Por: Fábio José de Queiroz, Fortaleza, CE
Enquanto no Brasil, milhares de pessoas ganhavam as ruas contra a política de ajustes selvagens, defendida por Temer, na Venezuela começava a segunda reunião da Mesa de Diálogo, composta pelo governo Maduro, a Mesa de Unidade Democrática (oposição de direita), Igreja Católica (com aval do Vaticano), alguns ex-presidentes centro-americanos e a UNASUL.
O diálogo pode resolver a crise no país bolivariano ou tudo não passa de quimera ou de uma simples guerra posicional? À primeira vista, assim como na vizinha Colômbia, a construção de uma paz estável e duradoura parece pouco plausível em terras venezuelanas. O toque do clarim parece convidar todos a las calles. Vejamos isso mais de perto.
A mesa de diálogo
Depois da segunda reunião da Mesa de Diálogo, a oposição burguesa anunciou acordos logrados pelas conversações, dentre os quais a eleição de novos membros do Conselho Nacional Eleitoral, cuja composição, hoje, é majoritariamente madurista. Junto disso, informou que houve acordo para adoção de medidas práticas imediatas como eleições no Amazonas (um dos 23 estados que compõem a República da Venezuela) e libertação de opositores presos, e outras bem genéricas, aparentemente, que é o caso do “respeito a autonomia, constitucionalidade e atribuições da Assembleia Nacional”, conforme ressalta comunicado da MUD.
O que deseja a oposição de direita? Ela quer construir uma saída eleitoral para o que considera a mais grave crise política e institucional do país. Com efeito, quer aproveitar a crise nacional e, antecipando o calendário eleitoral, buscar retomar o Palácio de Miraflores, há quase vinte anos nas mãos do chavismo. A crise econômico-social (e política) e a morte de Chaves enfraqueceram o projeto nacionalista-burguês, mas não o destruíram. É esse projeto enfraquecido que a Mesa de Unidade Nacional pretende apear do poder mediante a alteração da agenda eleitoral. A antecipação das eleições deve assegurar a derrota do chavismo madurista e o retorno de uma alternativa clássica de feição burguesa. Decorre dessa caracterização, o desejo irrefreável da oposição de direita de, na Mesa de Diálogo, arrancar esse objetivo. Ela viu na reunião do último dia onze um passo adiante para a consecução do seu intento. E Maduro?
Para Nicolás Maduro, que também viu um passo adiante na consecução do seu objetivo, o diálogo do seu governo com a oposição conduziu a “excelentes avances para la paz e la prosperidad” do país. Ele assumiu o papel de comandante da conciliação das forças políticas, reivindicando para si a honraria de alguém que, civilizada e habilmente, convocou a todos a esse diálogo. Por isso, o presidente fala de “buenos acuerdos para consolidar la Patria”, segundo escreveu em sua conta no Twitter.
Os dois lados comemoram. Alguém deve está enganado.
O pós-dia 11: da grave situação da economia à posição da Igreja Católica
Na declaração conjunta que acordaram governo e oposição, insiste-se que é possível que ambos convivam em paz e se propõe “una gran movilización nacional en favor de la concordia, el reconocimiento mutuo y de la paz”, conforme ressalta El Diario de Caracas.
No dia 13 de novembro, no entanto, o mesmo diário informou que setores da oposição pretendem marchar ao Palácio de Miraflores, ainda que desaconselhados pelo arcebispo de Caracas, cardeal Jorge Urosa Savino. Mas que não se iluda o leitor com o eminente líder religioso, como se ele constituísse uma figura neutra. Aliás, o arcebispo reforça o coro da oposição ao afirmar que bloquear o referendo regulatório “é um gravísimo error, porque se trata de bloquear una salida a las crises”. Para ele, “no es posible bloquear la voluntad del pueblo venezolano”, segundo destacou o jornal El Nacional. A Igreja está em campo e tem uma posição. Está no meio de campo, mas municia o ataque da MUD. Aliás, nunca se ouviu falar de meio-campista neutro. Por isso, Jorge Urosa Savino entende que “El cronograma electoral y la libertad de los presos políticos no tienen por qué esperar a que se pongan de acuerdo para asuntos de tipo económico” (El Nacional, 13/11/2016). Ouvido também pela mídia venezuelana, outro cardeal, Baltasar Porras, perguntado sobre o tempo perfeito para Venezuela, respondeu: “El actual, porque no tenemos outro” (El Nacional, 13/11/2016). Ou seja: para Porras, o tempo de Deus é o tempo da oposição burguesa.
Para além das questões divinas, há problemas de abastecimento no país sul-caribenho. O Correio da Venezuela relata as dificuldades para se adquirir produtos como arroz, maionese e sabão em pó. O desemprego cresce e a popularidade do governo despenca, embora ele tenha concedido, no mês de outubro, reajuste de 40% no salário mínimo, a quarta correção só em 2016. Tudo indica, no entanto, que o ano deve fechar com resultados típicos de uma hiperinflação combinada a uma feroz retração econômica. Maduro denuncia a existência de uma política consciente de sabotagem contra a economia Venezuelana. O fato é que o petróleo, principal produto de exportação do país, convive com um quadro internacional desfavorável, o que só agrava a crise da economia e do Estado.
A quem interessa discutir primeiramente os assuntos de tipo econômico? Certamente, essa tática protelatória interessa mais a Maduro e ao PSUV. Eles precisam ganhar tempo, empurrar o referendo revogatório para mais adiante, torcer para que o impossível aconteça, e a crise econômica dê uma trégua, e, assim, o cenário eleitoral possa coincidir com essa aspiração política pouco realista.
Encontrará a burguesia uma saída?
A oposição de direita considera que há uma crise constitucional e democrática no país. O certo é que ela ainda não conseguiu nas negociações impor a reativação do referendo revogatório ou a antecipação das eleições. A declaração conjunta quase que fala por si. No parlamento, outra frente de combate entre os maduristas e os seus opositores, membros da MUD declaram que há uma “rutura” da ordem constitucional e, evidentemente, acusam ao presidente Nicolás Maduro de efetuar a “rutura”. Os parlamentares oposicionistas falam de determinar a responsabilidade política de Maduro, mas esbarram no fato de que a Constituição venezuelana, diferentemente da estadunidense e da brasileira, não prevê o estatuto do impeachment.
Na luta política em curso, no entanto, qualquer coisa é imaginável. A burguesia, certamente, encontrará uma saída para crise, mas se acha longe de alcançar esse desiderato. Concluída a segunda rodada de negociação, tudo é cinza na Venezuela.
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