Formação de professores a la fast food

Por: Camila Itikawa, de Curitiba, PR

A primeira imagem que me vem à cabeça é de um balcão da rede de sanduíches Subway, cinco itens para escolha: pão, sabor, queijo/extra, vegetais, molho. Uma pequena interação com o atendente, mexe o pão para lá e para cá e temos a ilusão de um sanduíche ‘fresquinho’ e ‘personalizado’. Ou, numa metáfora para a formação de professores, um processo de treinamento e certificação de professores em cinco semanas. É isso mesmo, cinco semanas e depois esses profissionais assumem turmas por um período de dois anos de ‘treinamento em serviço’.

Assim como os fast foods, o fast teacher training também tem origem nos Estados Unidos. Esse modelo de formação de professores tem sido aplicado pelo grupo Teach for All, que nasce da iniciativa norte-americana Teach for America, em 40 países ao redor do mundo, como uma reforma educacional ‘viajante’. É financiado por uma mistura de filantropia privada e recursos públicos. Por exemplo, o Banco Mundial é um dos parceiros. Há tempos o grupo Teacher for All busca adentrar em solo brasileiro, mas tinha dificuldades justamente por conta de nossa legislação educacional.

Com a Medida Provisória 746, que altera o Ensino Médio e contra a qual os estudantes secundaristas ocupam suas escolas, esse modelo de formação ganha visibilidade e legitimidade. Dentre as alterações descabidas que essa MP promove, passa a permitir que profissionais com notório saber possam dar aulas de conteúdos de áreas afins à sua formação, enquanto o Plano Nacional da Educação (PNE) em vigência estabelece que é preciso garantir que todos professores e professoras do ensino básico possuam licenciatura na área de conhecimento em que atuam. Com a institucionalização do notório saber, as licenciaturas são enfraquecidas e um novo mercado se abre para as Organizações Sociais.

O parceiro do Teacher for All em território nacional é a organização social ‘sem fins lucrativos’ Ensina Brasil, que já existia antes mesmo da referida MP e que vem fazendo o recrutamento de interessados procedentes de quaisquer cursos superiores. Terá sua primeira turma em janeiro de 2017 e, a partir de fevereiro, esses profissionais assumirão a posição de professores temporários, ganhando o salário inicial da carreira. É bastante elucidativo conferir os parceiros do Ensina Brasil, que conta com a Fundação Lemann, do empresário Jorge Paulo Lemann, considerado o brasileiro mais rico do país, com o Instituto Península, ligado ao empresário Abilio Diniz, listado em 2016 entre os 70 maiores bilionários do Brasil pela revista Forbes, com Fundação Itaú (é preciso dizer algo sobre os interesses de um banco?). Essa tem sido a cara dos tomadores de decisões da educação brasileira, o empresariado.

As consequências pedagógicas e políticas de tal modelo de formação de professores são inúmeras, dentre elas, fragilização dos processos de ensino-aprendizagem, pois desconsidera a necessidade de conhecimentos específicos do ensinar, com esvaziamento curricular nas escolas, incentivo ao ensino modular, linear e repetitivo, aumento do número de professores em potencial, de modo a diminuir o valor da força de trabalho, desvalorização do trabalho docente, desestruturação da carreira docente. No limite, a concepção de professor que fundamente esse treinamento é que qualquer pessoa que minimamente domine o conhecimento a ser transmitido pode ser professor dos filhos dos outros, leia-se, das classes populares.

Freitas, no Blog Avaliação Educacional, destaca as consequências nefastas dessa formação docente nos Estados Unidos: “Criou em cada escola uma porta giratória em que professores temporários estão entrando e saindo o tempo todo, pois converteram a profissão em ‘bico’ de estudante universitário desempregado. Tão logo se localizam no mercado em sua profissão de origem abandonam a escola. Além disso, convertem nossas crianças em ‘cobaias’ de professores mal formados e vão aprender com elas a dar aula durante dois anos de suposto ‘treinamento em serviço’”.

Há um aprofundamento no tratamento das políticas educacionais a partir de uma concepção como garantia a um direito social básico para uma concepção da economia e das finanças. Em outras palavras, a política educacional passa a ser governada na perspectiva neoliberal pelas regras do mercado, com repasse de verba pública e, ou dedução de impostos. O empresariado tem se encarregado do destino da verba pública sem o devido debate e interesses públicos. O direito à educação, com o destaque nesse caso para a formação de professores, assim como o direito à alimentação, é convertido em um fast, um item de consumo, uma ação na bolsa de valores, enfim, uma mercadoria.

Foto: DPDHL and Teach For All visit KIPP Academy in The Bronx, NY