Mortes na Cidade de Deus: a guerra às drogas no Rio de Janeiro

Por: Bianca Andrade, do Rio de Janeiro, RJ

A foto angustiante é o ‘saldo de baixas necessárias’ para a política de guerra às ‘drogas’. Aí acrescenta mais algumas dezenas de jovens negros e os quatro policiais. Isso com um corte de tempo e espaço de no máximo uma semana em apenas uma pequena região do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus. Na foto, os corpos dos sete jovens encontrados mortos neste domingo (20) pelas famílias, em uma área de mata na região da Cidade de Deus, na zona oeste do Rio de Janeiro, após a queda de helicóptero da polícia no local.

Não é preciso matutar muito para entender que alguma coisa não está dando certo. Mas, o que não está dando certo? Será que falta investimento do estado na segurança pública? Ou será que temos que rever essa lógica de combate às ‘drogas’?

De 2008, quando foi implementada a farsa das Unidades de Política Pacificadoras (UPPs), no Rio, a 2015, o investimento do Governo do Estado do Rio de Janeiro em segurança foi de R$ 443 milhões, enquanto na educação foram R$ 210 milhões e na saúde R$ 310 milhões. Ou seja, 111% a mais do que na educação e 22% a mais do que na saúde. Portanto, não parece que o problema passe por falta de investimento na segurança.

Para toda guerra tem que se ter condições técnicas, como armamento e toda uma logística de ‘suporte’ e também uma ideia de ‘combate’ que a população compre a sua necessidade. Nesse caso, essa ideia é justo o combate às drogas. A empresa Gaúcha Taurus, que é a maior vendedora de armas ‘leves’ para o Estado do Rio de Janeiro teve um lucro líquido de R$ 14,6 milhões só no 2° trimestre de 2016. Já as armas de ponta, que são usadas pelos ‘grupos de elite’ são importadas dos EUA, o maior exportador de armas do mundo com lucros exorbitantes. Essas são as cifras legais, imagina as ilegais.

Em 2013, a comandante  Pricilla Azevedo, da UPP da Rocinha, declarou ao Jornal Extra que, segundo o levantamento de inteligência da Unidade, o tráfico de drogas movimentava R$ 10 milhões por mês. Mas, esse dinheiro não parece estar no bolso do Nem, ex-chefe do tráfico da Rocinha. Quem mais lucra com o tráfico de drogas, seja direta ou indiretamente, seja na venda ou no combate, não é nem o chefe da boca, quem dirá o fogueteiro, ou aviãozinho. Até aqui, parece ser um negócio bem lucrativo e sem eficiência social.

A verdade é que a questão das drogas não pode e não vai ser resolvida como questão de segurança pública. Há uns dias, uma jovem branca universitária foi pega em flagrante com 6,5 kg de haxixe em um aeroporto em Recife e foi concedido a ela um habeas corpus por não ser considerada um risco à sociedade. Mais uma vez, parece que não são as drogas em si que apresentam um risco à sociedade. O desembargador que lhe concedeu ‘outra chance’ foi além e disse que “Mais risco a si mesma e à sociedade seria entregá-la a um sistema carcerário inapropriado à ressocialização”. Há de se concordar.

Infelizmente, aqui no Rio, a população carcerária, em julho desse ano, era de 50 mil pessoas, enquanto a ‘capacidade’ era de atender a 27.242 ‘vagas’. Desses, 44% , que correspondem a 22 mil pessoas, estão esperando julgamento. São em maioria jovens, negros e com escolaridade até o Fundamental. O problema está aí. Para os jovens negros e pobres nenhuma outra chance, ou pior, nenhuma chance, sem direito pleno à saúde, educação e moradia.

O Brasil é o país com a maior taxa de mortes ‘de violência’ do mundo, e mais uma vez o perfil é de jovens negros. Pagamos com nossas vidas o lucro dos peixes grandes do tráfico de drogas e armas. E isso tem que acabar. Mas, como? Não é de hoje que o Estado do Rio de Janeiro ‘resolve’ com tiro, porrada e bomba. Essa é a face do Estado que mais aparece aqui nas periferias. Quando não, é com escola caindo aos pedaços e hospitais sem infraestrutura que, para termos acesso, morremos nas filas.

É preciso legalizar as drogas, colocar a venda e a produção no controle do estado, ou seja, tirar o lucro desses que ganham com nossas mortes, e investir em educação, saúde, inclusive com políticas para os usuários de drogas e moradia. Não só isso basta. A militarização da PM é fundamental na guerra às ‘drogas’.. É preciso falar sobre a necessidade de desmilitarizar a PM. Chega! Nossas vidas importam!

No mais, deixo aqui a ironia dos ‘princípios e valores’ da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro:

“-Preservação da vida e dignidade humana
-Foco no cidadão
-Valorização do profissional de segurança
-Profissionalização e transparência da gestão
-Atuação qualificada e integrada das polícias
-Redução contínua da violência e criminalidade
-Compromisso com a ética, legalidade e moralidade”