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BRASIL

Militares e a Esquerda Socialista

Rio de Janeiro – Brigada paraquedista realiza apronto operacional para os Jogos Rio 2016 na manhã de hoje (08) na Vila Militar, em Deodoro, zona oeste da capital. (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Por: Rafael Machado, do Rio de Janeiro, RJ

A ideia de que os militares têm que ser de direita, ou que a esquerda é inimiga dos militares é uma mentira. Desde o século XIX, a esquerda socialista sempre teve inserção entre os militares e liderou todas as lutas por seus direitos.

Claro que a polícia e as forças armadas, como instituições, não são de esquerda, servem para impor os interesses dos ricos e poderosos sobre o conjunto da sociedade dentro e fora do país. Também sabemos bem que existem diversas críticas que devem ser feitas à atuação da polícia, especialmente em favelas e bairros pobres, bem como às forças armadas em tempos de guerra. Mas, a intenção desse texto é mostrar que nada disso quer dizer que a esquerda deva ser inimiga dos militares.

Primeiramente, os militares não têm a obrigação de concordar com as instituições para os quais trabalham, assim como um bancário não tem a obrigação de concordar com as formas trapaceiras dos bancos de endividarem pobres até o limite. Os militares podem e devem sim questionar as ordens de seus superiores.

Na verdade, a disciplina militar e seu regimento é uma das maiores armas contra os militares. Através deles, os militares são obrigados a seguir ordens arbitrárias (e muitas vezes sem sentido) de seus superiores, sem poder criticar, interferir na decisão, ou, mesmo depois de obedecida a ordem, cobrar de seus chefes as consequências de suas decisões. Através deles, os militares não podem reivindicar seus direitos e, por isso, são obrigados a trabalhar horas extras sem serem pagos, ficarem presos por qualquer coisa insignificante, ser responsabilizados pelos erros de seus superiores ou pelas consequências das ações irresponsáveis dos mesmos. Através deles, os militares não podem se organizar para reivindicar melhorias trabalhistas, ou mesmo se organizar politicamente. Através deles, os militares perdem direitos básicos de cidadãos e de seres humanos.

E quem fundou o regimento militar, bem como a sua disciplina, foi a direita
Alguns militares se questionariam sobre caso seja retirada a disciplina militar se não levaria à ‘bagunça’ e à ‘desordem’. Mas, isso é um erro. Os países do mundo com menor índice de criminalidade são altamente desmilitarizados, com punições legais que se baseiam bem mais em reeducação do que na punição pura e simples. Nós, socialistas, não acreditamos que isso seja suficiente, acreditamos em uma sociedade totalmente diferente da que vivemos e muito mais avançada e justa do que a desses países, mas o exemplo é importante. Além disso, existem outras formas de disciplina que não a militar. Nós, leninistas, nos organizamos através do centralismo democrático, em que a disciplina, assim como a democracia interna, são fundamentais. Além disso, quem depende dos serviços, por exemplo, de saúde, das instituições militares, sabe que o regimento não ajuda em nada para que eles, os serviços, sejam mais organizados ou de melhor qualidade.

‘A Internacional’, hino da esquerda mundial, escrito em 1870, tem um trecho voltado especificamente para os militares: “Façamos greve de soldados!/ Somos irmãos, trabalhadores!/ Se a raça vil, cheia de galas,/ Nos quer à força canibais,/ Logo verá que nossas balas/ São para os nossos generais”.

Vemos na história que a esquerda sempre esteve do lado dos militares enquanto trabalhadores, apesar de ter sempre denunciado o papel das forças das quais fazem parte. Nós, socialistas, fomos contra a primeira guerra mundial. O PCB no Brasil teve como principal líder Luís Carlos Prestes, um militar. A Intentona Comunista foi apoiada principalmente por militares. A Revolução Russa contou com um forte apoio das forças armadas, tendo inclusive vários militantes dos Bolcheviques entre os militares com situações de o próprio Lênin ir discursar em quartéis para assembleias de soldados. A Coluna Prestes teve uma forte composição de militares na sua vanguarda. Na resistência à ditadura no Brasil, vários militares se levantaram, notavelmente Marighela. Nos EUA, a oposição a todas as guerras foi feita por ativistas de esquerda. Na verdade, a predominância da direita hoje nos militares brasileiros é herança da perseguição sistemática feita pelos Oficiais de alta patente a toda a esquerda que povoava os militares, numa caçada verdadeiramente canibal – militar prendendo, torturando e matando militar.

Mas, independente da história, o programa da esquerda hoje é o único que dá conta das necessidades dos militares. Quando falamos de desmilitarização da PM, por exemplo, logo vem a direita a dizer que isso é algo para tirar moral, status e disciplina da PM, para lhe deixar desorganizada e despreparada, como uma forma de apoiar bandidos. A esquerda socialista e revolucionária, no entanto, não tem nenhuma ilusão quanto aos bandidos que extorquem os trabalhadores à ponta de armas, muito menos quanto aos traficantes que impõem um poder autoritário e violento nas comunidades.

Quando nós defendemos a desmilitarização da PM, defendemos, na verdade, medidas que dão mais poder e liberdade aos praças e aos oficiais de baixa patente: eleição dos superiores e comandantes, direito de greve, direito de sindicalização, direito de organização (inclusive política), democracia nas decisões dos quartéis – desde as operação da polícia até o dia a dia, reformas a serem executadas, pedidos de verba, criação de uma relação estreita entre os militares e a população local, permitindo que a população participe das decisões da polícia e integração com a polícia civil.

Isso vai para além de impedir o que é feito de maneira regular pelos grandes oficiais, como mandar um policial arriscar a vida em operações que só os botam em maior risco, mas também os abusos, como militares que são obrigados a fazer serviços para os interesses particulares dos comandantes, inclusive fazer serviços para suas empresas particulares, por exemplo, ou a imposição de esquemas de corrupção sob pena de serem punidos, transferidos, por exemplo.

Além disso, a esquerda socialista, quando defende a legalização das drogas sob controle Estatal, entende que a guerra às drogas impõe aos policiais um regime de guerra permanente, arriscando suas vidas inutilmente por uma causa arbitrária, já que o cigarro e a bebida matam muito mais que várias drogas ilegais. Além disso, a guerra às drogas se converte em uma guerra aos pobres, quando os policiais são mandados às cegas para um lugar que não conhecem, sob enorme pressão, com resistência da população, acabando por matar inocentes e morrer à toa. A guerra às drogas mata policiais e negros pobres sem motivo. A proibição da bebida alcoólica nos EUA gerou as famosas máfias. A sua legalização acabou com elas.

Essa lógica se estende para outras políticas, como ser contra as guerras burguesas, a ocupação militar do Haiti, entre outros.

Isso tudo é apenas um resumo da questão, que deve ser ainda muito aprofundada – principalmente no atual momento em que professores, médicos e policiais lutam juntos no Rio de Janeiro por seu pão de cada dia contra o governo Pézão e Dornelles. Militares são trabalhadores como todos os outros, fazendo coisas com as quais não concordam, submetidos aos desmandos de superiores hierárquicos que não escolheram e sendo punidos injustamente, com o agravante de que tudo isso está a serviço de pôr suas vidas em risco para manter interesses escusos e enfrentar a mesma população que a maioria acredita defender. O momento é o de superar as doutrinas da instituição e se rebelar, lutar junto dos outros trabalhadores até o final, para que se possa mudar para sempre a cruel realidade dos militares. O caminho é pela esquerda.

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Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil