Pular para o conteúdo
BRASIL

O mito da terceirização enquanto ‘modernização empresarial’

Por: Michelangelo Marques Torres

O antigo PLP 4330/04 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2015¹ e atualmente aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional. Essa semana foi anunciada a inclusão do PLC 30, que trata da terceirização ampla e irrestrita, para votação no próximo dia 24 de novembro no Congresso Nacional, conforme anunciado no último dia 16. É bom lembrar que o julgamento do Recurso Extraordinário 958.252, que discute a constitucionalidade da Súmula 33 do Tribunal Superior do Trabalho foi recentemente pautado pela presidente do Supremo Tribunal Federal, em 9 de novembro, tendo sido postergado sua decisão final. A manobra, pelo visto, foi agilizá-lo para ser votado no Congresso, não apenas como recurso extraordinário pelo STF, mas como projeto de Lei pelo CN.

O Judiciário aprovou, recentemente, a medida autoritária de descontar salários relativos aos dias parados de servidores públicos em greve, o que representa um grande ataque aos direitos democráticos previstos na Constituição de 1988. Outra decisão reacionária do STF foi iniciar a Reforma da Previdência ao barrar a possibilidade dos aposentados que continuam trabalhando requererem uma aposentadoria melhor. Há cerca de um mês a mesma Corte votou a prevalência do negociado sobre o legislado, flexibilizando, assim, a livre negociação entre empregador e empregado, dando também início à Reforma Trabalhista. Desta vez, o ataque será pela terceirização: um desmonte descomunal dos direitos trabalhistas.

Agora novamente em votação, o projeto redefine a conformação jurídica das relações de trabalho, permitindo a terceirização das atividades-fim. Trata-se da liberação da terceirização plena, total. Mas, do que se trata o projeto que propõe a terceirização ampla e irrestrita?

A chamada “boa terceirização”, ou “terceirização positiva” apregoada pelos gestores empresariais busca difundir e consolidar a ideia de que atualmente as práticas de terceirização nas empresas são indispensáveis, quando não inevitáveis, à manutenção da competitividade das organizações, nos mais variados setores da economia.

O intuito é que as grandes empresas decidam quais setores e atividades de trabalho poderão ser terceirizadas. Em conformidade com as diretrizes do Banco Mundial, os apelos das entidades patronais no país (a exemplo da CNI e da FIESP) encampam a defesa da regulamentação da terceirização geral. A medida atende aos interesses flexíveis do mercado, afim de conferir “importante passo para a melhora do ambiente de negócios no Brasil”². Contudo, o que está em jogo é a redução de custos empresariais com direitos trabalhistas (com redução de encargos e aumento de lucros) e a flexibilização da legislação protetora do trabalho.

A terceirização é um processo que pode se desenvolver por meio da desativação parcial, ou total de setores produtivos ou, ainda, através da alocação de trabalhadores para execução de algum serviço na própria planta da empresa-mãe (DIEESE, 1993). Se inicialmente a terceirização era um processo corrente em setores com pouca exigência de qualificação, como limpeza e segurança, atualmente essa modalidade de contratação de trabalho vem se expandindo, a exemplo da indústria têxtil e dos bancários.

A terceirização total não pretende regulamentar as condições de trabalho dos atuais 12 milhões de trabalhadores terceirizados no país, mas estender a condição de trabalho terceirizado para mais 40 milhões de trabalhadores ‘prestadores de serviços’. Diferentemente da narrativa que a mídia e os setores patronais procuram legitimar, pretende-se impor uma regressão histórica à legislação do trabalho sem precedentes.

É sabido que o desmonte dos direitos trabalhistas e a precarização do trabalho teve início nos governos FHC. É verdade que os governos do PT também restringiram os direitos trabalhistas³, mas o desmonte, com o governo Temer, é evidente e qualitativamente superior.

O governo golpista de Temer já deixou claro que pretende se esforçar pela aprovação da regulamentação da terceirização ainda em 2016, além de prosseguir com a Reforma da Previdência. Trata-se de um conjunto de ataques aos direitos sociais, conjuntamente com a Reforma Trabalhista, a PEC 241 que congela orçamento da saúde e da educação para os próximos 20 anos, o PLC 257, a reforma privatista do Ensino Médio via Medida Provisória, dentre outros.

Quais os principais mitos sobre a terceirização?
Atualmente, não se pode terceirizar as atividades-fim de uma empresa. Uma vez aprovada, a corporação capitalista terá total autonomia para estabelecer o vínculo trabalhista e a forma de contrato de trabalho para seus “prestadores de serviços”.

Os principais mitos que envolvem a terceirização afirmam que ela possibilita:

a) aumentar a qualidade dos serviços finais;

b) incentivar a contratação de profissionais especializados (prática moderna e de especialização);

c) ampliar a rede de atuação e atendimento da empresa;

d) reduzir os custos operacionais – a subcontratação fica mais barata do que manter profissionais qualificados no quadro da empresa;

e) transferir custos com direitos sociais;

f) gerar maior quantidade de empregos.

Quais as reais consequências da terceirização?
A terceirização facilita a contratação e demissão de funcionários que não atinjam as metas de produtividade, ou devido às oscilações do mercado, desprotege, portanto, os trabalhadores. As taxas de rotatividade de trabalho no Brasil já são imensas, especialmente no setor de serviços. Com a terceirização, a tendência é a elevação da rotatividade e instabilidade no emprego subcontratado. A medida fortalece, nesse sentido, a precarização do trabalho.

Qualquer pesquisa séria aponta que o trabalhado terceirizado remunera 70% se comparado com trabalhadores celetistas formais, além do funcionário trabalhar mais e estar sujeito a maior probabilidade de acidentes de trabalho. Uma vez aprovada, a terceirização completa, total, viria em contexto de ampliação do desemprego – atualmente o desemprego atinge cerca de 12 milhões de brasileiros – e de um mercado dispondo de uma força de trabalho semiqualificada, com baixa remuneração e alta rotatividade de trabalho.

A fiscalização das condições de trabalho também é frágil em empresas subcontratadas. Outra consequência da terceirização incide sobre a sindicalização dos trabalhadores. Além da dificuldade de sindicalizar os terceirizados (a terceirização contribui para a fragmentação do proletariado), a esmagadora maioria do sindicalismo de terceirizados dispõe de caráter patronal (protegem as empresas e não os trabalhadores).

As condições de trabalho análogas à escravidão são maiores em trabalhos terceirizados, segundo o Ministério Público do Trabalho. Sendo assim, a condição de terceirização é desprovida de proteção trabalhista e está mais submetida à superexploração do trabalho.

A medida estimulará, ainda, o fenômeno da “quarteirização” – terceirização dos terceirizados. Além dos trabalhadores da indústria, dos serviços e da agroindústria, abre forte precedente para a terceirização no setor público. Imagine o que será a terceirização total da educação e da saúde, por exemplo? A barbárie.

A terceirização representa o desmonte da legislação trabalhista no Brasil 
A terceirização do trabalho está em consonância com a prática empresarial de “liofilização organizativa” – expressão de Castillo (1996) significando eliminação, transferência, terceirização e enxugamento de unidades produtivas -; visando o aumento do ritmo de trabalho, estímulo ao trabalho e jornada flexível, instabilidade no emprego, novas formas de remuneração flexível (como esquemas de hora-extra e banco de horas), técnicas modernas de manipulação empresarial e gestão organizacional, downsinzing, além do envolvimento subjetivo do ‘colaborador’ da empresa subcontratada com a ‘empresa-mãe’.

Conforme Vasopollo (2006), a terceirização pode ser entendida pela liberdade da empresa em:

a) despedir parte de seus funcionários, sem penalidades, quando o mercado assim exigir;

b) reduzir ou aumentar a jornada de trabalho, sem aviso prévio, em função das oscilações do mercado;

c) pagar salários mais baixos mediante negociações salariais, tendo em vista a concorrência internacional;

d) subdividir e parcelar, quando necessário, a jornada de trabalho conforme a sua conveniência (tempo parcial, trabalho por escala e por turno, horário flexível);

e) transferir parte de suas atividades a empresas externas (terceirizar a produção);

f) contratar trabalhadores temporários, subcontratados e não regulamentados (terceirizar e precarizar as formas de contratação), diminuindo seu quadro efetivo de pessoal contratado.

Trata-se do que o autor denomina por “figuras emergentes do trabalho atípico” (VASOPOLLO, 2006 p.46), isto é, precarizado, flexibilizado e desregulamentado. No caso de eventual aprovação da terceirização total, o trabalho “atípico” se tornará regra geral. Trata-se do ideário neoliberal de empresas enxutas e especializadas.

É preciso que o sindicalismo brasileiro, os partidos de esquerda e todos os setores populares encampem uma campanha nacional contra a terceirização total. Essa desmedida do capital sobre o trabalho pode significar o retorno à condição escravista em pleno século 21, conforme apontou o sociólogo do trabalho da UNICAMP, prof. Dr. Ricardo Antunes, ou à verdadeira redução de direitos trabalhistas, conforme notou o Juiz do Trabalho Jorge Souto Maior.

Em nome da velha “modernização das relações de trabalho”, a aprovação da lei da terceirização e a institucionalização do negociado sobre o legislado são os pilares da Reforma Trabalhista que o capital quer impor ao conjunto dos trabalhadores em contexto de crise.

O andar de cima acendeu o sinal amarelo no andar aqui de baixo. Daqui para frente, a lógica da ofensiva burguesa é a barbárie. Parece mesmo que o imperialismo dispõe de um projeto claramente definido para recolonizar o país. A unidade de ação e de mobilização do proletariado brasileiro será decisiva para barrar essa (des)medida.

Referências
CASTILLO, Juan J. Sociologia del trabajo. CIS, Madri, 1996.
DIEESE. Os trabalhadores frente à terceirização. Relatório de pesquisa. São Paulo, DIEESE, 1993.
VASOPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico determinante do capital no paradigma pós-fordista. In: ANTUNES, R. (org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.

Foto: Fabiano Ibidi/ SMABC