamos vivendo no Brasil um processo em marcha pela destituição de Dilma pelas ‘leis vigentes’ no país, ou seja, via o impeachment como arma principal.

A direita tradicional, em aliança com minorias da ultra-direita e até mesmo do fascismo, colocou algumas milhões de pessoas nas ruas já faz mais de um ano. São, em sua imensa maioria, gente de poder aquisitivo alto, pequenos e médios proprietários aos montes, executivos, assalariados de alta renda, dirigidos por agentes da burguesia ,desde partidos tradicionais da direita, passando por movimentos extra-parlamentares reacionários.

Ocuparam ruas e praças, aplaudiram o fascista Bolsonaro em Brasília e com as palavras de ordem principais “Fora Dilma”, ”Fora PT”, “Sergio Moro, herói nacional”. “ Polícia Federal, orgulho nacional” etc.”

Amarelinhos” eram dirigidos pela direita tradicional

“ Em São Paulo, o local central da concentração dos ‘amarelinhos reacionários’ é exatamente em frente à Federação das Indústrias de São Paulo, uma das mais importantes organizações de classe da burguesia do país.

O dirigente mais importante dos reacionários é a Rede Globo de televisão através do seu Jornal Nacional, que atinge cerca de 30 a 40 milhões de pessoas todos os dias no horário nobre. Todos os dias há ‘vazamentos‘ importantes da Lava jato ,noticiados com exclusividade pela Rede Globo. Essa emissora passou a semana inteira anterior ao 13 de março convocando ‘casualmente’ a população para a manifestação reacionária dos amarelinhos.”

O objetivo principal era o golpe ‘democrático’ parlamentar contra o governo de colaboração de classes

“O Fora Dilma! por eles entoado é canalizado ,no momento, pelo impeachment no Congresso Nacional, mesmo que esses reacionários saibam que Eduardo Cunha e Renan Calheiros são notórios corruptos. Para eles, os fins, FORA DILMA! , justificam os meios.”

O objetivo da imensa maioria dos setores das classes dominantes com o impeachment tinha por objetivo encerrar o ciclo dos governos de colaborações de classes inaugurado por Lula e o PT em 2002. Em seu lugar, colocar um governo puro-sangue burguês atrelado por completo ao capital financeiro nacional e internacional para fazer todos os ajustes e austeridade contra a classe trabalhadora e demais oprimidos para, em primeiro lugar pagar a dívida pública para os parasitas rentistas.

A ‘justiça’ burguesa, a Lava Jato, a serviço do golpe

“O conteúdo de “Sergio Moro,herói nacional”, significa que esses reacionários em marcha aprovam a ação desse ditadorzinho do Judiciário em suas investidas seletivas somente contra as possíveis – provavelmente verdadeiras em grande parte- falcatruas do PT. Para a reação , não importa se Moro não investigue os roubos praticados por Aécio Neves e por outros líderes do PSDB e do DEM. Não importa os desmando arbitrários e ilegais da ação política de Moro. Não importa se Alckmin ,do PSDB, roubou a merenda e está envolvido na questão do metrô e dos trens. Novamente, os fins- derrubar Dilma do governo- justificam os meios – vazamentos ilegais, prisões arbitrárias, grampos ilegais como na época da ditadura etc.

Desta maneira, o ‘golpe constitucional ou democrático’ é ativado pelas instituições do Legislativo-via Congresso- e pelo Judiciário- via o Ministério Público Federal acionando a Polícia Federal. Essa duas instituições querem colocar abaixo a terceira instituição ,o governo federal.”

Era o começo do surgimento de elementos bonapartistas no cenário nacional.

Os golpistas querem colocar toda a esquerda na marginalidade

Passados nove meses da feitura desse texto, o Congresso Nacional depôs o governo Dilma e não ocorreu a troca do 6 pelo meia dúzia. O governo Temer tem um caráter puro-sangue das classes dominantes. A quantidade de leis e medidas reacionárias efetuadas desde a posse de Temer são incontáveis. Várias páginas seriam necessárias para descrevê-las, entre as quais a PEC do fim do mundo, a famigerada e sinistra PEC 55.

Em março eu havia escrito:

“O FORA PT por eles entoado significa Fora toda a esquerda, pois pelo baixíssimo nível de consciência da população, o PT ainda é visto pela maioria como ‘comunista’. Entenda-se que FORA PT significa, em decorrência, Fora PSOl, PSTU, PCB, sindicatos etc.”

Meu objetivo nesse texto atual é apenas focar uma destas leis em tramitação pelo Congresso, exatamente aquela que quer colocar na marginalidade os partidos de esquerda tal qual vociferaram os ‘amarelinhos’ em suas manifestações reacionárias.

Hoje,23 de novembro, o PSOL postou uma nota onde se pode ler: “na noite desta quarta-feira (23/11), o Senado aprovou a PEC 36/2016, de autoria dos tucanos Aécio Neves (MG) e Ricardo Ferraço (ES), que estabelece cláusula de barreira para que partidos tenham acesso ao fundo partidário e tempo de rádio e televisão, além de estrutura própria de funcionamento legislativo. Foram 63 votos favoráveis e 9 contrários. Agora, a proposta segue para a Câmara dos Deputados.

O texto aprovado foi o substitutivo de Aloysio Nunes (PSDB/SP), que também acaba com as coligações proporcionais a partir das eleições de 2020.

Segundo o texto, os partidos só terão acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita em rádio e TV se obtiverem, no pleito para a Câmara dos Deputados, pelo 2% dos votos válidos em, pelos menos, 14 unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma. Nas eleições de 2022, o percentual passa a ser 3% dos votos válidos, também com um mínimo em 2% dos votos em 14 unidades da Federação

O que acontecerá se passar na Câmara esta PEC anti-esquerda?

Nas eleições de 2014 os dados referentes à Câmara Federal obtidos pelo PSOl revelam que este partido obteve nacionalmente 1,80 % do total de votos válidos, ou seja, 1.745.470 votos.

Assim, de 2010 para 2014 houve um crescimento de 0,60 % . Em princípio, o PSOl poderia obter um crescimento acima de 0,2% e obter os 2% necessário a nível nacional em 2018 .

Já, por exemplo, o PC do B também ficou aquém dessa cláusula em 2014, obtendo 1,97 % a nível nacional.

No entanto, o problema é que esse maldito projeto de lei estipula que cada partido deve obter um mínimo de 2% em 14 estados do país.

Vejamos os resultados obtidos, em porcentagem, em 2014 pelo PSOl e PC do B para a Câmara Federal em cada estado de forma que o leitor possa verificar o maquiavelismo dessa lei proposta pelo corrupto Aécio Neves.
PSOL          PC do B

Acre                          0,16            4.54 %

Alagoas                    0,84%        0,04 %

Amapá                  2,05 %     2,94 %

Amazonas               0,34 %      3,69 %

Bahia                       0,80 %      4,34 %

Ceará                       0,84 %      3,26 %

Distrito Federal    1,37 %       0,48%

Espírito Santo      0,61 %       0,13 %

Goiás                      0,19 %       1,17 %

Maranhão             0,24 %       6,85 %

Mato Grosso    6,08 %     0,24 %

Mato Grosso do Sul 0,46 %  0,19 %

Minas Gerais        0,56 %       1,35 %

Pará                     5,94 %     0,56 %

Paraíba              3.14 %      0,25 %

Paraná                  0,48 %       2,06 %

Pernambuco       0,4 %          2,88 %

Piauí                     0,26 %       4,16 %

Rio de Janeiro 6,98 %    1,25 %

R. Grande do Norte 0,78 %  0,58 %

R. Grande do Sul 1,23 %      3,27 %

Rondônia           0,86 %       1,20 %

Roraima             0,21 %       0,46 %

Santa Catarina 1,13 %         2,66%

São Paulo       2,05 %      1,02 %

Sergipe              0,83 %        3,85 %

Tocantins          0,24 %       3,85 %

Assim, em 2014 o PSOl obteve apenas em 6 estados uma porcentagem superior aos 2 % para deputado federal conforme estipula o projeto de lei em andamento no Congresso. Faltariam 8 estados para poder cumprir com tal requisito.

Já o PC do B conseguiu ultrapassar essa cláusula somente em 10 estados. No entanto deve-se frisar que tanto para o PSOl e muito mais para o PC do B, esses votos por eles conquistados foram conseguidos, em muitos estados, através de coligações com outros partidos, o que agora está sendo vetado pelo projeto Aécio nas eleições proporcionais. Isso significa, em princípio e fazendo apenas uma comparação estática com 2014, que a tendência, sem as coligações proibidas, é da diminuição dos votos de cada partido do ponto de vista percentual.

Em suma, se esse projeto de lei do corrupto Aécio for aprovado, são mínimas as chances do PSOl e do PC do B ultrapassarem a cláusula de barreira. As consequências serão a perda do tempo nas rádios e TVs, ou seja, a comunicação da esquerda com muitos e muitos milhões de trabalhadores, jovens e oprimidos em geral. Também acabaria com fundo financeiro partidário assegurado até o momento para esses partidos.

Seria a marginalidade “legal”. Com o pouquíssimo tempo que o PSOL teve nas eleições em 2016 – cerca de 10 segundos cada vez nos programas políticos das rádios e TVs – esse partido ficou extremamente prejudicado na disputa em relação aos partidos que possuíam vários minutos de exposição . Será fácil imaginar o que sucederia sem qualquer tempo e excluído do debate televisivo entre os concorrentes aos cargos majoritários.

Além disso haveria a exclusão total do PCB com 0,06 % a nível nacional e PSTU ,com 0,19 %.

Se assim ocorrer, a esquerda teria apenas o arqui-reformista e colaboracionista PT nas telinhas das TVs. A esquerda socialista ficaria marginal nos períodos eleitorais, o que seria um evidente retrocesso em relação às liberdades democráticas duramente conquistadas pela população nos últimos trinta e poucos anos.

E os partidos nanicos e médios da burguesia, como ficariam?

Através do site eleitoral citado anteriormente, ficariam abaixo dos 2 % a nível nacional os seguintes partidos burgueses nanicos coadjuvantes dos grandes partidos : PHS,PT do B, PSL, PRP,PTN,PEN, PSDC, PMN,PRTB, PTC e até mesmo a REDE, todos eles com menos de 1 %.

Já o PPS, PROS, PV, PSC e Solidariedade estão em taxas que variam de 2,01 % do PPS até 2,7 % do Solidariedade. Lembremo-nos que estes índices foram obtidos com coligações que seriam proibidas daqui em diante, ou seja, em 2018 estarão fortemente ameaçados de serem engolidos pela cláusula de barreira.

Os partidos citados nos dois parágrafos anteriores correm sério risco de não ultrapassarem a cláusula de barreira a nível nacional . Juntos, eles possuem 84 deputados segundo o censo de 2014. Evidentemente nenhum deles, em princípio, seria a favor do projeto de lei anti -democrático de Aécio.

Há também partidos burgueses intermediários, pequenos mas não nanicos, tipo PDT, PTB, DEM, PRB, PR, PSD, PP cujos percentuais de 2014 para deputado federal variam entre 3,6 % do PDT até 6,4 % do PP. Ocorre, como no caso dos nanicos, que esses índices foram obtidos geralmente em coligações agora proibidas pelo projeto Aécio. Pode-se concluir que, saindo sozinhos em cada estado, esses percentuais deverão diminuir barbaramente e os ameaça de perderem o fundo financeiro partidário e o tempo nas rádios e TVs. Tanto é assim que já se declararam contra o projeto Aécio algumas lideranças nacionais do PTB, PRB,PR , como também do PROS.

Em conclusão, se o projeto reacionário da cláusula de barreira passar haveria apenas, em princípio, garantias para o PT, PSDB,PMDB e PSB, ou seja, para os partidos que conformaram os governos burgueses nas últimas décadas. Evidentemente, querem se perpetuar no poder federal .

A cláusula de barreira passará na Câmara?

Nos dias em que escrevi esse texto vários fatos da luta de classes – como a escandalosa demissão do corrupto Geddel – indicam que a crise política nas esferas do governo Temer adquiriu uma temperatura alta cujos desdobramentos são imprevisíveis. Até mesmo FHC qualificou publicamente o governo Temer de frágil, muito frágil, como se fosse uma pinguela que tenta dar suporte transitório para atravessar um rio.

Se usarmos a aritmética para somar todos os potenciais adversários da cláusula de barreira na Câmara – tal como está no projeto Aécio – chega-se à conclusão que, entre os deputados do PSOL, PC do B, mais os partidos burgueses nanicos e intermediários, há um total de cerca de 271 deputados teoricamente contra. Ou seja, a maioria vetaria esta cláusula de barreira. Esse número é aproximado, não é exato, pois usei os dados das eleições de 2014 e alguns deputados mudaram de partido desde então.

Mais ainda, como se trata de uma PEC, ou seja, um projeto de emenda à Constituição, seria necessário ser aprovada pelo Plenário em dois turnos, com os votos de 3/5 dos deputados , ou seja, 308 votos.

No entanto, uma grande parte desses deputados ligados aos partidos nanicos e intermediários está sub judice, ou seja, envolvidos em processos que se arrastam pela justiça e/ou relacionados nas chamadas delações premiadas da Lava Jato e/ou com seus nomes inseridos nas extensa lista das propinas dadas pela Odebrecht, lista ainda não publicada. Isso significa que eles estão com a corda no pescoço em relação aos pretendentes à bonaparte do judiciário.

Portanto, é impossível qualquer prognóstico nesse momento. Sabe-se que nos bastidores da Câmara já existem boatos de um arranjo entre todos eles para que a cláusula de barreira possa ser rebaixada para 1 % em vez de 2%, o que daria uma sobrevida a vários partidos. No entanto, nada está definido.

De parte da esquerda socialista o que nos cabe é a participação nos movimentos de massa e de resistência aos ataques do governo federal e dos governos estaduais, como no Rio de Janeiro e em Porto Alegre; incentivar as ocupações efetuadas pelos universitários, professores e funcionários das Universidades; fomentar as passeatas e manifestações de ruas contra todas as medidas do Zé Pinguela que momentaneamente ocupa o governo federal. Usar a nosso favor as brechas existentes nas contradições entre os grandes partidos burgueses e os intermediários e nanicos .

São em todas estas ações que poderemos ajudar a brecar o projeto ultra-reacionário do corrupto Aécio Neves e a sua cláusula de barreira.

Foto: Gustavo Lima/ Câmara dos Deputados